sábado, 12 de janeiro de 2013

OUTRO JOGO EM ALCOUTIM – AS RIFAS



Escreve

Gaspar Santos





Detentor de bens cuja posse era dispensável, e, para fazer algum dinheiro com vista a cobrir outras necessidades mais urgentes, o alcoutenejo muitas vezes rifava alguma coisa. A rifa consistia em atribuir um valor ao produto a rifar, muito maior do que aquele pelo qual os interessados o comprariam. Isto é, um valor superior ao do mercado e dividi-lo em 100 ou 200 bilhetes e vender cada um deles identificado por um número. Vendidos todos os números, que iam sendo registados numa folha de papel, seria feito um sorteio que, se sério, era por extracção de uma pedra numerada do saco de um loto.

No início da minha adolescência saiu-me um enorme galo no bilhete 9 duma dessas rifas. Da minha sorte tive grande satisfação, nessa data e que durou muitos anos, até que intempestivamente vim a saber que houvera batota.

A vizinha Elisa mãe do Castro Fernandes tinha nesse tempo muitas bocas a quem pôr à mesa. Quando as dificuldades económicas eram maiores, pegava num galo da capoeira ou num borrego e rifava-o para realizar algum dinheiro. O exemplar a rifar acompanhava vivo a venda dos bilhetes ao colo da dona. Devo acrescentar que esta prática não era exclusivo dela, pois muitas outras pessoas assim faziam uma vez por outra.

Numa dessas vezes eu comprei-lhe o nº 9. Saiu-me o galo. Depois meus pais decidiram que o galo era muito grande só para nós e, por isso, ele o levaria para comer com os amigos na “Sacristia” (!!) que é como quem diz, com os homens da fábrica de foices e outros daquela “confraria”.

 Essa foi a desculpa para mim. Depois levou-me um prato do guisado para eu provar e não ficar só com água na boca.

Esta recordação viveu comigo vários anos até que já fora de Alcoutim, em Lisboa, calhou em conversa com esta família falarmos disto.

Qual não foi o meu espanto quando ela me contou a verdadeira versão, até com alguma alegria por desiludir a minha satisfação. Ei-la:

Quando faltavam ainda muitos bilhetes, digamos um terço do total, ela fez venda das rifas ao tesoureiro da Fazenda Pública Vitoriano Ferreira a quem mostrou a lista dos concorrentes. Ao que ele disse: compro todos os números que faltam se sair no 9 ao Gaspar.
E foi assim que minha ilusão se apagou. Mas se esse pormenor se apagou, não caiu no esquecimento o facto na sua totalidade.

Ao divulgar esta recordação serve também para lembrar a vizinha Elisa Fernandes, uma mulher solidária, com garra, que criou muitos filhos com dificuldades mas sérios, honestos e trabalhadores de quem fui e sou amigo. Lamento que esta nossa vizinha e amiga tivesse uma morte trágica por atropelamento em Lisboa.