sábado, 28 de julho de 2012

Dos privilégios reais aos actuais - Pereiro, freguesia das achadas nordestinas

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 22 DE AGOSTO DE 1985)



Mercês Reais

A – Era couto para pessoas endividadas, às quais bastava assinar termo na Câmara de Alcoutim a que chamavam assentar praça de burlão e não podiam ser citados nem demandados por dívida anterior. (1)

B – Os varões do Pereiro estavam isentos de recrutamento, mas no caso de guerra deviam defender os pontos vitais do Guadiana. (2)

C – Beneficiou da primeira estrada construída no concelho (Alcoutim-Pereiro) que se julga ter obedecido à necessidade do príncipe real, D. Carlos vir caçar às achadas das redondezas. (3)

Autarcas pós-25 de Abril, possibilitaram:

A – Fornecimento de energia eléctrica a quase toda a freguesia – restavam três ou quatro pequenos “montes”

B – Abastecimento de água, drenagem e tratamento de águas residuais domésticas na aldeia e abertura de onze poços artesianos nas povoações.

C – Criação do Centro de Convívio que, juntamente com a Junta de Freguesia e a Casa do Povo, passaram a estar instalados em edifício próprio.

A aldeia do Pereiro é sede de uma das cinco freguesias que constituem o actual concelho de Alcoutim.

Romanos passaram por esta zona, como provam vários achados: onze denários, o mais antigo do século III A.C., data do fim da 1ª Guerra Púnica e um pequeno busto que, segundo Leite de Vasconcelos, representa talvez Diana, a Deusa da caça. A peça é atribuída, com reservas, ao século III e figura no Museu Nacional de Arqueologia. Apareceram também mais duas moedas. (4)

Num mapa de 1663 existente em Londres, em que se encontra representado o Reino do Algarve, não aparece referida a aldeia, o que não acontece em relação a Giões e Martim Longo.

Silva Lopes diz que embora esta região, fosse escassamente povoada, a sua organização paroquial estava definida na primeira metade do século XVIII. (1)

Contudo, Frei João de S. José (1577), define-a como ua aldeã de trinta vizinhos… (5). Em 1842 possuía 208 fogos e em 1890, 1008 habitantes, números referentes à freguesia.

A freguesia situa-se numa achada –c campos limpos, abertos com cultura cerealífera quase intensiva e curtos pousios – sistema que era orientado para o mercado do trigo e criação de gado, sobretudo nas herdades. (6)

Igreja Matriz em dia de nevoeiro. Foto JV

De onde em onde, entre o xisto foliáceo (talisca), aparece a esteva ou xara, além do pereiro bravo que deve ter dado origem ao nome da aldeia.

Nada de arvoredo, os solos são delgados. Um ou outro raquítico eucalipto que ladeia a estrada e nos barrancos o enxerto de um zambujeiro em oliveira, confirmam, como excepção que são, a regra.

Pinho Leal, no Portugal Antigo e Moderno, pág. 686 do VI volume, obra obrigatoriamente consultada para quem desejo conhecer algo do passado, diz que a povoação está na encosta da serra algarvia, entre duas ribeiras, a do Vascão, que lhe fica ao Norte, e a da Foupana, ao Sul.

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, pág. 231 do fascículo 243, situa-a a cerca de 3 km desta ribeira.

Foi um curato da apresentação do bispo. (2) O cura tinha 360 alqueires de trigo e 70 de cevada. (7)

É zona de pouca água e a que existe é só de poços (7), ultimamente captada por intermédio de furos profundos.

Em 13 de Agosto de 1876 foi concedida a verba de quarenta mil réis, pela Câmara Municipal à Junta de Paróquia, para a abertura de um novo poço.

Além do trigo e gado miúdo, as suas principais riquezas, agora em declínio, fazem aqui muitos bons queijos.

A criação de ovinos e o cultivo do linho deram origem ao artesanato têxtil que abastecia a população local e os excedentes alimentavam as trocas comerciais na feira local e nas redondezas. Sorianos, frisas , estamenhas, cobertores grosseiros e colchas, saíam dos toscos teares manuais, um ou outro existente na freguesia, mas pensamos que todos parados. Ainda assistimos ao funcionamento de um, no monte dos Tacões, em 1974.

À feira e romaria ao seu orago, São Marcos (25 de Abril), concorriam

Feira de S. Marcos. Negociando em gado. Foto JV, 2012

 Gentes não só da província mas também do Alentejo e Espanha. Podemos dizer que, dentro do seu tipo, é actualmente a feira mais concorrida do concelho, lá se vendendo de tudo, desde o gado às mobílias, passando pela roupa, calçado, olaria, plásticos, etc. Existem meios de comunicação que facilitam a deslocação e poucos ficam em casa. Já lá vai o tempo em que ia tudo a pé. Pois nem estradas existiam.

