quarta-feira, 17 de abril de 2013

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações, XLVIII



Escreve

Daniel Teixeira



















AS ESCOLAS EM ALCARIA ALTA

Este nosso jornal tem a sorte de ter entre os seus colaboradores uma Professora Primária, Lina Vedes, já aposentada, que tem contado uma parte, pelo menos, daquilo que foram os dramas e as primeiras experiências dos professores formados aqui no Magistério de Faro, anos 50 e poucos.

Nessa altura eu estava longe de saber que um dia viria a frequentar uma Escola mas quando anos depois chegou a minha vez, as coisas não me pareceram ser muito semelhantes àquelas que a Lina Vedes relata e isto porque já tinham passado alguns anos, as coisas vão evoluindo (nem sempre bem) e no meu tempo o professor primário embora se imaginasse que não vivia na abundância tinha já um estatuto económico e financeiro mais elaborado, para ser simpático, ao mesmo tempo que as escolas que frequentei tinham também já algumas condições diferentes para bastante melhor do que aquelas que foram as Escolas no campo e as primeiras escolas dos primeiros professores.

Mas em Alcaria Alta, já com os meus 10 anos, pelo menos, acabei por encontrar coisas bem semelhantes àquilo que a Lina Vedes descreve embora com intervenientes diferentes. Na altura funcionava por essa serra o sistema das «Regentes Escolares» e salvo erro só em Alcoutim havia professores com a formação própria. A minha mãe, por exemplo, com mais uns quantos anos que eu como é claro foi fazer o exame da 4ª classe a Alcoutim e ainda no meu tempo nem todas as Escolas de Faro tinham essa faculdade, de fornecer o Diploma do final do Ensino Básico (4ª Classe).

Em minha casa ainda ficaram alguns moços e  moças filhos(as) de amigas da minha mãe ou do meu pai, que viviam na cidade e vinham fazer o exame da 4ª ao Bom João, onde havia uma Escola, na altura na Rua Ataíde de Oliveira. O ficar lá em casa era apenas por uma noite, e isto para evitar um acordar muito cedo nas suas casas e a deslocação até ao local do Exame, que era visto também com alguma solenidade e preocupação pelos intervenientes (pais e filhos).

Pois bem e entrando em Alcaria Alta, antes da chamada Escola Nova (agora fechada) estar construída as aulas eram dadas numa divisão emprestada para o efeito por um dos Lavradores lá do Monte. Num dos anos em que lá estava ou a minha Escola começou mais tarde ou a deles começou mais cedo e tive então oportunidade de ver os alunos da Serra em aulas. Para mim e embora a vida me tenha preparado para muita coisa, só o fez mais tarde, e achei muito estranho que as cadeiras fossem também emprestadas pelo Lavrador e que os alunos escrevessem e tivessem o livro em cima do seu colo.

Edifício escolar há muito desactivado. Foto JV
 Alguns dos miúdos e miúdas traziam as cadeiras de casa, aqueles que eram do Monte, mas havia pessoal de vários Montes das redondezas, uns que traziam a sua cadeira logo no primeiro dia com os pais e lá a deixavam ficar e outros que precisavam mesmo de uma cadeira emprestada.

A Professora (Regente) comia e dormia em casa dos Lavradores e segundo me pareceu só ia ao seu Monte ao fim de Semana, que na altura era só o Domingo, embora fizesse para acabar as aulas mais cedo no Sábado a fim de se poder meter a caminho, a pé. Boleias em carro de mula naquela altura, e dependendo dos Montes, eram por vezes mais complicadas do que ir a pé: a volta que se tinha que dar para seguir caminho mais largo que desse para carro de mula podia duplicar ou triplicar o percurso.

Havia um sistema que poderia ser mal visto, por pessoas de fora, e que em pequena parte tinha a sua razão abstracta de ser, que eram as ofertas à professora: ovos, azeite, mel, coisas deste género. Não faltava a má língua também por causa disso e por causa da Escola ser numa casa particular, mas pelo que me apercebi havia sempre um ar de gozo na conversa, do género: «Pois, deste mais uma dúzia de ovos à professora, já tens a moça passada (de classe)» ou «fulano e beltrano não chumbam nenhum ano pois os pais são os donos da escola», o que era seguramente embaraçante.

Ao que me parece havia de facto quem não passasse mas também por aquilo que fui reflectindo depois, era também uma forma da própria regente não sofrer avaliação negativa mandando para exame quem iria provavelmente chumbar oficialmente. Por outro lado o ensino não me parecia ter grande qualidade, nem era possível, naquelas condições: tenho uma prima velhota que foi colega da minha mãe e que escrevia lá para a nossa casa a dar notícias mas só a minha mãe conseguia lê-la e calculo que os moços da minha idade teriam também esse problema se não se aperfeiçoassem depois porque escrever em cima dos joelhos não fomenta uma boa caligrafia.

O que mudou? Quase nada neste aspecto, se descontarmos os desnivelamentos entre o antes e o agora: uma parte substancial da formação que é hoje dada se não for complementada no dia a dia acaba por perecer tal como aquela que era dada literalmente «em cima dos joelhos».