quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Guerreiros do Rio, o lugar do simbolismo da defesa fronteiriça


Entrada norte da povoação. Foto JV

Alcançamos esta povoação seguindo pela designada estrada marginal e que encontramos depois de termos passado pelo Montinho e pelas Laranjeiras.

Situa-se a 11 km de Alcoutim a cuja freguesia pertence.

A estrada marginal continua a correr paralelamente ao rio, ficando à nossa esquerda dos melhores terrenos agrícolas do concelho e que constituem as chamadas várzeas do rio, predominando a oliveira nos sítios mais afastados, a vinha os citrinos e já banhados pelas águas do rio, nas “baías” os marmeleiros e as romãzeiras que além dos frutos tinham a missão de segurar os terrenos através do seu forte raizame.

Em 1976 fomos encontrar, de recente fundação, o Centro Cultural POVO-MFA. O antigo edifício escolar, que estava devoluto, foi ocupado e preparado pelo povo com o auxílio das Forças Armadas. Além da criação de um posto clínico, cujo apetrechamento foi possível pelo abate ao efectivo de um vaso de guerra, pois parte do material existente foi para aqui enviado, era assistido por médicos duas vezes por semana. Velhos tempos!

Tinha salão de festas de razoável tamanho. José Segundo Martins foi um dos grandes entusiastas desta obra.

É evidente que tudo isto pertence ao passado e faz parte da história local, sendo representativo de uma época ainda não muito distante.

Em 1989 (1) anuncia-se que será instalado neste antigo edifício escolar, que a Região de Turismo do Algarve se prepara para comprar, o Museu do Rio. Nele irão ser recolhidas peças de artesanato local e objectos tradicionais relacionados com a faina piscatória.

Em 1991 (2) informa-se que os Bombeiros Voluntários de Alcoutim acabam de adquirir o imóvel com o apoio da Câmara Municipal e da Região de Turismo do Algarve. Diz-se então que irá reunir peças arqueológicas, apetrechos de pesca e outros objectos e documentos ligados à vida do rio, não esquecendo o comércio ilegal entre as duas margens do Guadiana. O Museu irá testemunhar toda a vida ribeirinha nos aspectos histórico, cultural e etnográfico.

Aspecto exterior do Museu. Foto JV

O Museu do Rio vem a ser inaugurado em Janeiro de 1995 e afirma-se agora que o edifício foi adquirido pela Câmara Municipal, subsidiado pela Região de Turismo do Algarve e a instalação financiada pela Delegação Regional da Secretaria de Estado da Cultura. (3)

A área de intervenção do museu vai da Foz de Odeleite até ao Pomarão e insere-se num percurso que procura retratar toda a vida do rio através dos tempos. (4)

Apesar de bem modesto, o museu não deixa de, através de textos, desenhos e fotografias, contar a história do comércio fluvial que desde tempos imemoriais se fazia até Mértola. (5)

O museu foi, entretanto, reestruturado, mas não voltámos a visitá-lo pelo que desconhecemos o seu conteúdo. Consta-nos, contudo, que possui desde 2008 uma exposição de pequenas réplicas dos barcos que circularam no baixo Guadiana em diversas actividades.

O povoado, tal como os seus vizinhos, desenvolve-se pela encosta do cerro e assenta sobre rocha xistosa. Lá no cimo, a escola primária que concentrava as crianças das redondezas, incluindo Corte das Donas,e que presentemente (1997) tem dificuldade na manutenção devido à falta de alunos. Há muito que encerrou.

Casa interessante e bem preservada dos anos 30 do séc. passado. Foto JV

Em 1917 já havia uma escola móvel a funcionar (6) que deu origem a um posto escolar e mais tarde à escola.

Esta zona da margem direita do Guadiana foi sempre procurada pelo homem e por aqui se fixaram entre outros povos os romanos que deixaram alguns vestígios.

A facilidade de comunicação, a pesca e a actividade agrícola eram factores de grande importância. Mais tarde, com a fixação das fronteiras, adquiriu outra importância a acrescentar às já existentes, ponto de vigilância e de defesa do território tendo o topónimo originado dessa circunstância. Em tempos distantes, os mancebos da região

estavam isentos do cumprimento do serviço militar mas eram obrigados a defender a fronteira em caso de guerra.(7)

A Guarda-Fiscal teve sempre aqui o seu posto com o comando de um 1º cabo e foi um dos últimos a ser extinto. Esse facto não evitou, naturalmente, a existência da actividade oposta, o contrabando, que por aqui teve a sua expressão.

