quarta-feira, 20 de abril de 2011

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações VI





Escreve

Daniel Teixeira



ALCOUTIM A CRENÇA E A REALIDADE

Saber se Alcoutim como Concelho desaparece ou continua eis a questão.
O amigo José Varzeano na sua última introdução ao meu texto aqui publicado em número anterior (Pode ver este texto na sua versão anterior carregando aqui) tece algumas considerações sobre esse mesmo texto no seu Blogue Alcoutim Livre (Ver aqui).
Sobre essas considerações gostava de ter escrito mais e melhor mas como digo no final deste texto as coisas, todas as coisas, têm tantos desdobramentos que por vezes e por questões de economia da paciência dos leitores é melhor mantê-las em níveis de desenvolvimento que possam ser aceitáveis por essa mesma paciência dos leitores.



Pequena nota (do José Varzeano) misturada com alguns comentários meus
«Desta vez a «Pequena nota» vem no fim depois de ler atentamente as opiniões alicerçadas em estudo do Amigo Daniel Teixeira.

Ainda que ele possa ter toda a razão do Mundo continuo a pensar não por qualquer estudo que tenha feito ou consultado sobre o assunto, talvez por algum conhecimento que tenha sobre as mexidas administrativas ocorridas ao longo dos anos ou talvez por alguma sensibilidade e aqui não incluo nada de sentimentalismos.

Enquanto por cá andar, Alcoutim continua a ser o mesmo com os seus defeitos e virtudes.

Eu já não vou ver as alterações político-administrativas que um dia terão lugar.»

Será preciso ter em atenção aqui que Alcoutim será sempre Alcoutim seja ou não sede de Concelho. É evidente que existe alguma diferença (entre Freguesia e Concelho) mas teremos que relativizar também as coisas e sobretudo procurar saber se um dado título (ou nome) faz de uma terra uma coisa melhor ou pior do que aquilo que ela é.

Loulé, como Cidade, por exemplo, tem 20 anos e é sede de um dos maiores Concelhos do País e o facto de ser chamada de Vila em nada a terá afectado. Havia mesmo quem afirmasse entre os políticos locais que preferia «ter» uma Vila grande do que uma Cidade pequena.

Com uma população rondando a mesma de Faro (Capital do Distrito de Faro) é um caso bastante sue generis da alegada descentralização administrativa: tem nada menos de 11 Freguesias contra 6 de Faro e se bem me lembro uma parte substancial delas (destas Freguesias em Loulé) foi criada para contrabalançar os poderes no seio da Assembleia Municipal.

Como se sabe os Presidentes de Junta de Freguesia têm assento por inerência na Assembleia Municipal e direito igual a voto como os eleitos directamente para a mesma Assembleia Municipal.

Faro por sua vez tinha (e tem) uma Freguesia que abarcava - se estou em erro é de aproximação - quase 50% da população farense (a Freguesia da Sé) e houve bastante dificuldade em implantar nos últimos anos a Freguesia do Montenegro retirando território e população à Freguesia da Sé, ainda o Aeroporto e todas a estruturas interligadas nomeadamente os contribuintes das Rent a Car e mesmo os da zona Industrial do Montenegro.

Por sua vez a Freguesia da Sé tem um aspecto que se aproxima daquilo que tenho falado sobre a importância (e a perca dela) das ligações e afinidades administrativas obtidas por via fluvial e / ou marítima.

A ilha da Culatra, situada em plena Ria Formosa, prolonga-se para o lado esquerdo de Faro e a sua ponta esquerda fica sensivelmente em frente a Olhão. Nesse mesmo extremo situa-se a povoação da Culatra. Há a ilha e a povoação com esse mesmo nome chamando-se tanto a esta como às outras pontas de embarque / desembarque de «Ilhas» quando na verdade são apenas cais de embarque / desembarque de uma mesma ponta dunar.

Ora se a chamada «ilha do Farol», por exemplo, situada à entrada do porto de Faro não oferece dúvidas quanto à sua pertença geográfica e afinidade com a Cidade de Faro e a Freguesia da Sé dado que o cais e respectivas estruturas portuárias se situam no Bom João - de Baixo, o mesmo já não acontece com a povoação da Culatra que está em termos de afinidade e proximidade mais próxima de Olhão e do Cais de Olhão.

