domingo, 6 de novembro de 2011

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - XVI





Escreve

Daniel Teixeira





FIGOS DE PITA, MEDICINA CASEIRA E BRUXARIA

Ultimamente tenho lido no Blogue Alcoutim Livre algumas coisas sobre figos de pita. Fiz até um aprofundamento sobre a questão e fui encontrar também num outro blogue um concurso - festival realizado em Martim Longo sobre sabores da serra e sobre o figo de pita. Para quem não conhece, por não ser de região onde exista este tipo de vegetação, figueira de pita ou figueira da índia é um cacto que como se liga logo será próprio de regiões desérticas e pouco irrigadas.
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Não vou fazer um estudo sobre esta planta nem sobre os seus frutos mas sei que ultimamente esta planta anda quase pelas mesmas ruas do aloé vera realçando-se as suas qualidades curativas e as vantagens na sua utilização, mais vitamina C e capacidades cicatrizantes por exemplo e vantagens na diminuição e combate ao colesterol e possibilidade de ter capacidades que desconheço de que forma actuariam no tratamento da diabetes tipo II.

Ora este cacto existe um pouco pelo menos no nordeste algarvio e no Alentejo e até no Brasil sob outro nome mas o que me admira nesta história toda, sem colocar em causa os estudos, é que na grande parte dos casos são as populações locais que fazem nascer as mezinhas que depois se generalizam. Ou seja, e para ser mais claro, primeiro a mezinha caseira depois a descoberta / reconhecimento científico baseada num desenvolvimento dessa mesma mezinha caseira, isto quando a raiz do remédio não é obtida em laboratório ou de forma sintética.



Tenho mesmo um ou mais que um trabalhos publicados no Raizonline e fora dele sobre outras questões correlacionadas em termos gerais que têm a ver com as mezinhas caseiras, com os produtos naturais e formas de intervenção primária em questões de saúde, escrevi também sobre a regulamentação dos produtos naturais como elementos terapêuticos e sobre um organismo relacionado com a OMS que controla ou faz indirectamente a triagem mundial desses produtos.

O objectivo deste processo relaciona-se com uma ideia simples: «falta de meios para mais e melhor ou diferente» utilizam-se aqueles produtos ou meios que são de tradição e que em teoria foram testados nos seus resultados ao longo dos anos e por vezes mesmo séculos.

Esta filosofia encontra correspondente nos tempos modernos através da adopção, pelos Centros de Saúde numa outra perspectiva sempre relacionada, como disse acima, que é a figura dos prestadores de cuidados informais, que são genericamente familiares ou vizinhos de pessoas com doença ou incapacidade, por exemplo, que recebem formação específica em dadas áreas precisamente para prestar cuidados a esses seus vizinhos com doença ou incapacidade.

Ainda, e sem querer fazer desta crónica um tratado informativo sobre a saúde global, interessa referir também que algumas das tarefas tradicionalmente da profissão médica estão a ser delegadas em Enfermeiros e que estes por sua vez têm delegado no pessoal auxiliar algumas tarefas também.

O problema é vasto e complexo mas ficaria incompleto este texto se eu não dissesse uma outra coisa que está relacionada directamente com o envelhecimento das populações coisa que toca de forma quase directa o Concelho de Alcoutim: de uma forma geral o envelhecimento populacional antes estava concentrado maioritariamente nos centros urbanos; maior proximidade de estabelecimentos de saúde e de prevenção igual a mais longa vida logo alargamento do topo superior da escala etária.

Acontece que nestes últimos anos se assiste a uma alteração estatística do processo e se chega à conclusão que o envelhecimento populacional se concentra cada vez mais em regiões rurais (Conferência de Madrid, Conferência do Cairo etc.) que normalmente são locais de difícil acesso, estão dispersos geograficamente e tornando a assistência aos idosos rurais, neste caso, mais cara que ao idoso urbano (o que terá pesado muito nas conclusões e nas resoluções / directivas que ninguém segue aliás).

Na verdade, com tanto estudo e tanto estudioso que anda por aí, ninguém se lembrou que a emigração rural versus urbanização deveria resultar num reforço da natalidade nos meios urbanos e num correspondente decréscimo da natalidade em meio rural. Já desculpo que não tenham chegado à conclusão antecipada - o que também era possível contudo - que a urbanização em termos de natalidade não é um ambiente muito favorável por razões muito diversas mas quase todas recitáveis, o que não vou fazer aqui, para encurtar esta crónica.

Assim, e visto o dito acima, o ressurgir da medicina caseira tem caminho para andar sobretudo em meios rurais tanto pela sua tradição como pela sua imperiosidade nestes tempos. O problema está a meu ver na atitude que as pessoas, quer os interventores no desenvolvimento dos projectos quer as próprias populações, tomam na sua relação com esse ressurgimento desta medicina caseira de segunda geração. Volto a dizer, agora claramente, que não tenho nada contra a homeopatia, mas o aloé vera teve o mesmo percurso paralelo que referi acima que está a ter o figo de pita. Ou seja e retomando o fio da meada, não nasceu da geração local espontânea.

Vi na Nazaré por exemplo as arribas repletas de aloé vera e não me consta que fosse de qualquer utilidade para os pescadores da Nazaré e população nazarena em geral. Vi sim também muita gente de outras cidades à cata da preciosidade...

