segunda-feira, 23 de julho de 2012

Alcoutim e Cinfães




Escreve

Gaspar Santos




A Alcoutim e a Cinfães ligam-me fortes laços afectivos. Pelo nascimento e pelo casamento, já que eram de Cinfães os pais e avós de minha mulher. Observo semelhanças e diferenças no modo de ser destes dois povos que hoje aqui comparamos.

Cinfães e Alcoutim foram sempre dois concelhos agrícolas pobres, e hoje, por razões que desconheço, estão no fim da tabela dos indicadores de qualidade de vida. Mas ambos têm orgulho do seu passado.

 Cinfães orgulha-se de ser berço do explorador Serpa Pinto que ligou por terra pela primeira vez Angola e Moçambique de costa a costa. Alcoutim orgulha-se do médico e benemérito Doutor João Francisco Dias. E do seu passado histórico, dos seus castelos e da colaboração que deu na fixação das fronteiras de Portugal.

Alcoutim. Praça da República. Foto JV, 2009

Presumo que Cinfães tem esses indicadores assim tão maus por causa da economia paralela, isto é, que não é contada nas estatísticas; ao contrário de Alcoutim em que esses indicadores, sendo igualmente maus e sendo contados, devem estar correctos.

Há em Cinfães uma certa vida agrícola e pecuária que não entra nos circuitos comerciais. Aquilo que no campo se consome passa despercebido, ou melhor entra nos 10% que por defeito é considerado nas estatísticas, mas que deverá ser bem maior: os frangos caseiros, os ovos, as galinhas, borregos, cabritos e porcos; as couves, legumes e cereais, além das batatas, castanhas, cerejas e vinho. O mesmo se pode considerar do trabalho artesanal que aqui se oferece e se pratica sem o conhecimento estatístico.

Povos pobres de recursos, aquilo que comem apresenta diferenças quiçá estranhas. O cinfanense come o tomate quase apenas em salada, não come queijo fresco e ainda menos o almece ou requeijão já que não aproveita o leite dos animais que cria. Não come a cabeça nem dos peixes nem dos animais terrestres, mas não sabe explicar porquê. Não é muito apreciador de peixe, salvo o bacalhau, a sardinha, a pescada e o polvo. Comem com alguma frequência borrego (a que chamam anho) e cabrito, só animais muito jovens e só assados no forno. Não comem habitualmente ovelha nem carneiro, nem cabras e bodes.

Por estes exemplos se verifica um pouco como o alcoutenejo é mais aproveitador dos recursos, digamos de mais “boa boca”. O cinfanense não se adapta facilmente à dieta mediterrânica que se pratica no Algarve e em particular aos pratos de Alcoutim que tão bem têm sido descritos neste blogue por José Varzeano.

Um familiar de minha mulher que foi funcionário das finanças no Algarve nos anos 20 do século passado, dizia que “gostaria que lhe pusessem uma venda nos olhos para não ver o que comia”. Nunca se habituou à gastronomia algarvia. Uns pedreiros de Cinfães que trabalharam para mim em Alcoutim comiam ali quase apenas frango assado e febras de porco (desde que não fosse porco preto). Comiam carne de porco à alentejana mas deixavam de lado as amêijoas. Comer outros mariscos, nem pensar!

Em Alcoutim chove pouco. Enquanto em Cinfães, além de chover mais, há nascentes de água e fontanários por toda a parte. Por isso, aqui a agricultura é sobretudo de regadio. Aliás não podia ser de outra maneira, pois as terras são muito permeáveis, provenientes de rochas graníticas degradadas, e os solos são mais ácidos e com carência de cálcio e ferro, ao contrário dos de Alcoutim.


Cinfães. Coração da vila. Foto GS, 2012

Também é muito diferente o comportamento das autoridades no aspeto agrícola, o que tem a ver com as Leis da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN). Por exemplo o corte das silvas é fomentado em Cinfães e proibido em Alcoutim, o que dificulta a apanha dos frutos que caem quando há silvas e mato debaixo das árvores.

Os cinfanenses são mais religiosos. No Verão todos os fins-de-semana são de festas de Santos, com muitos foguetes, fogo-de-artifício e procissões nas diversas aldeias. Por isso de manhã somos muitas vezes visitados por músicos percutindo enormes bombos a anunciar o peditório. Para ajudar a custear os festejos costumam fazer leilões com ofertas da população, sendo tradicionais as ofertas de carros de lenha grossa para as lareiras. A noite depois é muito divertida com arraiais a que chamam noitadas. Em Alcoutim predominam as festas laicas, embora se realizem também festas religiosas.

Alcoutim tem como fronteira leste o grande Rio Guadiana e Cinfães tem como limite Norte o grande Rio Douro. Ambos os concelhos são banhados e sempre foram servidos por estes rios como “autoestrada” de ligação ao mundo.

Mas Alcoutim está mais bem servido de estradas. Em poucos minutos pode-se estar em Vila Real Santo António, na Scut Via do Infante ou em Mértola, por estrada IP que apenas galga pequenos serros.

Cinfães tem como limite Sul a Serra da Gralheira (1.116 m) e a Serra de Montemuro (1.382 m) e o concelho desenvolve-se na pendente sobre o Douro. As estradas são sinuosas num autêntico caracol, o que dificulta os acessos. Fora as perigosas estradas municipais o concelho é atravessado pela EN 222 que dá acesso a nascente a Castelo de Paiva e para poente a Régua, Lamego, Vila Real e Bragança, e pela EN 321 que liga a sede do concelho a Castro d’Aire e A24 para Viseu e Coimbra e para norte Vila Real e Bragança. Mesmo estas EN têm tantas curvas que transitar nelas é sempre uma demorada gincana.

As primaveras de um e outro concelho vêem-se engalanadas por flores brancas de frondosas árvores que cobrem os montes, mais em Cinfães com as cerejeiras do que em Alcoutim com as amendoeiras outrora fonte de riqueza e lendas, mistérios e encantamentos, e agora em extinção.

Na questão dos recursos tanto materiais como humanos Cinfães supera em muito Alcoutim. Para só falar do mais saliente e sem grandes pesquisas, Cinfães além de uma Unidade Básica de Urgências tem várias clínicas gerais, dentárias e oftalmológicas e de análises clínicas e radiológicas. Tem na sede do concelho um mercado municipal, dois supermercados, vários talhos, restaurantes e cafés; três lojas de ferragens e de máquinas agrícolas, além de uma Cooperativa que resultou da extinção do antigo Grémio da Lavoura. Na sede do concelho há também duas bombas de combustíveis além de várias outras em localidades das 15 freguesias.

Há no concelho de Cinfães algumas empresas de reinserção que cedem pessoal para trabalhar, pelo que por aqui não é difícil, ao contrário do que se passa em Alcoutim, arranjar pessoal. Por outro lado também há oficinas de ferreiro, canalizador, vidraceiro etc.

Outra semelhança que as estatísticas oficiais revelam é ambos os Municípios não estarem endividados, o que é uma raridade nos tempos que correm.