quarta-feira, 24 de abril de 2013

A minha escolinha - Ensino Primário






Escreve

António Afonso


Em Portugal, na última metade do século XIX a percentagem de analfabetos era aterradora, o que muito atormentava o espírito humanista do poeta e pedagogo João de Deus, por sinal, um algarvio, nascido em S. Bartolomeu de Messines.
Para inverter tal situação, ele criou um método simples de aprendizagem da Língua Portuguesa, o qual tomou o seu nome. Foi pai da Cartilha Maternal publicada em 1886,sendo instituída por decreto, no ano seguinte, tornando-se obrigatória nas escolas régias por alguns anos.

Com a implantação da Republica, na verdade, houve alguns avanços neste tipo de ensino, mas vieram entretanto anos muito turbulentos, que se reflectiram em todos os sectores, chegando mesmo ao encerramento de algumas Escolas do Magistério, onde se formavam os professores que futuramente iriam leccionar nas escolas. Como já foi frisado, no A L, as escolas públicas funcionavam somente na sede dos concelhos e freguesias, onde o Concelho de Alcoutim estava incluído naturalmente, tendo ficado as restantes povoações simplesmente excluídas.

Nos grandes montes surgiam alguns professores particulares que leccionavam, a quem lhes pudesse pagar, e eram muito poucos; no monte da Barrada o mestre-escola era o – Manuel Sapateira e um outro creio de nome Armando.
Escola Velha
Como seria possível a uma criança em idade escolar, habitando na periferia de qualquer uma das freguesias alcoutenejas, deslocar-se por caminhos pedregosos, poeirentos ou lamacentos, sob as intempéries próprias da serra, aventurar-se até à escola? Não existia abandono escolar, simplesmente porque não havia iniciação à escola.

Quando, nos dias de hoje, algumas mentes insanas, me dizem: - “Actualmente as crianças, até as vêm buscar a casa para irem à escola!” Eu simplesmente discordo! Pois ainda bem, é um direito que lhes assiste, oxalá que esta situação continue, mas, por este andar da carruagem, tenho as minhas dúvidas! Desculpem exprimir-me neste tom, mas eu já trilhei esse calvário a caminho da escola, por quatro anos consecutivos, sei do que falo!

A memória popular recitava uma quadra que encerrava uma grande verdade, à época, claro! Quem teve a grande desgraça / de não aprender a ler/ sabe só o que se passa no lugar onde estiver.

No início dos anos trinta, o Estado Novo resolveu alargar a rede escolar primária às zonas rurais, em todos os locais que reunissem trinta ou mais alunos; contudo surgiu um problema: O número de professores qualificados era insuficiente!

O governo ultrapassa airosamente tal obstáculo, criando a figura de Regente Escolar e os Postos Escolares, para ocupar os lugares então criados; a maioria dos docentes eram mulheres, ganhavam 300$00 mensais, mas apenas de Outubro a Junho.Devo dizer, que no início, aos candidatos eram exigidos apenas os seguintes requisitos:

Serem fiéis ao regime vigente, possuir idoneidade moral e intelectual. Quanto à exigência de habilitações académicas dos candidatos a regentes, era omissa, passando posteriormente a ser exigida uma prova de aptidão que constava de um reconhecimento de cultura geral, um ditado, uma redacção e resolução de seis problemas.

Para constituírem matrimónio, o futuro cônjuge tinha de apresentar credenciais credíveis e possuir posição social equivalente ou superior; o regente só poderia casar após completar determinada idade, segundo informações era vinte e três anos.

Quanto a mim penso e a maioria das pessoas o reconhece, todos estes profissionais prestaram um notável serviço às populações, sobretudo no mundo rural. Sem eles as crianças continuariam analfabetas; os mestres eram pessoas muito prestigiadas e acarinhadas, representavam uma autoridade moral e cívica, sendo dotados de conhecimentos e também de grande equilíbrio psicológico. Não sei como conseguiam impor a disciplina e leccionar numa sala com quatro diferentes classes!

Por mim, rendo-lhes a justa e merecida homenagem, continuarei eternamente grato pelos valores e tudo o que me transmitiram, pois serviram como pilares base na minha formação.

Logo no primeiro dia, a professora nos apresentava as primeiras letras a que chamava Alfa Beto, (coisas gregas!), que tínhamos de aprender a conhecer e desenhar; umas eram as maiorcas (ou coisa semelhante) por serem grandes, depois apareciam as minorcas, mais enfezadas, mas que tinham o mesmo valor.

 Depois, neste conjunto, havia as vogais e consoantes, que andavam de braço dado, formavam ditongos e sílabas originado palavras, frases e textos.

