sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Gorani em Coimbra com os estudantes de Alcoutim (*)


Pequena nota

Como tínhamos dito, aqui está a transcrição de parte das páginas 124 e 125 do livro de José Gorani “Portugal –  A Corte e o Pais nos anos de 1765 a 1767”, Edição de 1945.

Além da referência ao contacto com os alcoutenejos, transcrevemos, igualmente, a impressões deixadas pela Universidade.

JV

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O Desembargador Figueira, tendo muito que fazer nesta cidade, deixou-me com o tempo mais que suficiente para visitar os amáveis jovens que me haviam acompanhado de Alcoutim a Aldeia Galega. Foi em Coimbra que estes simpáticos moços acabaram por, de todo, me fazer esquecer a sua leviandade. Prodigalizaram-me todas as provas da sua amizade sincera e proporcionaram-me o conhecimento das mais divinas belezas do Mondego.

Cidade de Coimbra

Excepto à hora das refeições, em que me cumpria acompanhar o Desembargador, o resto do meu tempo, enquanto permaneci em Coimbra, foi todo passado na companhia dos encantadores rapazes, para os quais não encontro suficiente elogio. Embora me custasse, tive, porém, de os deixar. Houve lágrimas! E, devo confessá-lo, não existe ninguém mais amável, mais nobre e mais desinteressado que um rapaz português. Se tivesse agora comigo os meus jornais de viagem, quantas coisas vos não poderia contar destes estudantes tão espirituosos, tão cheios de engenho e tão instruídos como admiravelmente comportados! Por eles conheci todos os professores, bem como muitos estudantes; toda a gente foi amabilíssima comigo.

Encontrei na Universidade antigas rotinas de Coimbra professores de grande saber. Embora fossem obrigados a seguir antigas rotinas, eles estavam a par de todas as descobertas feitas no estrangeiro. Em história natural, trabalhava-se ali superiormente e Buffon, que era um ídolo em França e noutros países, não o era na Universidade de Coimbra, onde chamavam à História Natural deste autor”o romance da Natureza”.

Desafio quem quer que seja de encontrar noutro país uma Universidade que se avantage à de Coimbra em arqueologia, grego, hebreu, caldaico e  árabe. Quase todas as lições era proferidas em latim e principalmente as de Moral, Medicina, Jurisprudência, Direito canónico, Sagradas Escrituras, História eclesiástica e Teológica. Assisti a algumas lições e adquiri o mais profundo apreço por este Universidade, onde todos os professores dispunham de grande liberdade.
D.Afonso IV

Mostraram-me, nesta Universidade, uma redução do estabelecimento que eu vira em Roma, mas em maior, no famoso Colégio da Propaganda fide. Este estabelecimento devia a sua origem a D. Afonso IV, que em 1348 já pensava na maneira de dilatar o Cristianismo e os seus domínios nos países longínquos. Este príncipe quis aproveitar a favor do Estado a virtuosa coragem e o zelo ardente dos religiosos, que já então se ofereciam para correr mares e terras em busca de prosélitos da sua religião e de fiéis súbditos dos seus reis. Existiam então muitas imprensas para dar à estampa os livros elementares dos idiomas dos povos bárbaros que estavam espalhados pela África, Ásia e América. Havia também uma biblioteca constituída por livros impressos em todas estas línguas, cartas, estampas e outras obras, de todos os géneros, que pudéssemos industriar os jovens que se desejassem aprontar para percorrer tais países com proveito próprio e do Estado .Mostraram-se outrossim cartas escritas pela mão deste mesmo D. Afonso IV e fizeram-me os maiores elogios de todos aqueles que se separam de pais, amigos e hábitos para ir ao fim do mundo levar a luz da religião de costumes e hábitos benignos, transportando-se a climas inóspitos, percorrendo países desconhecidos, sob o rigor do tempo, vencendo precipícios e atravessando desertos, sempre no risco de encontrar, por onde andam, a miséria e a doença – tudo para simplesmente humanizarem os selvagens. Mas este estabelecimento admirável, de que só os abusos são condenáveis, apenas floresceu até fim da primeira dinastia.

(...)

(*) Título da nossa responsabilidade.