quarta-feira, 29 de junho de 2011

Coisas alcoutenejas - A oliveira na economia concelhia



Pequena nota
Nesta rubrica do blogue que permite aos mais jovens leitores tomarem conhecimento de artigos publicados na imprensa regional, neste caso há dezassete anos, incluímos hoje este que se mantém de certa maneira actualizado, pelo menos na sua essência histórica.
Pensamos que muitos dos” menos jovens” leitores desconhecem igualmente esta publicação que realizámos num semanário onde então colaborávamos.

JV

(PUBLICADO NO MAGAZINE DO JORNAL DO ALGARVE DE 30 DE ABRIL DE 1994)

O tema que vamos abordar foi-nos sugerido pelo último que fizemos vir a lume e deste tipo talvez venhamos a publicar mais algum.

No nosso trabalho já aqui várias vezes indicado, a ele nos referimos quando falámos da agricultura, das saboarias e da oleicultura. Pensamos que na altura escrevemos o principal da tríade oliveira, azeitona e azeite.

Oito anos passados sobre aquele trabalho, além de uma ou outra pequena transformação operada, adquirimos mais conhecimentos documentais, aperfeiçoámos os orais, efectuando ao mesmo tempo uma observação mais incidente sobre o assunto.

***

A oliveira, originária da Ásia Menor, propagou-se por toda a zona mediterrânica. Em Portugal deverá ser anterior ao domínio romano, povo que nos deixou o seu nome.

Existe do norte a sul do país, não gostando contudo das nortadas agrestes nem dos ventos do mar.

O seu cultivo desenvolveu-se na época muçulmana, povo que nos deixou o nome do produto da sua maceração, o azeite, que guardava em potes e talhas de barro, tal como a azeitona, pratica que chegou aos nossos dias.

A oliveira era considerada na Antiguidade como um símbolo de sabedoria, de Paz, de abundância e de glória.

***

Os olivais, no Algarve, não se prantam de estaca … porque não prendem por causa da terra ser seca; mas logo a natureza proveu de tantos zambujeiros que, nacendo nas próprias fazendas e pelos montes, convidam os homens a lhe fazer benfeitoria; nem se sente nisto falta algua, informa-nos o sempre consultado Frei João de S. José. (1)

No século XVI a enxertia dos zambujeiros continuava, A sua forte raiz originava bons olivais com apreciável produção.

Na freguesia de Vaqueiros aproveitavam os zambujeiros, arrancando alguns melhores que enxertavam, transportando-os depois para cercados que fazem nalguns pedaços menos fragosos, a fim de os livrar dos estragos do gado (2) que era abundante.

Ainda hoje se pode verificar esta prática por todo o concelho, que só não é mais utilizada pelo abandono da terra e consequente falta de braços.

De todo o concelho, é a freguesia de Alcoutim a que possui mais oliveiras, existindo alguns pequenos olivais, Já Silva Lopes dá notícia de um excelente olival na várzea do Pontal. É nas várzeas do Guadiana que existe um maior número de oliveiras, principalmente nos sítios designados por Premedeiros, Lourinhã, Abrigo, Vale de Condes, Vinagre e Grandaça.

[Oliveiras numa horta. Foto JV]

As margens das ribeiras e dos barrancos são outros dos locais onde se desenvolvem, ainda que em menor número.

Chegam a aparecer no cimo dos serros, onde apanham algum “veio de barro”, mas naturalmente o porte é pequeno. É nas várzeas do rio que atingem maior volume, havendo exemplares de porte avantajado.

A Corografia Portuguesa, do Padre Carvalho Costa (1712) refere que Martim Longo recolhe algum azeite. Já em 1639, Rodrigo Mendes Silva, aponta Alcoutim como uma zona de produção de azeite, acompanhada no Algarve por Loulé, Tavira e Faro.

Em 1888 o Presidente da Câmara informa o Agrónomo Chefe da 9ª Região Agrária, com sede em Loulé, que “neste concelho até à presente data não tem aparecido nas oliveiras moléstia alguma. (3)

[Olival na Lourinhã. Foto JV, 2011]

Várias castas existem na zona, sendo a mais vulgar o maçanilha branco. Verdeal, cordovil e galega são outras das existentes.

A primeira azeitona a apanhar é vendida para conserva e os compradores aparecem em princípios de Outubro. Nos primeiros dias de Novembro, apanha-se para britar, retalhar, para água e só depois para o sal e azeite.

O varejo faz-se com canas. É tradição local que as oliveiras molhadas, quando varejadas, deixam de dar frutos por largos anos!

No chão colocam-se panos para facilitar o apanho. Só se utiliza o varejo nas azeitonas destinadas ao fabrico do azeite.

O transporte das pequenas sacas de linhagem fazia-se e ainda se faz em muitas casas, ao dorso de asininos que já começam a rarear no nordeste algarvio, onde existiram em grande número, como o maior auxiliar do homem do campo.
A produção de azeite é sempre referida quando é necessário informar o que o concelho produz.

Para demonstrar o interesse que a oliveira tem para os alcoutinenses, bastará dizer que existem destas árvores em terrenos de outros, o que nunca encontrei em qualquer outra parte. Isto acontecia porque em partilhas as oliveiras eram criteriosamente divididas.

Por vezes as terras iam passando de mão em mão, mantendo-se as árvores na posse de outros. Algumas vinham de herança que já não era possível determinar.

A azeitona, para o alcoutenejo, desempenha um papel importante na alimentação.

