terça-feira, 20 de março de 2012

Afonso Vicente foi um grande monte da freguesia de Alcoutim [8]

ASPECTOS CONSTRUTIVOS DESAPARECIDOS OU QUASE

FORNOS

Os fornos eram no século XII importante meio de produção no conjunto das actividades económicas, sendo numerosíssimas as referências feitas nos forais.

Se muitos se encontravam sob o poder senhorial, havia os que constituíam propriedade comunal, como eram os fornos dos concelhos, públicos que chegaram aos tempos modernos e sobre os quais no concelho ainda se encontram resquícios.

Os fornos hoje quase desaparecidos no “monte” e os poucos que existem estão desactivados, foram numerosos e indispensáveis até meados do século passado.

Garantiam o cozer do pão principal sustentáculo da alimentação destas gentes.

Enquanto alguns montes possuíam o seu forno comunitário que chegámos a conhecer em actividade, não nos consta que aqui tivesse existido.

Nem todos os fogos possuíam o seu forno recorrendo aos dos familiares, compadres ou vizinhos.

De uma maneira geral as pessoas ajudavam-se tanto nestas tarefas como nos trabalhos agrícolas, organizando-se conforme as circunstâncias, tomando em consideração os trabalhos considerados prioritários.

As amassaduras eram semanais e juntavam-se duas ou três no mesmo forno pois assim gastava-se menos lenha para o aquecer. A que cozia primeiro num dia, chamada a “aquentadeira”, era substituída por outra na semana seguinte e assim iam rodando. O sistema proporcionava uma ajuda mútua.


Existiam vários tipos de fornos que de uma maneira geral se situavam perto da casa do seu proprietário e mais raramente no seu interior, ao jeito do que acontecia no Alentejo.

O tipo mais vulgar tinha um formato redondo, cúpula levemente abaulada, variando de construção para construção. A cobertura que muitas vezes no vértice levava uma panela de barro velha e emborcada, era resguardada por telha com beiral redondo e na maior parte das vezes por lajes de xisto o que se tornava menos dispendioso.

A porta do forno muitas vezes feita com dois velhos ferros de charrua dando-lhe uma forma quase ogival, tapava-se habitualmente com o fundo de um bidão suportado por um pau.

A base do forno era feita de tijolo de burro ao alto ligado por barro amassado que se arranjava, por vezes bem distante, num pequeno filão que ia sendo explorado. Na altura não havia barro refractário que hoje se adquire com facilidade.

A abóbada do forno requeria o mesmo material auxiliado com cacos de telha de canudo e de objectos de barro não vidrado que se iam partindo e a que davam aproveitamento adequado.

O forno tinha que ter um buraco, a que chamavam ouvido, para poder respirar, isto é, entrar o ar que alimentava a combustão, entrada que era regulada por uma pedra.

A parede que envolvia a abóbada, muitas vezes circular, era feita de xisto e grauvaque, ajustando-se com barro, pedra e cacos e com o sentido da conservação do calor ser mais eficiente.

Estes fornos circulares tinham junto um pequeno poial de apoio e por vezes uma pequena laje saída (pilheira) para colocar algo a proteger de cães e gatos.

Havia fornos com telheiro ainda que tudo o resto funcionasse da mesma maneira.

Menos vulgar era o aparecimento de forno resguardado por pequena casa.

O último forno construído em Afonso Vicente teve lugar em 2002 e está representado em foto que aqui apresentamos.

O aquecimento fazia-se com lenha sendo utilizada preferencialmente a esteva seca que além de arder bem produzia bom calor.

O pão é um alimento elaborado com farinha, neste caso, de trigo, água e sal, levando fermento.

Depois de convenientemente amassado o produto apresenta-se elástico o que permite dar-lhe várias formas.

Quando se cozia, aproveitava-se também para fazer “costas”.

Como utensílios a utilizar, temos a pá de enfornar, para colocação e retirada do pão, constituída por cabo e pá, o “varredoiro”, constituído pelo cabo e as “barbas” (farrapos de pano) e que serve para varrer o solo ou cepo. O forcado para espalhar o brasido e o rodo para retirar a cinza.

Em Abril de 1990 segundo inventário que realizámos existiam ainda 22 fornos no monte, ainda que a maioria já estivesse em completa ruína. Foram rotulados como pertencentes a: Florinda Madeira, Sebastião Costa, Joaquim Gomes, Francisco Valadas, Maria Florência, Maria Jesuina, José Marques, Maria Custódia Canelas, António Cavaco, José Romão, Antónia Maria, Silvina Dias, Francisco André, António Bento, António Lima, Fernando Mestre, José Mestre, Manuel Joaquim, Joaquim Patrício e José Martins. Alguns já não sei onde se situavam.


