sábado, 2 de junho de 2012

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XXIX




 




Escreve

Daniel Teixeira

 
AS CAMPANHAS

CAMPANHA DO TRIGO


O Estado Português lançou a Campanha do Trigo, em 1929, para incentivar o cultivo do trigo, através da atribuição de uma série de regalias a quem o cultivasse.

Esta Campanha consistiu em demonstrações técnicas de uso de adubos, assistência de agricultores e escolha de sementes.

A Campanha do Trigo tinha como objectivos: alargar as áreas destinadas ao cultivo de cereais; possibilitar o aumento da produção; contribuir para a auto-suficiência alimentar.

Embora se tenha conseguido aumentos da produção e até excedentes, no ano de 1932, a Campanha do Trigo foi responsável pela acentuada erosão de muitos solos.

Esta campanha levou a um intenso aproveitamento agrícola dos terrenos pobres. Abandonou-se quase por completo o tradicional sistema de rotação de culturas, deixando de se cumprir os prazos mínimos de pousio. Isto provocou um esgotamento dos solos.


Quando escrevo estas minhas crónicas fico por vezes a pensar que se não fosse o prazer que me dá recordar tempos que para mim foram bons nem valeria a pena estar com isso que seria então um trabalho.

Falo aqui do trabalho naquele sentido em que eu, e o Marx, já agora, para não ficar sozinho entende (mos) o trabalho como algo pelo menos pouco agradável, que custa e que se realiza na sua esmagadora maioria por força da remuneração que se recebe em troca.

O Marx, e não só, há dezenas senão centenas de teóricos e não teóricos mais conhecidos ou menos conhecidos que sabem perfeitamente que hoje já não se trabalha de borla, por aquilo que poderia chamar-se amor à arte, senão a nível da carolice. E mesmo esta tem por vezes algumas compensações que não sendo desde logo monetarizáveis o são contudo no sentido da auto-premiação. Têm valor, em suma, que o próprio «carola» arrecada para sua satisfação ou reforço do seu prestígio pessoal real ou imaginado.

Ou seja e para ir mais directo ao assunto eu mesmo quando escrevo estas crónicas não sinto que esteja a contribuir para um reforço de qualquer coisa: exercito a memória, certo, fico com mais umas folhas preenchidas nos meus cadernos e recebo de quando em vez um ou outro comentário sobretudo elogioso, porque contra aquilo que escrevo nunca ninguém se pronunciou.

E tenho falado por vezes de forma não muito politicamente correcta de algumas coisas: sobre a figueira da índia, por exemplo, disse que não estava de acordo em que se explorassem as capacidades curativas da planta e sim que se fizesse um apanhado das suas capacidades como produto «grosso», quer dizer, tenho talvez infelizmente alguma experiência sobre a efemeridade das coisas que não têm substância suficiente por baixo em seu apoio.

Vivemos uma época em que uma minoria, bastante activa diga-se, envereda pelos alimentos e pelas curas chamadas de biológicas. Ora, por aquilo que sei - e acho que isso se vê a olhos vistos e sem necessidade de lupa - o mercado do biológico, neste sentido, é um mercado estagnado desde há longo tempo. Tem «vipes» de ressurgimento, é um facto, sobretudo quando se consegue que algo faça uma episódica (é sempre episódico, diga-se) entrada de rompante nos tecidos do consumo.

Quase todo o mundo corre a comprar o produto, criam-se redes de venda tipo pirâmide e passados tempos uma parte substancial das pessoas ficam com o produto / bebé nos braços. Ou consomem-no eles mesmos ou têm de o jogar fora passada que seja a tradicional fase dos «saldos» e passado o razoável período de validade.

A máquina - aliás há duas máquinas nesta coisa - acaba por trucidar as possibilidades de alguma perenidade. A primeira máquina, a da concorrência alternativa, tem centenas de anos de vida, trabalha em série ou de forma produtivamente sofisticada e o biológico traz a alcofinha para vender nas feirinhas ou em locais de passagem ou aos amigos.

A segunda máquina é aquela dos outsiders das produções, aquela que promove o produto biológico, e que em muitos casos entra na venda agressiva (para ser simpático) através de piramidais mecanismos, criando vendas artificias e dando lugar à chamada bolha que todos conhecem. Quando essa mama acaba «descobrem» outra mama e assim sucessivamente. A desconfiança vai-se instalando serena e o já de si pequeno nicho de mercado restringe-se cada vez mais apesar das constantes entradas de novos potenciais consumidores.

Ora feito este reparo declaro solenemente se necessário for que apoio, embora isso não valha grande coisa - o meu apoio, - à produção e reformulação de produtos derivados da Figueira da India. Li algures um texto, bastante interessante e bem construído, diga-se, da Apodif onde se fala nas potencialidades que podem ser criadas através do cultivo da tuna, com efeitos benéficos nos rendimentos zero actuais dos agricultores, na apicultura e mais coisas.

Na verdade e falando só deste aspecto a figueira da índia tem grandes possibilidades de marcar passo se não for acompanhada de outras motivações. A região de Valinhos, no Estado de S. Paulo, no Brasil, não tem só figos de tuna: é uma das regiões com maior variedade de frutas e tem ao seu lado uma metrópole de 20 a 30 milhões de efectivos e potenciais consumidores. Aconselha-se pelo menos a associação com outras regiões frutíferas para começar.
Fica muito bem no texto puxar pelo amor à camisola alcouteneja: na verdade Alcoutim (Concelho) pode não ser uma região já com destino terminal. A rearborização com espécies autóctones e já testadas será sempre um desafio de longa duração.

O Concelho de Alcoutim, como tantos outros pelo menos parcelarmente foi uma vítima da Campanha do trigo de 1929. A «febre» da plantação de trigo e da autosufiência alimentar nacional arrasou com o arvoredo que fazia parte do conjunto sistemático da zona e colocou plantações de trigo lá onde os terrenos nem eram próprios nem previam naturalmente tal tipo de plantação. As políticas compensatórias da PAC fizeram o resto. Tudo aquilo que seja feito no Concelho e que não tenha em consideração este elemento de recomposição está, na minha opinião, condenado ao fracasso.
Só como aparte e porque parece haver também alguma confusão neste plano que está ainda que indirectamente relacionado: o facto de construírem lares e se darem empregos públicos não conta nas estatísticas reais do desemprego produtivo assim como não conta como repovoamento efectivo. O repovoamento é feito através da entrada no circuito (local neste caso) de população em idade activa ou potencialmente activa (caso dos nascimentos ou da população jovem)

A chamada economia dos serviços (sejam eles sociais ou empresariais) dependem das produções e de uma coisa a que se chama de Valor Acrescentado Bruto que vem destes. Ou seja da diferença entre aquilo que se «semeia» e aquilo que colhe e não dos impostos cobrados sobre esse VAB. Ora depender das prestações da Segurança Social (por muito meritória que seja a actividade e é) ou do Orçamento Local ou do Estado no caso do emprego nas Autarquias não serve mesmo como argumento embora possa parecer interessante em períodos de campanhas eleitorais ou pré-eleitorais.