sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Um grande agricultor - António Monteiro Robalo





Escreve

Gaspar Santos





Na Vila de Alcoutim, nos anos 30, 40 e 50 do século passado, o Senhor Robalo era o maior agricultor, entre várias dezenas. As terras que cultivava em dedicação exclusiva, não eram suas. Era rendeiro.

Tinha sucesso, embora fosse criticado por outros agricultores por usar técnicas de cultivo despachadas, consideradas pouco cuidadas. Eles sachavam e cavavam os milhos ou batateiras várias vezes para revolver a terra e matar a erva e assim aumentar produção. Robalo tinha mais que fazer e dedicava esse tempo a outras tarefas mais rentáveis, não estando a fazer muitas “festinhas” às plantas. Se a produção não era tão grande, a palha, o feno e as pastagens residuais também davam jeito para alimentar o gado.

Enquanto outros sachavam o milho, quando atingia alguns centímetros, ele gradeava o terreno semeado. A grade era uma estrutura rectangular em que dois dos lados eram barrotes de madeira com pontas de ferro pregueadas. Quando puxada pelas bestas servia para arranhar a terra e partir os torrões maiores. Destruía muita erva, é verdade, e também muitos pés, o que, porém, não prejudicava a seara, pois o semeador tivera a preocupação de semear o milho com maior densidade. Depois, era só regar o milho pelo pé com regueiras a partir da nora puxada por muares.

[Margens da Ribeira de Cadavais. Foto JV]

Havia anos em que na parte mais baixa da Hortinha, junto da casa, semeava trigo rijo e a cheia da ribeira ou do rio inundava a seara e as laranjeiras até à copa. Nessa altura para o prejuízo ser menor esperava que o terreno secasse, para então, em alternativa, semear milho. E não havia seguro para cobrir isto!

Ele era um homem alto e de desembaraço impressionante. Uma vez, ele ainda era vivo, vi num filme, uma cena que mo trouxe à lembrança: - um emigrante Inglês ou Irlandês toma posse duma terra no Texas. Enquanto a mulher, de saia muito comprida cozia uns feijões com carne seca, ele, com gestos largos, pregando as tábuas com um martelo, fazia uma vedação de madeira, limitando a propriedade, com uma incrível velocidade. Eu disse para comigo: é um “senhor Robalo”!

Recordo dois empregados seus: António Emílio já falecido e o Manuel Noronha, barbeiro actual em Alcoutim, dois exemplos de bons trabalhadores que ele ajudou a formar e que sem dificuldade transitaram para outros ofícios.

Atesta do seu êxito social, integrar em 1952 a Comissão de Festas de Alcoutim. Uma Comissão de Honra “dos engravatados” na feliz expressão de Amílcar Felício. Ele que nunca usava gravata (!), salvo em momentos muito especiais, foi um dos escolhidos por ser muito respeitado.

Este homem era natural da Região Oeste, com um falar peculiar que se distinguia do nosso; quando comprava um selo, não pedia um selo, pedia uma estampilha! Teve um percurso profissional muito específico. Começa por ser escriturário nas Minas de Aljustrel. Mas, como ele dizia, não “cabia” no acanhado espaço do escritório e necessitava de ar livre para se realizar. Torna-se agricultor!

Casou com Laura Brito, operadora de telégrafo de Morse dos CTT. E resolve acompanhar sua mulher à medida que ela vai sendo promovida e muda de local de trabalho. É assim que vai, com o filho Mário nascido em 1921 em Aljustrel, para o Pomarão onde nasceu a filha Ivone.

Instalam-se em Alcoutim no final dos anos 20 quando a mulher foi transferida para chefe dos CTT por morte do senhor Freitas. Aqui arrendou terras para cultivar, como já fizera no Pomarão. Moravam no antigo edifício dos CTT na Rua D. Sancho II, nas instalações destinadas a residência da chefe.

Não me lembro de ter visto a mulher do senhor Robalo, pois faleceu muito nova. Sei por ouvir dizer que, enquanto ele era magro ela era mais forte.

