domingo, 15 de abril de 2012

Estará o surf penicheiro refém de uma utopia?





Escreve


José Miguel Nunes




“Hóspedes da Utopia” é a frase que vem na capa da Surf Portugal de Fevereiro. No editorial da mesma revista, mais um grande texto de João Valente, intitula-se: “De utopias e Realidades”, e começa com uma citação de Eduardo Galeano: “A utopia está sempre no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Não pude deixar de pensar: será que o surf penicheiro vive refém de uma utopia? ou serei eu?, já nem sei, às vezes falta só um bocadinho e penso que é desta, mas depois, na hora da verdade, acabamos por ficar novamente para trás.

Ao longo desta caminhada, difícil e muitas vezes injusta, alcançámos alguns feitos que muitos achariam impossíveis, lá está, utópicos, conseguimos. Mas é estranho, pois fico com a sensação que só nos deixam avançar até onde querem, e voltam novamente a meter-nos no sítio que acham que é o “nosso lugar”. É esta a impressão com que fico ao analisar esta caminhada que o surf penicheiro vem a fazer nos meandros dos grandes interesses que o surf começa a ter a nível nacional. Até parece que não fomos nós que alcançámos e merecemos tais feitos, mas que foram eles que nos deixaram lá chegar, quase que como um engodo, como um doce que se dá a uma criança para que ela se porte bem.

Foi frustrante não termos sido englobados na criação da primeira Reserva Mundial de Surf na Europa, onde o objetivo deveria ter sido, o de proteger a totalidade da melhor costa de ondas do País, e não, só uma parte dela. Fico a pensar se não terá sido algum tipo de retaliação, ou se foi simplesmente o colocarem-nos mais uma vez no “nosso lugar”.

Foi frustrante não termos ficado a fazer parte da rede denominada “World Surf Cities”, quando somos o único local do País com uma etapa do “World Tour”, onde pontifica um dos melhores “beach breaks” do mundo, e uma terra rodeada dos mais diversos tipos de ondas, com um potencial enorme em termos de crescimento no que há indústria do surf diz respeito. Mais uma vez dá a sensação de nos quererem colocar no “nosso lugar”.

Recentemente, foi criado um grupo de trabalho liderado pela Universidade Nova de Lisboa, onde a Organização Não Governamental SOS - Salvem o Surf é parceira, com o objetivo de determinar o valor económico, ambiental e social do surf em Portugal, um mega projeto verdadeiramente importante para o futuro do surf no país. Em meados do passado mês de Novembro iniciaram-se as reuniões preparatórias do mesmo, o surf penicheiro foi convidado a participar. Participou e partilhou informação, e agora quando definiram finalmente quem fazia parte do grupo, voltámos a ser colocados no “nosso lugar”, ou seja, voltámos a ficar de fora.

A minha pergunta é simples: Será utópico pensar que o surf penicheiro algum dia chegará lá, será utópico pensar que algum dia o surf penicheiro terá uma palavra a dizer nas decisões importantes relativamente ao que se pensa, estuda e decide relativamente ao surf em Portugal, ou continuaremos naquele lugar em que somos convidados a ouvir o que foi decidido, de boca calada e olhar envergonhado, agradecidos ainda pelo facto de nos terem convidado a ouvi-los.



Os jogos de interesses, começam também agora cada vez mais a fazerem parte do fenómeno surf, e de quem tenta a todo o custo liderar o processo. Todos sabemos que nestes jogos de poder há sempre quem tenha de ser “queimado”, e no surf, somos sempre nós, continuando a máxima a ser: Lisboa (leia-se até à Ericeira) é Portugal, o resto é paisagem, e nós, paisagem, estamos cá para acatar as ordens daquilo que eles lá em Lisboa (leia-se até à Ericeira) decidem.

Não podemos nem devemos aceitar de ânimo leve estas situações, e acima de tudo não devemos continuar cabisbaixos e de sorriso nos lábios no lugar para o qual frequentemente nos empurram.

Temos de dizer alto e bom som perante todos, sejam eles quem forem, e acima de tudo sem medo, que Peniche e o surf penicheiro merece e exige ter outro lugar no surf nacional.

“Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”, e agora acrescento eu, caminhar de cabeça bem levantada, olhos nos olhos seja de quem for.