domingo, 26 de junho de 2011

A criação de gado bovino

[Pastando junto a Afonso Vicente. Foto JV, 2010]

A sub-raça mertolenga, que alguns entendidos opinavam que deveria chamar-se alcouteneja, por ser daqui a sua raiz (1), era naturalmente a mais abundante.

Acompanhou o algarvio da serra no desbravamento do Alentejo e daí se ter dado a modificação do nome.

São animais de pequena corporatura, vermelho malhados ou salgados e são muito apreciados pelas qualidades que possuem para os serviços agrícolas.

Como animais de tracção na charrua ou no arado são óptimos, pois têm além da rijeza da unha, docilidade, poder muscular e vigor para aguentar as fadigas que lhes são exigidas no amanho das magras terras da serra. (2)

De escassa produção leiteira, mas de carne de boa qualidade, eram e são procurados para enquadrar e conduzir os touros nas pastagens e nas praças tauromáquicas, sendo conhecidos por cabrestos.

Realizámos um pequeno estudo sobre os bovinos existentes em Alcoutim em 1771, ainda que ao tombo (3) lhe faltem algumas páginas, dá-nos uma perspectiva muito próxima da realidade e sugere-nos algumas considerações que efectuaremos.

Encontrámos manifestados 652 bovídeos que pertenciam a 147 pessoas, das quais 70 só manifestaram esta espécie, enquanto os restantes possuíam gado caprino, ovino ou porcino.

Só a primeira declaração possui a separação entre bois, vacas e bezerros, todas as outras registam os bovídeos como reses, termo que significa qualquer quadrúpede que serve para alimentação do homem.

Nesta altura o concelho de Alcoutim possuía mais a freguesia de Cachopo, hoje de Tavira, possuindo povoações que pertencendo a outras freguesias faziam parte do termo de Alcoutim, o mesmo acontecendo em sentido contrário já que os designados “montes do Rio” pertenciam à freguesia de Alcoutim mas ao termo de Castro Marim e os que pertenciam à freguesia de Vaqueiros e estavam para lá da Ribeira de Odeleite ao de Tavira.

Fizemos os cálculos e verificámos os seguintes resultados, tomando em consideração as freguesias: Alcoutim 180 exemplares, Pereiro (107), Martim Longo (96), Giões (91), Cachopo (56), Vaqueiros (55) e do Termo (alguns montes de Odeleite e Ameixial) (67).

Verificámos também que a média por possuidor é de 4,43, havendo um único manifesto com 2 exemplares e um máximo de 9. De uma maneira geral os manifestos andavam à volta de 4 / 5.

Os números indicam-nos que a parte serrana tinha uma existência muito menor pois encontrava-se ainda numa fase de desbravamento, pelo menos é o que os números apresentados sugerem.

Pensamos que as reses existentes seriam da raça mertolenga e destinadas principalmente ao amanho das terras pelas características que possuem.

Muitíssimo mais tarde, nos fins do século XIX, aparecem os bovinos de raça turina, trazidos talvez da região ribatejana, destinados à produção de leite, não se utilizando por regra nos trabalhos agrícolas. (4)

A existência de cercas explica-se porque vacas, ovelhas, cabras e porcos andavam soltos. (5)

Agora, alguns acontecimentos que respigámos nos arquivos locais e têm um sentido histórico.


[O Sr. Júlio das Cortes Pereiras, apesar da sua avançada idade continua a fazer o que sempre fez, a criar "reses"]
Em 1874 o Administrador do Concelho informa que no concelho não tem grassado moléstia alguma epidémica em qualquer das espécies de gado, tendo contudo morrido três reses no monte da Palmeira e quatro no das Cortes Pereiras por haverem bebido nos pegos onde se alaga linho e adoçam tremoços por descuido dos rapazes que os guardavam. (6)


Já em 1875, na freguesia de Vaqueiros, mais propriamente nos montes das Preguiças e da Casa do Galego, havia uma epidemia no gado vacum que já tinha dado origem à morte de seis cabeças, havendo mais doentes. Os animais deixam de comer, ficam de pêlo arrepiado, tremem e não obram. (7)

Anos depois, 1885, na mesma freguesia grassa novamente uma moléstia semelhante, já que os animais apresentam sintomas muito parecidos.

Os moradores instam junto do Administrador do Concelho no sentido do Intendente da Pecuária do Distrito de Faro aqui se deslocar ou indicar o que deviam fazer para combater tal mal que tantos prejuízos estavam causando.(8)

Anos depois vamos encontrar novamente problemas de enfermidade no gado bovino doença que apresenta os seguintes sintomas: apresentam-se tristes, pêlo eriçado, coxos das quatro patas, criando entre as unhas um ninho de vermes, uma bolha na língua deitando muita baba, passados 3 ou 4 dias rebenta outra deitando muito pus mas por enquanto não tem havido casos de morte. Pediam-se providências. (9)

Os animais transaccionavam-se nas grandes feiras do Baixo-Alentejo, tendo grande fama a Feira de Garvão, Castro Verde, Aljustrel, etc.

Em 1891 o Administrador do Concelho, Manuel José da Trindade e Lima, encarregou um residente em Afonso Vicente (Alcoutim) de ir vender o seu gado, constituído por 4 bois e 4 vacas afilhadas à Feira de Aljustrel, o que não conseguiu fazer segundo afirmou, deixando-o a cargo de um António Jacinto.

Trindade e Lima acabou por mandar outro homem da Corte Tabelião receber o gado, pagando o que fosse devido, seguindo com ele para a Feira de Almodôvar, que era a mais próxima. (10)

Em 1929 é aprovada uma alteração ao Código das Posturas no sentido de evitar que os animais fossem tratados com crueldade, obrigados a conduzir pesos excessivos e que andassem demasiadamente magros e feridos.

Uso tradicional era dar “vacas de meias”, o que significava que um comprava, o outro criava e o produto da venda das crias (ou mães) era dividido ao meio.

Em 1971 estavam registados no concelho 346 bovinos.

Não podemos precisar, mas serão bem poucos presentemente no concelho a manter tal actividade.

NOTAS
(1) – “Pequenos Apontamentos – Gados”, Trindade e Lima, O Povo Algarvio, Tavira, de 18 de Maio de 1974.
(2) – “ O Algarve sob o ponto de vista pecuário”, Eduardo Gomes Calado, Boletim da Junta de Província do Algarve, 1940
(3) – Manifeztoz e Arolam toz da Camera doz gadoz. Contém 180 pp faltando-lhe as 60 iniciais em que poderão estar incluídos manifestos de ano anterior. Tudo indica e como é norma existir um prazo para o cumprimento da obrigação, parece-me que estas páginas se não terão tudo terão a grande parte dos manifestos que no hipotético fim do prazo são mais numerosos e de montes mais distantes.
(4) –“ O Algarve sob o ponto de vista pecuário”, Eduardo Gomes Calado, Boletim da Junta de Província do Algarve, 1940
(5) – O Algarve Económico – 1600-1777, Joaquim Romero Magalhães, p.139.
(6) – Of. Nº 94 de 21 de Setembro de 1874.
(7) – Of. Nº 40 de 11 de Outubro de 1875.
(8) – Of. Nº 99 de 14 de Agosto de 1885.
(9) – Of. Nº 94 de 27 de Julho de 1893 ao Intendente da 9º Região Pecuária do Distrito de Faro.
(10) – Of. Nºs 95 e 97 de 9 e 15 de Julho de 1891 para o Administrador do concelho de Aljustrel.