Agora, apareciam os números, de 1 a 10, chamados algarismos árabes. Descobri mais tarde, que eram assim chamados, não só por serem os árabes os seus inventores, mas porque na forma primitiva eram contados os seus ângulos internos; assim o 3 tem três ângulos, o 2 tem dois, o 8 tem oito e (O) por ser rechonchudo não possui ângulos internos, chamaram-lhe Zero, que pode valer muito ou pouco, depende da sua posição à direita de outro número ou à esquerda da vírgula.

Para complicar, ainda aparecia a numeração romana, que afinal não eram números, mas sim letras, conclusão: os Romanos não queriam nada com os Árabes.

Esta coisa de mandar os meninos e meninas para a escola, nem sempre foi bem aceite, os governos não viam nisso grande vantagem, jogo estratégico; pois um indivíduo esclarecido é mais difícil de convencer.
Alguns pais também não achavam muita graça, pois os meninos na escola não ajudavam nos campos e futuramente procuravam um emprego diferente, deixando o trabalho braçal campestre; quanto às meninas, nem pensar! Tal facto desviava-as da sua aprendizagem dos lavores femininos, de futuras donas de casa e aprendendo a ler e a escrever, desatavam a namorar e ler livros, alguns nada recomendados, era um desperdício de tempo!

Felizmente que esta questão foi bem resolvida, o DL nº 42 994 de 28 de Maio de 1960 tornou o ensino obrigatório até à quarta classe para ambos os sexos, obrigando os pais a mandar os petizes à escola, sob pena de pagarem multa, além de cumprirem o determinado.

A minha Escolinha situava-se no monte da Barrada, esta que está na foto, já velhi..nha com muitas rugas e algumas notórias cicatrizes; outrora era branca, todos os anos era caiada por dentro e por fora, havia gosto e sentido de boa higiene (com cal não há micróbio que escape); nos anos sessenta foi construída uma nova escola, naturalmente com mais condições, mas eu nunca a visitei, nada me dizia, faltava algo que nos aproximasse.

Deixo um apelo a quem de direito, não permitam que a minha escolinha acabe em ruínas! Seria uma tristeza para muita gente, para mim também, com certeza!

Na primária tive duas professoras, muito eficientes, a D. Maria Lúcia da Luz, mulher alta e morena, rígida e austera, muito exigente, mas boa profissional.

 A outra senhora, também era alta, de tez muito clara, de cabelo loiro e olhos azuis, era meiga, ternurenta, era exemplar, diria mesmo um anjo caído do céu. Menina Ivone Teixeira era a sua graça, sempre mantivemos uma boa relação de amizade, acabou até, por vir a ser madrinha da minha irmã mais nova.

Já com família constituída e com dois filhos foi leccionar para Faro. Nesta cidade continuou os estudos e chegou a licenciar-se na sua área.

Escola nova da Barrada, desactivada.
Esta minha professora já não está entre nós, mas recordá-la-ei sempre com muita saudade. Despertou-me o interesse para a leitura, gostava muito de Goa embora não conhecesse, ensinou-me o nome dos rios do então Estado da Índia, que ainda sei na ponta da língua, o que fez nascer em mim uma paixão. Sempre li artigos e revistas sobre este tema, mesmo no período após Invasão a que os goeses chamam de Libertação.

Conheci muitas pessoas ligadas a Goa, que lá nasceram, ou que por lá passaram. Em 2012 o meu sonho de conhecer Goa materializou-se. Visitei a Índia, e naturalmente o Estado de Goa, no dia do meu aniversário aterrava no aeroporto de Santa Cruz, vindo de Bombaim; senti-me feliz e realizado, atravessei o Mandovi e o Zuari, visitei monumentos de raiz portuguesa, onde as ruas ainda mantêm os nomes originais. O nosso guia, o Bento Manuel expressava-se em português; aqui e ali os mais velhos, chamavam-nos para conversar….Tantas vezes me lembrei de ti D. Ivone!

Prof. D. Ivone
Os goeses, não se definem como indianos, foram hábeis, souberam negociar com o governo central de Dheli, para que Goa se constituísse como estado autónomo, embora sendo o mais pequeno, mantendo todos os seus usos e costumes. Actualmente é um estado próspero com bom nível de vida.

Quanto aos territórios Damão e Diu, não foram absorvidos pelos estados vizinhos e dependem directamente do Governo Central. Quanto ao ensino do Português, apenas existe uma escola a leccionar. Dentro de poucos anos será extinto o nosso idioma naquelas paragens, pois não há vontade de ambos os países, Portugal /Índia, em manter viva essa chama do passado.

Em sinal de homenagem, dedico todo este texto à memória da minha estimada professora, Senhora D. Ivone.