terça-feira, 26 de junho de 2012

Sanlúcar no Diário de Lisboa em 1936


Escreve
Gaspar Santos


Sanlúcar. Vista parcial nos dias de hoje. Foto JV, 2012
É pequeno o nosso contributo para o que hoje damos a conhecer aos nossos leitores. É apenas uma composição de textos de outros autores, aquilo que poderíamos apelidar de “um exercício de recorte e cola”.
Começamos por um recorte do Jornal Diário de Lisboa de 25 de Julho de 1936. Obtivemos este recorte da colecção que a Fundação Mário Soares disponibiliza na internet.
Para quem não saiba vale a pena revelar que esta fundação dispõe para consulta daquele jornal desde o primeiro número em 7 de Abril de1921 até ao último que ocorreu em 30 de Novembro de1990.

Neste recorte pode ler-se a notícia, veiculada pelo correspondente em Faro do DL, do assalto à Igreja de Sanlúcar e a fogueira feita com as imagens dos seus santo. O colaborador deste blogue, José Temudo, presenciou de Alcoutim parte destes acontecimentos e aqui os descreveu em 13 de Setembro de 2009, passados 73 anos, sob o título de “O testemunho de uma criança”, num extraordinário texto que transcrevemos parcialmente.

O QUE A CRIANÇA VIU
Na fresca margem do rio, que as pessoas procuravam nas noites de Verão, fugindo à incomodidade das suas pequenas casas sobreaquecidas, durante o dia, por um calor escaldante, eu pude assistir, sem então lhe compreender o seu verdadeiro significado, a um estranho e espectacular acontecimento. Do outro lado do rio, na vila de S. Lúcar, os sinos da Igreja rasgaram o silêncio da noite morna e calma, tocando a rebate, de forma aflitiva e continuada. Depois, mesmo junto à linha de água do rio, acenderam uma enorme fogueira que foi consumindo, ao longo de uma ou mais horas, tudo o que sobre ela um grupo de pessoas que continuamente lhe lançavam. A gritaria era enorme, fazendo-se ouvir no lado de cá, a despeito do persistente toque dos sinos.
Alcoutim, em peso, estava junto ao rio, vendo e comentando o que via. Assim, fiquei sabendo que os comunistas e os anarquistas tinham assaltado a Igreja, roubado os santos e os paramentos e, com eles, estavam a alimentar aquela medonha fogueira. Diziam alguns que tinha começado a guerra civil em Espanha; que não, diziam outros, que assaltos a Igrejas e Conventos já tinham acontecido noutras terras e nem por isso a guerra tinha eclodido. O certo é que, naquela noite, a violência não foi mais além.
A reacção contrária veio uma ou mais semanas depois, e os quase duas dezenas de Sanluquenhos, que de livre vontade ou obrigados, colaboraram naquele horror, foram sujeitos a um horror ainda maior: foram obrigados a cavar as suas sepulturas e fuzilados em seguida.
Não temos um recorte desta notícia e duvidamos que ela tenha saído nos nossos jornais, face à censura então existente. Demos, porém, de novo a palavra a José Temudo na sua continuação do seu artigo.
Igreja paroquial de Sanlúcar. Foto JV, 2009

Foi depois. E nós, os que jogávamos berlinde no terreiro, à beira do rio, fomos os primeiros a dar por isso. A terra tremia sob as nossas mãos. Uns dias depois, aos tremores da terra, veio juntar-se o troar dos canhões, longínquo, assustador. Depois, cessaram os tremores de terra, deixámos de ouvir o troar dos canhões. Alcoutim, voltou à sua vida de todos os dias, à sua modorra. Que não demorou muito. Talvez uns dias; porventura, umas semanas. Apenas me lembro de que, um dia, fomos novamente despertos pelo repicar vivo e continuado dos sinos da Igreja de S. Lúcar e pela vozearia de centenas de pessoas que corriam, convergindo, aparentemente, para um determinado ponto da vila espanhola. Lembro-me de ouvir gente nossa a dizer que os franquistas tinham chegado e ocupado S. Lúcar, sem combate, pacificamente. Porém, do que se passou nos dias seguintes, retenho na memória a caça que era feita pelas nossas autoridades, auxiliadas por um civil, um zé-ninguém, cujo nome ainda não esqueci, aos espanhóis que, de barco ou a nado, procuravam alcançar a nossa margem, fugindo à sanha vingativa e assassina dos franquistas.
Tento adivinhar: O zé-ninguém seria o Quaresma, então chefe da secretaria da Câmara Municipal de Alcoutim. Que me perdoe José Temudo por revelar o nome ou por me ter enganado.

Pequena nota
Claro que José Temudo tem todo o direito de não revelar quem foi o personagem já que parece que todos os alcoutenejos esqueceram, possivelmente como coisa de menor importância. Existem outros exemplos que as pessoas “esqueceram” completamente.
Caro Gaspar Santos, a minha opinião não vai nesse sentido, o meu cálculo vai para um alcoutenejo...
JV