terça-feira, 26 de março de 2013

O "Fanhonhas"




  
Escreve

José Temudo



Eu não disse? Puxa-se por uma cereja e logo vem um punhado delas!

Tal como nos casos anteriores, a figura de que vou falar era conhecida e referida em Chaves pela alcunha que lhe tinham colado. Conheci o “FANHONHAS” uns dias depois de termos chegado à cidade. Estávamos a dispor a mobília, os utensílios e os objectos decorativos, que tinham acabado de chegar pelos caminhos de ferro, nos compartimentos e lugares adequados, quando demos conta de que a iluminação de um dos quartos não funcionava. Saí à rua para saber de um electricista. E bem depressa encontrei quem me indicasse um.

“Está a ver aquela loja ali? É a do Fanhonhas. Ele é electricista.”

Entrei na loja e dirigi-me à única pessoa que lá se encontrava, um homem de estatura média, dos seus cinquenta anos de idade. Estava de costas para a entrada, arrumando caixas numa prateleira. Deu pela minha entrada na loja, e, sem se voltar, perguntou?

“O que deseja?”

“Boa tarde! O senhor é o snr. Fanhonhas?”

O homem virou-se para mim, lentamente, mirou-me de alto a baixo, e respondeu-me secamente, com algum azedume:

“Não, não sou o snr. FANHONHAS!”

Depois dele falar e do modo como o fez, dei imediatamente conta de que tinha metido o pé na argola. O homem era acentuadamente fanhoso e, embora eu desconhecesse o termo fanhonhas, logo me pareceu que fanhoso e fanhonhas eram uma e a mesma coisa. E desculpei-me, contando a verdade. Que éramos de fora, que estávamos a montar a casa, que um interruptor não funcionava, que saí à rua para procurar um electricista e que, na rua, alguém me disse para procurar nesta loja pelo sr. Fanhonhas.

“Bem. Disse ele, mais brando, eu sou mesmo electricista, mas o meu nome é José Dias.”

“E o snr. Dias poder fazer o favor de ir lá a casa arranjar o interruptor logo que possa?”, perguntei-lhe ainda receoso de lhe ouvir um não rotundo, mal humorado.

“E onde é que vocês moram?”

“É logo aqui, na Rua da Alfândega Velha”, respondi-lhe, já mais tranquilo.

“Na casa da viúva... ....?”, indagou ele, com o ar de quem estava relacionando dois factos.

“É nessa mesma.”

“Então você é filho do novo chefe das finanças?”

“Sou, sim, snr. Dias.”

“Está bem......está bem!” Pode ir indo, que eu lá irei, logo que o meu filho chegue. Pode ir indo.”


Jardim de Chaves
 E foi assim que conheci o snr. José Dias, o Fanhonhas, como era conhecido na cidade. Era um bom homem, um profissional competente e honesto, educado, talvez um pouco rabugento, cujo defeito maior era falar pelo nariz. Mas, não era por isto que ele era popular entre os seus conterrâneos. A razão era outra.... e boa. Em meados do século passado, nos meses quentes de verão, os flavienses tinham o saudável costume de ir para o Jardim Público gozar o ar fresco da noite, proporcionado pela proximidade do rio, pela acção de inúmeras árvores de grande porte, frondosas, e pela rega que o jardineiro fazia ao pôr do sol. As pessoas passeavam-se de cá para lá, sentavam-se nos bancos, conversavam........ e ouviam música, emitida a partir de uma cabina situada mais ou menos no centro do Jardim. A música que se ouvia era, duma maneira geral, a que estava em voga: tangos, valsas, sambas, rumbas, boleros, canções, e fados. A troco de 2$50, quem queria podia escolher uma música e dedicá-la à moça ou ao moço de quem gostava ou a alguém que queria homenagear!

Pois bem, o “disc-joquey”, o dono da aparelhagem sonora e dos discos e da voz inconfundível que lia as simpáticas dedicatórias, era nem mais, nem menos, o snr, José Dias, o conhecido Fanhonhas!

E era desta sua actividade que lhe advinha a popularidade, a boa popularidade de que desfrutava entre as pessoas da cidade.


Pequena nota

Este texto do nosso Amigo e Colaborador fez-nos recordar um facto passado e muito contado na nossa cidade de origem.
Havia um comerciante local no ramo fotográfico, então com grande movimento que tinha o seu estabelecimento, que ainda existe, numa das principais artérias da cidade.

O estabelecimento era muito procurado para aquisição de rolos, máquinas e revelação das fotografias, além de se tirarem fotos tipo passe e artísticas.

O proprietário tinha o mesmo problema do Sr. José Dias e havia por vezes alguma dificuldade em o compreender.
Um dia, uma senhora fez qualquer pergunta ao senhor que naturalmente lhe respondeu dentro da dicção que lhe era própria.

A senhora voltou-se para ele e disse-lhe: “Sr. Fulano, desculpe mas não percebi.”

O homem, já não muito satisfeito, voltou a responder como da primeira vez e a senhora voltou a dizer que não tinha percebido.

Então, aborrecido com o facto largou grande asneira.

Reacção da senhora, voltando as costas:

"O sr. Fulano é muito malcriado!”

“Vê, como já percebeu”, respondeu o comerciante.

Eu não assisti ao diálogo mas dizem ser verdadeiro. Já se passaram pelo menos 60 anos!

JV