[Comandante Robalo ] O filho Mário de Brito Monteiro Robalo fez a instrução primária em Alcoutim. Mais tarde teve uma brilhante carreira militar. Foi um dos primeiros dois pára-quedistas, juntamente com o capitão Martins Videira. Em 1962, como major, foi nomeado comandante do Regimento de Caçadores Pára-quedistas, criado no ano anterior, e onde se manteve até 1971. Passou à reserva por doença no posto de coronel. Depois, ainda se licenciou em direito, tendo falecido em 1990.

A filha Ivone de Brito Monteiro Robalo também frequentou a escola em Alcoutim. Foi enfermeira no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, atingindo o grau de enfermeira-chefe.

Quem tomava conta do governo da casa era uma empregada de nome Emília, natural do Baixo Alentejo. Ti Emília da “Horta” era uma figura típica, pessoa bem-disposta, que do seu posto atrás do muro da casa dava sempre o seu dedo de conversa e de saudação simpática a quem passava no caminho do Poço das Figueiras, aproveitando para pôr em dia as notícias. Sendo também aqui que vendia alguns produtos da terra.

Esta empregada no início dos anos 50 trouxe dois sobrinhos adolescentes, o Manuel Noronha e sua irmã Maria de Lurdes para colaborar nos trabalhos, o que fizeram com mérito. Estes constituíram famílias e ainda residem na freguesia de Alcoutim.

Dois terrenos eram a sua principal ocupação: a várzea entre o Poço Novo e o Poço das Figueiras, onde existia a casa onde passou a residir; e a Fonte da Serra, à direita do antigo caminho donde se avistam as passadeiras das Cortes (Pereiras) sobre a ribeira de Cadavais, onde tinha as suas instalações pecuárias, armazém de alfaias agrícolas, cereais e alimentos para o gado e a eira para debulha de cereais, favas, grão-de-bico e tremoços.

Além de trigo e milho cujos excedentes vendia à Federação de Trigos, colhia e vendia, azeitonas, amêndoas, figos, alfarrobas, batatas e produtos hortícolas e produzia bastante leite de vaca. Vendia ainda a produção pecuária de porcos, ovelhas e cabritos. Era também um grande produtor de laranjas e outros citrinos. Na sua residência a empregada vendia muitos produtos hortícolas, batatas, leite e até caixinhas com amoras.

Recordo-me de algumas vezes, por 10 centavos (um tostão) a empregada permitir que os miúdos fossemos “encher a barriga” de amoras subindo à amoreira para as colher e ficar todos pintados de azul.

Recordo outro episódio. As laranjas caídas serviam de alimento às vacas leiteiras. Um dia uma vaca enorme e que dava muito leite morreu engasgada com uma laranja mais pequena. O Senhor Robalo com um misto de raiva e desgosto não comeu nem deixou que comessem a carne. Aproveitar a carne não o consolava nada, e assim, respeitou normas sanitárias. Mandou fazer uma grande cova e enterrar os restos mortais do animal. No entanto, os “coveiros”, mal ele se afastou ainda conseguiram tirar uns bons bifes, que comeram no mais completo recato para ele não se inteirar.

Comprou ainda, para residir, uma casa enorme na Rua D. Sancho II que restaurou lentamente ao longo de vários anos. Creio até que foram os filhos a terminar a sua restauração. Serviu as instalações da Casa do Povo, sendo vendida mais tarde ao João Batista.

Hoje fala-se muito de crise. Será excesso de produção? De facto vêem-se muitos campos não cultivados por não ser rentável (?) explorar. Não faltam alimentos na Europa, mas eles faltam em muitas partes do mundo. Há jornais até que dizem que não há capacidade para alimentar hoje toda a população mundial. Outros referem um estudo da FAO que diz ter o mundo capacidade para alimentar 10 mil milhões de habitantes, que será a população em 2050; e que por falta de distribuição, há alimentos estragados sem serem consumidos, enquanto há zonas de escassez. É, por isso, muito vantajoso que haja produção local para garantir um pouco melhor essa distribuição.

Vale por isso recordar este homem e a sua produção local. Ele pode ainda hoje exemplificar como foi possível ter uma vida plena e economicamente desafogada, criar e educar bem os filhos; trabalhar muito e dar emprego a pessoas, praticar uma agricultura só com a força animal, sem ser subsidiada e sem seguros que cobrissem os riscos de cheia.

O que não faria hoje o Senhor Robalo com tractores?