terça-feira, 10 de maio de 2011

Do trigo de semente até à farinha

Vamos abordar hoje o trabalho que o trigo dava até meados do século passado até se transformar em farinha.

Tratava-se de um trabalho exaustivo como se poderá compreender dos passos que iremos abordar.

Depois da arroteia dos matos, quando era caso disso, pelos meses de Fevereiro / Março, fazia-se o alqueive, isto é, lavrava-se a terra, nos tempos mais antigos com arado de garganta, mais tarde com charrua, puxados por muares ou asininos. Era a altura dos jantares de feijão careto.

[Antiga charrua "Tramagal" à muito desactivada. Foto JV, 2011]

A seguir, pelo mês de Abril, atalhava-se, o que significa que se voltava a lavrar mas enviesado. Seguia-se o gradar, isto é, o esterroar e aplanar com a grade.

Em fins de Setembro, antes de se semear, enregava-se (fazer os regos para escoadouro), adubava-se com estrume transportado nas golpelhas e só mais tarde com adubos químicos, chegados ao cais da vila, trazidos por barcos da CUF que iam carregar minério ao porto do Pomarão.

Do saco de linho colocado ao ombro, saía a semente espalhada de seis em seis passos pelo semeador que o fazia tecnicamente em lanços o mais parecidos possíveis.

Estes trabalhos, em casa de lavradores, eram efectuados por trabalhadores a que chamavam ganhões.

No primeiro ano semeava-se trigo, no segundo, aveia ou tremoço, ficando depois um ou dois anos de pousio, conforme as suas necessidades de recuperação.

A monda, a apanha de ervas daninhas e o desbasto da semente nascida, fazia-se por mulheres e realizava-se em Abril / Maio do ano seguinte.

No mês de Junho, quando o calor começa a apertar, era a altura da ceifa, feita por homens e mulheres.

Havia na vila oficina artesanal de foices consideradas das melhores da região e por isso mesmo muito procuradas, mesmo pelos vizinhos espanhóis de “ayuntamientos” das redondezas.

Ceifava-se a “oito redondo” ou à margem e neste caso os homens tinham a seu cargo três regos enquanto as mulheres ficavam com dois.

[Ceifando]

Cabia aos homens atar o trigo em molhos o que faziam com o próprio trigo, servindo de baraço.

Depois acarretavam-se para a eira, o que os homens faziam em bestas, com o precioso auxílio de cangalhas, armação de madeira feita de azinho e zambujeiro e de confecção local. Cada carga comportava de dez a doze molhos, dependendo do tamanho de cada um, da espécie e robustez do animal. O atar fazia-se com corda de sisal auxiliada pelo gravato

Entretanto, tinha-se de preparar a eira. O solo (chão) de barro limpava-se muito bem, varrendo-se com uma vassoura de mata-pulga, sendo depois passado com uma solução de bosta de vaca, água e cal, o que depois de seco constituía uma camada protectora, evitando assim a saída de impurezas que iriam sujar os cereais.

A debulha fazia-se com animais, excepto para o centeio que se separava da palha com malhos feitos localmente e manejados por homens.

[Um dos últimos exemplares de asininos no concelho. Foto JV, 2009]

A arreata de um dos animais atava-se ao pescoço do seguinte e assim sucessivamente, formando grupos de três ou dois animais. A arreata do primeiro de cada grupo ficava na mão do homem que assim podia orientar o trabalho

Cada vez que se enchia a eira, fazia-se uma eirada

Após a debulha, havia que separar o grão da palha, com o auxílio de uma forquilha e quando esta deixa de ter acção, com uma pá de madeira (pá de padejar), atira-se ao ar contra o vento, ficando o grão para um lado e a palha para o outra, já que esta é muito mais leve.

Chama-se a este trabalho limpar o cereal.

Depois, passava-se a semente por um arneiro (peneira com rede de malha larga) , deitava-se em sacos de linho, normalmente de três alqueires (alqueire igual a 26 litros) , que, despejados no celeiro em grandes sacos de empreita ou linho, assim se armazenava.
Para o transformar em farinha, ensacava-se novamente e os animais de carga transportavam-no ao moinho ou azenha mais próximo, em grande número espalhados pelo concelho. (1)

NOTA
( 1) - Estes trabalhos foram-nos explicados principalmente pelo nosso amigo, Sr. António Patrício, vulgo António Pedro, natural de Afonso Vicente, freguesia de Alcoutim e já falecido.