segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XXXV




Escreve

Daniel Teixeira




ESTATÍSTICAS À PARTE

Quando escrevo estas crónicas que normalmente relatam maioritariamente tristezas e muito poucas alegrias, faço-o sempre com aquele prazer que será próprio a quem tem a ideia de que está a contribuir, na sua medida, para que a memória não se perca, seja essa memória feita de coisas boas ou de coisas más ou menos boas. Vou em 35 crónicas aqui, contando com esta, o José Varzeano aponta 38 colaborações no Blogue Alcoutim Livre, o que quer dizer que há 4 colaborações minhas que não são crónicas ou que não foram numeradas como tal.

Ora vendo as coisas em termos de tempo, isto quer dizer que contando com esta crónica, e entendendo que elas por princípio são quinzenais, haverá portanto 39 quinzenas que escrevo sobre Alcoutim, ou seja, há 78 semanas que ando nisto e como cada ano tem 52 semanas há, nesta data mais ou menos precisa um ano e meio que vou recordando aquilo que me vem à mente sobre o «meu» Monte de Alcaria Alta e sobre a envolvência geográfica e humana que o compõe e compunha. 550 dias mais ou menos, é obra!!

Pois bem, é com alegria que vejo o Blogue Alcoutim Livre aumentar o seu número de colaboradores. A semana passada publicámos aqui no Jornal um texto de uma senhora que eu não tinha ainda visto publicada (o tempo não dá para tudo) no Alcoutim Livre mas que já vai na sua 3ª publicação (ver aqui) e que a meu ver se enquadra muito bem dentro daquele contexto que eu quase sempre sonhei para a literatura de raiz rural portuguesa. Não conto nem com o Almeida Garrett nem com o Eça de Queirós e conto mais com o Fernando Namora ainda que em todos eles haja uma visão «externa» sobre a vida campesina ou a vida de aldeia.

Os implantados, ou pára-quedistas, como lhes chamam em Alcoutim, têm seguramente o seu valor e servem de uma forma excelente como factores de despoletamento das energias locais viradas para estas coisas, mas como em tudo, não há nada como o original, aquilo que é mesmo de raiz, que sai do sentimento e do coração do vivido. Entre esses pelo menos «meio - implantados» incluo-me eu porque tenho a consciência plena que ir passar férias a Alcaria Alta não é mesmo nada comparável a viver lá, por exemplo.

Não viria muito a propósito contar aqui uma história um pouco cómica (e violenta) mas aqui há uns anos, um amigo meu (um pouco «passado» - diga-se - e entretanto já falecido - rip) para surpresa de todos os restantes componentes na mesa, onde se festejava mais uma «vitória» do PREC, acabou literalmente com o ambiente festivo ao dar um soco num alemão que tinha aparecido na leva revolucionária e se juntara ao dito processo revolucionário: «Então este gajo diz-me que compreende muito bem o povo português!? Eu ando aqui há 25 anos e ainda não o compreendi em nada...». Pois...acalmou-se o ambiente mas a verdade seja dita que sem soco ele teria toda a razão...na verdade o que compreendemos nós de nós mesmos? Nada, absolutamente nada!! E o que compreendemos nós da vida no campo, da vida na Serra. Nada, absolutamente nada!

Por isso o historial, por vezes excessivamente simples como é o meu caso, quase insignificante em termos de valor histórico, tem quanto a mim a vantagem (embora possa parecer suspeita a minha análise) de inserir quem me lê (e não são muitos por aquilo que sei - estatísticas do Alcoutim Livre dixit) dentro de uma perspectiva de...inserção. Como digo sempre não ando por aqui a ver passar os barcos e sei que as coisas por vezes se ganham e por vezes se perdem, mas que num caso ou noutro alguma coisa fica sempre.

Dito isto tudo esta semana o meu irmão mais novo foi ao Monte: uma prima nossa deu por finda a sua participação nas partilhas por falecimento da sua mãe (viúva de longa data) e arranjou um camião para ir buscar as coisas que eram suas. O meu irmão foi convidado para ir ajudar e aproveitar a boleia e ver o pessoal.

Quando lhe perguntei como estava tudo por lá disse-me que o primo Manuel Guerreiro (da idade da minha falecida mãe) estava muito bom mesmo, que o achou porreiro e que a prima Felismina (irmã dele) se tinha fartado de chorar. «E a casa – a nossa? – perguntei eu... «Não fui lá, sequer»!

Mantém-se assim a tradição familiar, há cerca de 20 anos, mais ou menos que nenhum de nós vai ver a casa ou as suas ruínas. A última vez que fui para aqueles lados foi para responder às reivindicações da vizinha Etelvina (que ficou com a 2ª casa do João Baltazar, perto do eucalipto) porque o muro de uma nossa pequena cerca tinha derrocado e incomodava o acesso ao largo fronteiro à casa dela. Coisa que o Manuel Guerreiro tomou logo em mãos resolver: «Eu falo com o Vereador e como estamos perto das eleições eles vêm logo arranjar de borla.» Felizmente que ainda há eleições.

http://www.raizonline.net/centoeoitentaeseis/cinquentaecinco.htm