Ainda hoje é dia de comprar o porquito para engorda.

Quem não vai ao são Marcos!

A situação geográfica, no centro do concelho tem contribuído para importância que a feira usufrui, mas nunca é demais pôr em destaque a acção dos pereirenses que aqui se deslocam, nesse dia, alguns vindos de bem longe.

Em 15 de Abril de 1873 a Câmara Municipal, em sua reunião, deliberou que o tesoureiro fosse à feira de São Marcos fazer a cobrança da contribuição directa.

Os marcados mensais também se mostram concorridos.

A igreja matriz, único templo da freguesia, já era considerada no “Portugal Antigo e Moderno”, como pequena, velha e pobre.

Situada num mais elevado em relação à aldeia, tem perto o cemitério. No adro, um cruzeiro também sem qualquer valor artístico e perto, vestígios da residência paroquial.

Fachada de bico, torre sineira de quatro olhais e uma só nave. Esteve bastante arruinada em 1976, tendo recentemente recebido grande reparação.

Na primeira metade do século XIX a aldeia era rodeada por herdades limpas e bem cultivadas por raçoeiros que a habitavam.

Entre estas estariam as pertencentes à Casa do Infantado, de que na altura era donatário o Barão de Beduído, e que eram: Posto Fuzil, que veio a ser adquirida por Manuel Afonso e Domingos Martins, a Ruy Martins, mais tarde de D. Raimunda Pinto, e a da Galega, que veio a pertencer a José Nobre.

Em 1799 a Confraria do santo Nome de Jesus era a mais pobre do concelho, onde pontificava, a grande distância, a de Nª Sª da Conceição, na vila. Acusava o diminuto saldo de 40 réis.

Um aspecto da aldeia. Foto JV, 2009

A campanha trigueira da década de 30, fixou novos povoadores nas achadas cerealíferas, com reflexos no crescimento da população. Com a desvalorização do cereal e a pouca produtividade deu-se a emigração e o consequente abandono da terra pelas populações.

No aspecto cinegético, as lebres foram em tempos não muito distantes, abundantes. Foi e é terra de bons caçadores, sendo outrora alguns semiprofissionais.

Em 1879 pagava a Câmara de renda por uma casa, para servir de escola, trezentos réis. O edifício actual, de duas salas, é do “Plano dos Centenários”.

Também existem escolas em Tacões e nas Soudes, esta desactivada.

Moagem, ferreiro, albardeiro, estabelecimentos comerciais mistos e um café, semi-restaurante, dão alguma vida à aldeia, onde se fazia sentir o dinheiro proveniente da emigração.

As povoações de Alcaria Cova, Serro da Vinha, Coito, Tesouro, Vicentes, Fonte Zambujo, Matos, Portela, Silveira, Soudes e Tacões, constituem os núcleos populacionais da freguesia.

Alguns dos topónimos tiveram origem na flora, outros em situações geográficas ou topográficas e outros são obscuros.

Alcaria, do árabe, significa a aldeia. O topónimo Coito parece-nos estar relacionado com o privilégio real já referido.

Vários cidadãos da freguesia desempenharem funções administrativas a nível concelhio e alguns presidiram ao município.

Uma palavra de saudade para o lavrador João Gomes Alves, em casa de quem, provei, sem gostar e que hoje muito aprecio, “azeitona de sal”.

Já lá vão quase vinte anos!


NOTAS

(1) Corografia do Algarve, João Baptista da Silva Lopes, 1841.
(2) Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
(3) “Caminhos e Estradas são Suprema Aspiração da Gente de Vaqueiros”, Luís Cunha, Jornal do Algarve de 10 de Fevereiro de 1973.
(4) Arqueologia Romana no Algarve, Maria Luísa Estácio da Veiga Afonso Santos, 1971.
(5) Corografia do Algarve (…)
(6) O Algarve Oriental, Carminda Cavaco, 1976.
(7) Portugal Antigo e Moderno., A. S. B. Pinho Leal, 1873
(8) Livro mod 1-A, de Registo de Rendas … pertencentes à Fazenda Nacional, iniciado em 13 de Março de 1867, Arquivo da Repartição de Finanças de Alcoutim.
(9) Livro de Contas da Real Confraria de Nª Sª da Conceição, iniciado em 1785, pág. 15, Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Alcoutim.