Acesso à Casa de Pasto. Foto JV
 
João Martins, aqui morador, foi em 1845 um dos dois informadores por parte deste concelho na divisão com o de Castro Marim e pela Cheia Grande que causou o desabar de seis moradias, foram indemnizados Lourenço Madeira, 300$000, Manuel da Palma Gato, 250$000, e Maria Custódia, Vª de Ildefonso Gonçalves, 200$000.

A mesa da estação telegráfica do Pomarão foi recolhida aqui por Manuel da Palma Gato.

Em 1887, um requerimento dos moradores do monte solicita à Câmara a concessão de um subsídio de nove mil réis que se destina a aprofundar e reconstruir o poço público. (8)

Dois poços abasteciam o monte e nos princípios da década de 80 do século passado o precioso líquido passou a ser fornecido por intermédio de oito fontanários através de um furo artesiano. Presentemente já há saneamento básico.

Existiu desde há muito um forno comunitário que ainda era utilizado por parte da população na primeira metade da década de 70 do século passado.

A existência de uma Lutuosa, instituição muito característica da zona e a primeira fundada (1934) e em que se pagava uma quota mensal de 5$00, constitui uma simples lembrança de alguns.

Os Guerreiros do Rio têm dois pequenos estabelecimentos comerciais:- uma mercearia e uma casa de pasto muito procurada, principalmente, pelo prato de enguias que tem muitos apreciadores.

Vista parcial. Na parte cimeira o hotel. Foto JV

Uma plataforma de apoio ao cais possui um pequeno serviço de cafetaria com esplanada,o que se torna bem agradável. Entretanto, foram construídos pequenos apoios individuais para os pescadores do rio.

De notar a existência de uma unidade hoteleira situada em posição cimeira com excelente vista sobre o Guadiana.

Apresenta uma piscina rodeada por um terraço e espreguiçadeiras, usufruindo-se de bons panoramas.

Podem organizar-se actividades de canoagem ou de pesca e estão disponíveis bicicletas para alugar.

Tem estacionamento próprio.

O cais com o seu movimento. Foto JV

Segundo o Jornal do Algarve de 23 de Março de 1984, iniciaram-se passeios turísticos fluviais com partida de Vila Real de Sto. António e que têm como ponto mais a montante este povoado. Desconhecemos quando terminaram.

Hoje,os Guerreiros do Rio são um lugar muito procurado pelos turistas nacionais e estrangeiros, tendo alguns adquirido velhas casas que restauraram a seu gosto e que frequentam em períodos de férias e de fins-de-semana.

As várzeas que ladeiam a estrada tornam-se maiores quando se caminha para o sul e denunciam boa produtividade:- vinhas, oliveiras, figueiras e citrinos, além de produtos hortícolas. Sem dúvida que estamos na presença de uma das zonas mais férteis do concelho.

No outro lado do rio, um fogo “César” desabitado na altura.

Existe um clube de caça e pesca.

Em 1758, segundo as Memórias Paroquiais, Guerreiros possuía 17 vizinhos e em 1839 a Corografia do Algarve de Silva Lopes atribui-lhe 22 fogos.

De notar que os “montes do rio” em 1758 faziam parte da freguesia de Alcoutim mas pertenciam ao termo de Castro Marim.

Em 1991 tinha cinquenta moradores e cinquenta e nove edifícios. Desconhecemos a actual situação.
 
______________________________________

NOTAS

(1) – Boletim Municipal, nº 5 de Setembro de 1989.

(2) – Boletim Municipal nº 8 de Abril de 1991.

(3) – Jornal do Algarve de 26 de Janeiro de 1995.

(4) – Alcoutim, Revista da C.M.A., nº 1, de Maio / Junho de 1995.

(5) – Guia (Expresso) de Portugal, 2-Algarve, de 1 de Julho de 1995, pág. 15.

(6) – “Um século de Ensino Escolar no concelho de Alcoutim (1840 – 1940)”, José Varzeano, Jornal do Algarve de 4 a 18 de Abril de 1991.

(7) – Memórias Paroquiais, 1758, Freguesia do Pereiro, quesito 22.

(8) – Acta da Sessão da C.M.A. de 18 de Julho de 1887.