quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Serões de Inverno



 

Escreve

António Afonso

Para compreender melhor esta crónica, devemos situar-nos, em termos de tempo, nos anos 50 do século passado, num lugar remoto no Nordeste Algarvio, a rádio não era extensiva a todos, a televisão não tinha chegado e os outros meios de comunicação, alguns não tinham nascido.

Ao final da tarde, ao regressarmos da escola, tínhamos de realizar tarefas que nos tinham sido confiadas previamente, como sejam: ir ao poço buscar água, alimentar os animais, preparar a lenha para alimentar a lareira durante a noite, etc. Conjugávamos então parcerias com os amigos e tudo se resolvia, airosamente, desta forma de ajuda mútua.
Era à luz da candeia ou do Petromax, que iluminavam quase nada (por isso havia tantos meninos " curtos de vista"), que fazíamos os trabalhos de casa, auxiliados por os mais velhos que nos ajudavam na leitura de palavras esquisitas, problemas deveras bicudos, com várias casas decimais e torneiras que debitavam vários hectolitros por minuto e tanques com enormes capacidades, muito maiores que a capacidade mental de um aluno de dez anos. O meu preceptor era o António Miguel, rapaz metódico e aplicado que me tentava explicar aqueles enigmas.

Os trabalhos eram feitos em ardósia (pedra preta, com um caixilho de madeira de cantos arredondados), escrevíamos com giz, ou na falta dele, fabricávamos nós os próprios lápis com taliscas do Barranco da Corte (Xisto foliáceo), só posteriormente passávamos tudo a limpo para o caderno.

Devo acrescentar, que esta pedra, que vos falo, não é mais que um antepassado do célebre computador Magalhães. Ainda hoje, quando as crianças me pergunta a idade eu respondo dizendo-lhe que sou da idade da pedra. – Então o tio é "muita" velho!

Após o jantar, aqui chamado ceia, a mãe lavava a loiça, as meninas corriam para a casa da Ti Maria Francisca, ouvir na rádio, o folhetim do Tide, cujas personagens centrais eram a Esmeralda e o Guilherme, originando muitos nomes por aquelas bandas. O serão era feito à volta da fogueira, admirando a cor e a forma das labaredas e ouvindo as histórias dos mais velhos. Mas as verdadeiras noites Mágicas e grandiosas tinham lugar com a chegada do primo Afonso da Alcaria Alta, vinha colher os frutos, ficando alojado na casa do Tio Guerreiro, vinha montado numa mula de cor clara, coberto com uma capa alentejana com gola de raposa, fazia-se acompanhar da mulher, prima Zabelinha e do filho, o primo Celestino.

O primo Afonso era, sem sombra de dúvida, um exímio contador de histórias, umas vividas outras imaginadas, reproduzidas com tanta graça e realismo que nos atraía como as tivéssemos a viver in loco; havia sido guarda republicano a cavalo nas planícies do Alentejo e aí acumulado muitas vivências; homem corpulento com voz grossa que brotava dos confins da alma, que nos encantava simplesmente!

Que Saudades desses tempos de criança!