Por isso, o que acho estranho é que o figo da índia e a figueira da índia fossem quase ignorados nessas suas capacidades pela população pelo menos do Monte de Alcaria Alta. Era muito bom, tinha uma doçura bem forte, quase se desfazia na boca e dava origem aos chamados «empachos» que eram as tais prisões de ventre que não eram exactamente prisões de ventre uma vez que a desobstrução do «empacho» tinha lugar no final do recto.

Uma vez ou duas fui objecto dessa curiosa desobstrução de fecalomas, com agulhas de fazer malha, por exemplo, uma vez que não me contive na quantidade a ingerir: o figo sabia mesmo bem mas as suas sementes eram em tal profusão e indigeríveis que acabavam por se depositar pelo intestino abaixo estacionando em bolsa alargada na zona de saída.

Eram também depois de sumariamente varridos no chão alimento para porcos que não pareciam importar-se muito com os espinhos restantes e mais nada, quer dizer, entre dezenas de mezinhas que conheci por aqueles lados nenhuma tinha a figueira de pita como base. Picadas de lacrau atenuavam-se com mel, felizmente nunca sofri nenhuma, indisposições com chás de erva cidreira por exemplo ou bela luísa ou outra planta qualquer.

Havia uma outra coisa, que não tem relação com plantas ou curativos daí vindos que eram as ventosas, que eram boas para os males dos pulmões e lembro-me de já na cidade ter visto a minha mãe e a minha tia a fazer isso a um primo nosso que estava mesmo muito magro e tossia muito. Isso terá curado esse meu primo ou não mas o homem continua por cá sem resquícios de qualquer mal relacionado com o sistema respiratório.

Bem, essa operação das ventosas, que acho ser comum nas comunidades rurais foi para mim uma experiência a que pude assistir ainda que de escapada. As costas dele ficavam repletas de copos voltados com o seu interior com oxigénio rareado através da utilização de um fósforo aceso e colocação rápida nas costas.

O oxigénio rareado formava um semi-vácuo que acabava por fazer uma bolha de tecido no interior de cada copo e servia segundo me disseram para puxar o sangue do paciente lá das entranhas para a região certa. Era uma operação que dava bastante trabalho uma vez que a tal de bolha no tecido costal durava relativamente pouco tempo e fazer a volta a cerca de 15 / 20 copos era trabalho que requeria continuidade e habilidade no manuseio.

Agora e dentro do tema medicina caseira na sua parte segunda (ausência de produtos naturais) e a resvalar para uma terceira parte (a elevar-se para o além) foi-me referida em Alcaria Alta primeiro sem querer depois de forma bem explícita por insistência minha já uma história de bruxaria que me deixou bastante ofendido: uma tal senhora fulana de tal, ao ser questionada sobre quem era a bruxa que a atormentava terá respondido que não era nenhuma das «C» não tendo provavelmente por receio de maiores represálias referido o nome da malvada.

Ora isso para mim funcionou como um rebate: a crer nos dizeres da dita senhora fulana de tal (que tinha dores atrozes no peito, mais propriamente no coração, pelo que me foi dito) que não era nenhuma das «C» isso de facto ilibava a minha avó (que era C.) e as restantes «C» todas da minha família materna mas deixava-me uma suspeita. De facto não era «C» a malvada mas a afirmação colocava a possibilidade de as «C» serem bruxas, ainda que excluídas neste caso. Daí a minha indignação...

Ainda por cima a conversa foi ouvida numa altura em que se contava o falso furo de uma operação realizada pela tal senhora em conjunto com os seus familiares: colocaram durante a madrugada um coração de porco no forno que o José Varzeano tem retratado e que fica ao lado esquerdo da casa do João Baltazar e que fica também mesmo em frente da agora derrocada casa da minha avó. A operação implicava queimar o coração do porco «sem que ninguém visse» o forno ardendo.

Ora o meu avô por uma razão qualquer tinha de se levantar mais cedo naquele dia e ao abrir a porta deparou-se com o forno aceso e foi dizer à minha avó que dormia ainda mas que estava ao corrente da operação. A solução foi logo encontrada: «não digas a ninguém e faz de conta que ninguém viu. Agora vai lá à tua vida e não olhes mais para lá não vá alguém ver-te...». O bruxedo terá resultado na mesma...a senhora nunca mais teve dores no coração...pelo que sei, mas essa de ter dado a entender que a minha avó seria uma potencial bruxa nunca lhe perdoei...

A minha avó até tinha a casa benzida anualmente pelo padre, que dava a volta pelos montes a troco de uma soma adequada para a eterna reparação da Igreja, não ia muito à missa a Giões mas naquele tempo pouca gente ia senão em caso de funerais ou para aproveitar o dia para dar uma volta pela aldeia para ver familiares e amigos e para além do mais por lá não havia domingos nem feriados: o calendário era todo de enfiada.

Era um pouco dura, a velhota, (ver a foto acima) mostrava muito pouco a «fraqueza» da afectividade, era disciplinada e disciplinadora, talvez porque o meu avô fosse excessivamente brando de costumes, penso, mas todos os anos fazia companhia ao restante da família feminina que se desfazia em lágrimas na nossa despedida naquilo que era um ritual inevitável.

Dizia sempre a minha avó que era a última vez que nos via. Nunca foi dessas vezes em que chorava à nossa partida na camioneta a última vez que nos viu. Viu-nos até ao seu fim, aqui em nossa casa e fomos então nós que deixámos de a ver...