domingo, 3 de abril de 2011

O porco na economia alcouteneja

O porco é um animal precioso, todas as partes do seu corpo, mesmo as entranhas, são comestíveis. Por outro lado conserva-se bem através do sal, do fumo, até da própria gordura (banha) e presentemente pela congelação.

A sua criação era relativamente rápida consumindo os excedentes agrícolas e o aproveitamento de resíduos de toda a espécie. Hoje tão combatidas, na altura ninguém dispensava a existência das figueiras de tuna ou tuneiras que produziam o figo, importante auxílio na criação dos porcos e segundo dizem dava à carne um sabor muito agradável. No período da engorda igualmente se recorria aos produtos criados pelo agricultor, entre os quais o milho.

[Bácora no pocilgo. Foto JV, 2010]

Trigo no celeiro, um palmo de hortejo e um porco na salgadeira eram condições suficientes para que um alcoutenejo se sentisse “feliz”, sem preocupações de maior, máxima que aprendi há 40 anos em Alcoutim. Ainda eram os resquícios de uma vida hoje completamente ultrapassada com a natural evolução dos tempos.

Vou procurar agora descrever como as coisas se foram passando no decorrer dos últimos tempos.

Na “Serra”, um conflito opõe os moradores do Machial (Ameixial) à Câmara de Alcoutim, em 1757. Os oficiais desta acoimavam os ditos lavradores e seu gado por pastar no termo desta vila. (1)

Em 1838 foram apresentados à Câmara alguns requerimentos de indivíduos residentes fora deste concelho pedindo licença para que pudessem os seus “rebanhos” de porcos vir pastar a este concelho, alegando alguns terem licença de habitantes para poderem tais rebanhos cavapinhar e estragar seus matos.

A Câmara, pensando maduramente no assunto, considerou não se encontrar o menor interesse para o cofre do município e acordou negar tais licenças, não obstante estar autorizada para as conceder pela postura vigente. E para que de futuro tais licenças originassem algum lucro para o concelho, acordou em que os requerentes pagassem no acto da entrada do gado no concelho uma quantia proporcional à grandeza do rebanho e que nunca seria inferior a 12 mil réis. (2)

A Câmara Municipal, na década de trinta ou quarenta do século XIX, punha em praça as rendas para pascigo de porcos, a que concorriam gentes de Loulé, Tavira e Mértola. (3)

Nas décadas de 30 a 50 dos nossos dias era frequente a utilização do sistema de “montanheira”, isto é, os animais eram mantidos em cativeiro e na época de abundância de erva e bolota, lançados para o montado.

A partir de 50 inicia-se uma descida acelerada deste sistema acabando por ser abandonado devido à fuga de mão-de-obra para outras actividades como a caprinicultura e a ovinicultura cuja produção estava mais organizada.

[Pocilgo típico com a sua porta. Foto JV]
A criação de suínos passou para o sistema de cativeiro ficando ligada principalmente ao auto consumo da família. Não há muitos anos ainda era possível comprar alguns excedentes, como presuntos, “palaios” e chouriças.

Os alojamentos resumem-se a pocilgos feitos de pedra com um local mais abrigado, área coberta onde se lhes administra a alimentação. (4)

Hoje em dia, na maior parte dos montes já não se criam porcos, pois os campos estão completamente abandonados e as pessoas são poucas e de uma maneira geral idosas. Por outro lado a legislação actual veio criar complicações no seu abate à maneira tradicional.

Notas
(1) – O Algarve Económico, 1606/1775, Joaquim Romero Magalhães, 1987.
(2) – Acta da Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim de 5 de Agosto de 1838.
(3) – “Caminhos e Estradas são Suprema Aspiração da Gente de Vaqueiros”, Luís Cunha, Jornal do Algarve de 10 de Dezembro de 1973.
(4) – Caracterização da Produção Animal do Baixo Guadiana, Edição da C.C. da Região do Algarve, Faro, 1987.