Utiliza-a como acompanhante nas refeições, de quatro maneiras:- britadas, retalhadas, de sal e de água.

As britadas são pisadas com uma pedra (quem tem, pisa com um maço de madeira) de maneira que o caroço não se parta. Deitadas em água, adoçam com a mudança frequente da mesma principalmente se for quente. Depois, temperam-nas com orégãos ou erva-das-azeitonas, casca de laranja, alho esmagado sem se lhe tirar a pele e sal. Com as retalhadas que, como o próprio nome indica, são golpeadas, procede-se da mesma maneira e pelo que sabemos, assim se passa noutras zonas do país.


[Azeitona maçanilha. Foto JV, 2010]

As azeitonas de sal são algo sui generis destas zonas, pelo menos não o encontrei em qualquer outra parte do país e quando pergunto aos meus amigos e conhecidos de outras zonas, nunca encontrei ninguém que conhecesse este sistema de conservá-las.

Escolhendo as azeitonas já roxas e mais gradas, vão se colocando às camadas num cesto de cana ou num cortiço, polvilhando-as convenientemente de sal. Quando se utiliza o cesto, é hábito colocar no fundo uma folha de couve. A acção do sal vai fazendo mirrar a azeitona que começa a engelhar e o líquido vai escorrendo. Quinze a vinte dias depois podem-se começar a comer. Retiram-se do recipiente, passam-se por água bem quente para tirar o sal e ao mesmo tempo, incham. Depois são passadas por um fio de azeite e ficam prontas a servir. É curioso que sendo conservadas em sal, acabam por não ser salgadas. Constituem um aperitivo bastante agradável que os alcoutinenses ainda não souberam aproveitar convenientemente, no aspecto gastronómico.

[Azeitonas britadas]
Restam as azeitonas de água que o alcoutenejo conserva em potes ou talhas de barro, como os árabes que por aqui passaram, já faziam. Ultimamente os potes de barro começaram a ser substituídos por vasilhas plásticas, mais duráveis, de limpeza e transporte mais fáceis e que não ganham mau gosto, nem “salitram”, como acontece com o barro. Ainda por cima, são muito mais baratos!
[Azeitonas de sal]
Para calcular a quantidade de sal que a água deve levar, coloca-se nela um ovo que à medida que a salinidade aumenta, vai subindo na água até atingir a superfície, altura em que a salmoura fica em condições. Depois, é deitar na água as azeitonas escolhidas entre as maiores e mais sãs. Duram de ano a ano e sempre em boas condições.

A maçanilha é a melhor para conserva.

É tradição que antigamente as azeitonas se adoçavam no rio. Metidas em sacos que se prendiam à margem, às quatro marés ficavam boas!

***

Como dissemos no escrito anterior, os alcoutenejos faziam o azeite e o vinho nas “queijeiras” que descrevemos como pudemos e apresentámos dois modelos.

Agora, acrescentamos as alfaias:- Um pequeno vaso de barro, um pilão. Uma saca, uma caldeira de bom tamanho para aquecer a água e duas panelas para cozer o azeite.

Esta prática ainda a encontrei a espaços, nos fins da década de sessenta dos nossos dias.

[Velha oliveira no "rossio" da Vila. Foto JV, 2011]

O primeiro lagar que apareceu nas redondezas, foi um de varas nos Balurcos e por volta dos anos cinquenta, industrializado, outro junto da vila e ainda funciona. Dizem-me que entretanto instalaram outro nos “montes do rio”.

Na época própria, aparecem compradores de azeitona, ou a troca, que colocam em lagares, alguns distantes, Por vezes, arranjam comissionistas nos “montes”.

Em 1989 as oliveiras, sem excepção, carregaram de azeitona de uma maneira que não há memória entre os anciãos locais. Ninguém se lembrava de tal! Mesmo as oliveiras há muito abandonadas e onde o bravo domina, deram frutos!

A azeitona era tanta que não havia braços suficientes para a apanhar. Entretanto, começou a chover, a azeitona já madura caiu e foram os javalis e o gado que a aproveitaram.

A madeira, depois de seca, aproveita-se para fazer cadeiras, principalmente as travessas, já que a sua rijeza é imprescindível nessa utilização.

É preciso não esquecer que as saboarias pretas de Alcoutim estavam na mão de Lancerote de Franca, almirante das galés de D. Fernando, (4) passando em 1385 por deliberação de D. João I para Afonso de Franca, filho do primeiro contemplado. (5)

No fabrico de sabão, como se sabe, uma das matérias primas é o azeite e as suas borras.

Zambujeiro deu origem a dois topónimos no concelho – Fonte Zambujo, na freguesia do Pereiro e Zambujal, na de Vaqueiros.

Para terminar, indicamos a prova “provada” da importância que a oliveira representa para o concelho:- o brasão da vila comporta “ramos de oliveira frutados de sua cor”.

O destaque heráldico da oliveira, como fruto, é significativo no contexto económico do concelho.


NOTAS
(1) “Duas descrições do Algarve no século XVI” – Cadernos da Revista de História Económica e Social, Manuel Viegas Guerreiro e Joaquim Romero Magalhães, Livraria Sé da Costa Editora, 1983.
(2) Corografia do Reino do Algarve, João Baptista da Silva Lopes, 1841.
(3) Ofício nº 32, de 19 de Março de 1888.
(4) História de Portugal, Vol. I, Joaquim Veríssimo Serrão, 1977, pág. 358.
(5) Dicionário de História de Portugal, Joel Serrão (Dir. de)