PILHEIRAS

O substantivo pilheira significa principalmente lugar onde se empilham coisas
Como regionalismo significa vão na parede, onde se arrumam vários objectos, cantareira aberta na parede, buraco na parede, que serve para arrecadação ou arrumos e aparece como sendo próprio do norte do país.

Acontece que com o mesmo significado é usado no concelho de Alcoutim e possivelmente em zonas confinantes.

Mas aqui não tem apenas este significado como já algumas vezes tentámos explicar.

A falta de madeira, a pobreza da região e outros factores levaram o alcoutenejo a arranjar locais onde pudesse colocar os poucos utensílios de que dispunha. Ao construírem as grossas e toscas paredes de xisto e grauvaque, aproveitavam pedras com alguma largura e compridas, que não partiam com facilidade, chamando-lhes assim pedras rijas e colocavam-nas a servir de lintel em portas e janelas e também nos buracos que iam deixando na parede. A base, onde se empilhavam os objectos, era feita de pequenas lajes ajustadas com barro. Havendo falta de grauvaque utilizavam paus de zimbro ou de azinho, tendo preferência o primeiro que resistia muitas dezenas de anos. Quem tiver espírito de observação ainda poderá verificar esta situação principalmente em edifícios em ruína.

Ainda que as velhas pilheiras tenham vindo a ser eliminadas, o afonso-vicentino não as deixou de construir adequando-as aos novos tempos.

Nos anos 40 do século passado já se faziam pilheiras para bilhas e cântaros como a figura ao lado apresenta.

Aqui já aparecia o tijolo de burro que possibilitava uma estrutura diferente e em que a parte cimeira era feita com o auxílio de arcos de cintar barris e de canas.

Outro tipo de pilheira que conhecemos, e foi o primeiro que nos chamou a atenção pois desconhecíamo-lo completamente, é o constituído por uma pedra de xisto, saída da parede, perto da porta e igualmente nos fornos, e em posição elevada.

A nossa curiosidade levou-nos a perguntar qual era a sua utilidade, que nós não descortinávamos. A resposta não se fez esperar, tendo-me sido dito que se chamava pilheira e que tinha servido, em tempos mais antigos, para colocar o tacho das papas para arrefecer, ficando assim protegido de cães e gatos.

Vim depois a verificar que a sua existência era vulgar pelos “montes”.

Das três que conheci no “monte”, ainda existem duas, apesar das moradias terem sido restauradas, os seus proprietários entenderam conservá-las como símbolo de um passado que é preciso preservar.

Recentemente descobrimos mais duas em casas abandonadas.


Mas ainda falta referir outro tipo de pilheira e que não foi muito fácil de definir.

Ao pretender analisar este tipo que conhecemos desde que chegámos a Alcoutim, perguntámos como se designava aquela construção-utensílio. Todos me responderam:-PILHEIRA.

Por volta de 1986 ao visitarmos um monte da freguesia de Vaqueiros encontrámos o mesmo “objecto”e com funções idênticas. Aproveitamos a presença de uma habitante que dela se estava servindo, perguntando como se chamava. Resposta:- uma fornilha.

Considerámos o termo mais consentâneo com a sua utilização e pensámos que tivesse origem, tal como tantos outros por aqui utilizados, na vizinha Espanha que no decorrer dos tempos teve sempre relações de trabalho e consanguíneas com esta região.

A palavra, pelo menos foneticamente, aproxima-se do nosso fornalha.

A designação de fornalha ou de fornilha, ajustava-se bem ao seu desempenho.

Desejando agora voltar ao assunto, até porque os poucos exemplares existentes deixaram de funcionar e por isso são removidos na primeira oportunidade, comecei por perguntar como se chamava aquilo. As pessoas responderam-me todas o mesmo: PILHEIRA!

Ao dizer-lhes que a designação de pilheira nada tinha a ver com as outras que eu conhecia, acrescentando que me tinha sido referido como fornilha, o que no meu entender, mais se ajustava, disseram-me que aqui, foi sempre PILHEIRA.

De uma maneira geral situavam-se perto da casa e muitas vezes na extremidade do pial (poial)que além de servir para as pessoas se sentarem a descansar, muitos eram utilizados para lavar a louça, primeiro em alguidares de barro, depois de plástico.

Esta pilheira servia para cozinhar as refeições principalmente no Verão para assim evitar que a "casa do fogo" nessa época se tornasse ainda mais quente.

O seu formato foi evoluindo conforme as necessidades, acabando por ser coberto e levar chaminé além de por vezes na parte inferior aparecer espaço para arrumar a lenha trazida regularmente em faxinas

Hoje poucos exemplares restam mas já sem essa funcionalidade.

(CONTINUA)