terça-feira, 27 de março de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da freguesia de Alcoutim [9]

POIAIS



Poial é como os dicionários indicam um local onde se coloca alguma coisa, banco fixo de pedra.

A definição ajusta-se perfeitamente a Afonso Vicente, aliás a todo o concelho, talvez com o pormenor de popularmente ser designado por pial, que constitui uma expressão popular.

Até aos anos 60 do século passado eram bastante frequentes pois consideravam-no indispensável e com várias utilizações como já temos referido. Então eram feitos maciçamente com xisto ligado por areia dos barrancos amassada com barro, sendo a parte superior constituída por lajes, quantas menos, melhor.

Já não restam muitos ao modo antigo mas nalgumas reconstruções não se tem deixado de olhar por eles dando-lhe naturalmente uma “vestimenta” actualizada marcada por ladrilhos de vários tipos.

Além das utilizações que têm tido ao longo dos tempos e ultimamente mais reduzidas, os de dimensões maiores temo-los visto servir para dormir grandes folgas quando a sombra a isso proporciona.

Pensamos que os piais (poiais) ainda têm condições para se manterem por largos anos mesmo que o local seja invadido por estrangeiros muitos dos quais como tenho verificado preservam melhor as tradições do que nós próprios.


PALHEIROS E “ARRAMADAS”

Enquanto houve vida agrícola por estas zonas, tornava-se indispensável a sua construção. Como o nome indica era o lugar onde se guardava a palha e o feno para sustento dos animais na altura indispensáveis auxiliares nas tarefas agrárias, tanto nas lavras como no transporte de coisas e pessoas.

De uma maneira geral constituíam construções toscas, de paredes altas e de
xisto, geralmente de uma água, telha de canudo assente um toscos caniços, muitas vezes de “salto de rato” ou onde não houve a limpeza da palha das canas, defendendo-se assim a economia de tempo a quando da execução.

Na parede mais alta oposta à porta, havia o boqueirão, uma espécie de janelão cujo lintel era uma pedra comprida de grauvaque ou em alternativa dois ou três paus de zimbro, a madeira mais resistente. À falta desta, usava-se o chaparro ou zambujo.

O seu fecho era feito com pedra devidamente empilhada e mais raramente e nas casas mais abastadas por janelas de madeira.

O uso da pedra tem a ver com duas coisas: primeiro era muita e ninguém a disputava, por outro lado o boqueirão só servia uma vez por ano, quando após a
debulha ficava

a palha para arrecadar no palheiro para alimentação dos animais e que mais comodamente se fazia pelo boqueirão, enquanto pela porta seria impraticável arrumá-la. Por outro lado a madeira era pouca e cara.

Na parede oposta à do boqueirão, situava-se, como já dissemos, a porta com lintel nos mesmos moldes do boqueirão, funcionando por um sistema original pois dois paus de azinho e curvos eram pregados às tábuas da porta e a outra ponta fixava-se num buraco feito na laje de xisto colocada como poial. Uma em baixo, outra em cima possibilitavam a rotação da mesma sem problemas de maior.

O fecho era feito através de um ferrolho.

No palheiro dormia o ganhão ou almocreve e os moços que guardavam os porcos ou outros animais em pequeno número. Tapavam-se com mantas premedeiras.

Dormiam muitas vezes os filhos do proprietário. Uns porque em casa não havia espaço e outros porque se sentiam muito mais libertos para irem aqui ou ali, estando assim mais à vontade. Em casa, o lugar era para as moças que tinham de estar resguardadas.

Competia ao ganhão tratar de noite os animais, isto é dar-lhe de comer e quando necessário limpar-lhes as camas.

As bestas recolhiam-se na arramada que ficava próxima do palheiro. Aí se situavam as manjedouras que tinham muitas vezes como base um muro de xisto e colocando-se para a palha ou outra ração não sair, uma tábua ou um ou dois paus sobrepostos.

Próximo ficava a poça ou estrumeira para onde era deitada a palha suja pelos animais para acabar de curtir.

Tudo isto faz parte de um passado relativamente recente mas que se vai afastando pois os poucos jovens que habitam por estas redondezas já não conheceram estas actividades. Os idosos que hoje constituem a maioria da população, os que aqui nasceram e viveram, conhecem bem toda esta situação.

Sempre que há qualquer restauro ou construção nova, já se sabe que palheiros e “arramadas” desaparecem, pois já não fazem falta, quando foram indispensáveis à vida de então.


PRISÕES DE GADO



Os arqueólogos têm identificado em várias construções castrejas, embutidas nas paredes, argolas de pedra onde se amarrava o que quer que fosse, admitindo-se neste caso os animais.

Alguns exemplares deste tipo encontram-se depositados em museus.

Essas “prisões” foram-se adequando e ajustando às novas realidades e tecnologias, no decorrer dos tempos.

Depois da utilização da pedra, umas vezes perfurada, outras originando uma espécie de espigão, de estrutura sólida, que teria de ser o mais forte possível, para que se pudesse amarrar bem a corda (arreata), sem possibilidade de se safar, passou-se depois à trabalhada argola de ferro segura por cravejamento efectuado em pedra resistente. (1)

Em Afonso Vicente só existe um asinino, uma burra que vai comendo a erva por aqueles ferragiais. Nem machos nem mulas que sempre existiram na casa dos lavradores.

Era rara a casa que não tivesse uma “besta”para as mais variadas tarefas. Transporte de pessoas e de coisas das mais diversas espécies que iam desde o estrume ao sacos de farinha, amêndoas, azeitonas ou alfarrobas passando pela lenha e os indispensáveis cântaros de água. Por outro lado tinham de lavrar as terras para as sementeiras.

Quem não tivesse pelo menos um burrinho não se dava governado para utilizar uma expressão local.

Os animais foram desaparecendo mas algumas prisões vão resistindo como podem no decorrer dos anos como as fotos mostram. Por quanto tempo será?

Dos três tipos que referimos, em Afonso Vicente só se encontram os dois primeiros, o tipo de espigão e o da pedra furada. Deste último só conheço um exemplar e do outro cinco.

Estas “prisões” estavam colocadas de uma maneira geral próximo das casas e estão condenadas a desaparecer logo que haja mexida no local onde se encontram.


NOTA
(1) – “Prisões de Gado”, Blogue Alcoutim Livre, de 13 de Março de 2009.