Uma outra ilha, a da Armona, toda ela incorporada no Concelho de Olhão divide-se no entanto por duas Freguesias (Quelfes e Fuzeta). O que pretendo dizer com esta parte é que se não houvesse a necessidade de haver divisão concelhia entre Faro e Olhão para colocação dos habitantes da Ilha da Culatra nas suas devidas afinidades de proximidade e afectivo/ familiar o «problema» estaria resolvido (talvez) através da distribuição das Freguesias.

Ora, qual é a ligação desta parte com Alcoutim e sua possível fusão com Castro Marim como digo eu ou com Vila Real de Sto António como defende o José Varzeano? É que a afinidade terrestre é duradoura enquanto que a fluvial ou marítima é sempre fluida.

Lendo-se um pouco a história da estrutura portuária em Portugal vê-se com bastante facilidade e sentido de coerência que ela se aproxima da linha da costa (e dos estuários favoráveis) ao longo dos anos (séculos mesmo) e isto seguindo em linha directa o aumento do calado dos navios que por sua vez seguia o incremento do comércio e das trocas inter - territoriais.

Neste aspecto concreto confirma-se uma situação de semelhança ainda que em sentido inverso e também em forma de espelho reflectindo: enquanto que a Mina de S. Domingos por exemplo reforçava a ligação Alcoutim / Vila Real de Sto António dada o seu poder de atracção no caso da Ilha da Culatra o desenvolvimento maior da povoação da Culatra (e deperecimento relativo do povoamento na ponta direita em frente a Faro / Freguesia da Sé) faz pender a balança administrativa da Ilha da Culatra para a Concelho de Olhão. Aliás, a Capela da Culatra tem missa ministrada por um pároco da paróquia de Olhão e neste ponto como em muitos outros é de boa e certeira política «seguir os padres».

A Vigararia de Tavira, que abrange os Concelhos que temos vindo a referir (Alcoutim, Castro Marim, Vila Real de Sto António) e Tavira ela mesma tem no seu conjunto 18 Paróquias, das quais 5 se encontram no Concelho de Alcoutim, 4 são de Castro Marim, 7 de Tavira sendo as restantes 2 de Vila Real Sto António (Concelho). Por ordem e se não tivéssemos em conta a dispersarão territorial e contássemos exclusivamente com a população, teríamos em numero de paróquias Tavira, Vila Real de Sto António, Castro Marim e Alcoutim. Se fosse dado o mesmo rácio aproximado a Tavira (que tem já Cachopo fora da zona urbana e semi - urbana) daria uma paróquia a Alcoutim, duas a Castro Marim, cinco a Vila Real de Sto António e sete a Tavira se não quiséssemos arriscar «tirar-lhe» Cachopo...

«Os políticos, desde a Reforma de Mouzinho da Silveira, têm-se limitado a um ou outro remendo aqui e ali. Poucos têm sido os concelhos criados, mesmo depois do 25 de Abril.

O que se vê constantemente é a elevação de aldeias a vilas e de vilas a cidades. Algumas eram boas vilas e transformaram-se em fracas cidades, mas o povo (algum) gosta disto e os políticos vão apoiando estas acções, ficando as importantes para trás.

E o assunto é de tal maneira que algumas cidades funcionam administrativamente como se fossem aldeias e isto não deixa de ser caricato. Não é preciso dar exemplos pois todos os conhecemos.»

Sobre este ponto o amigo Zé Varzeano faz uma observação que é importante: as reformas de Mouzinho da Silveira mantêm-se desde há sensivelmente 180 anos porque nunca se mexeu de facto na estrutura administrativa vinda da Monarquia.

Não que isto seja uma critica ou uma afirmação menos elogiosa para os monárquicos mas talvez seja a constatação simples de que as coisas, em termos administrativos, estavam relativamente bem feitas ou que as possibilidades de alteração do actual satus quo têm de partir de outras premissas.

O liberalismo, através da famosa Carta Constitucional, e neste aspecto, grosso modo, através de Mouzinho da Silveira e outros seguidores, mais não fez de substancial do que mudar o nome às coisas, de uma forma geral, distribuindo os poderes (isso sim) segundo uma óptica liberal : penso que seja exagerado dizer-se apenas que lá onde havia distribuição por Províncias e Comarcas passou a haver distribuição por Províncias, Comarcas e Concelhos mas também me parece bastante no plano geral das definições.

Apenas a meu ver a introdução dos Concelhos (não em termos territoriais porque já estavam desenhados em grosso de forma quase natural) mas em termos do exercício do poder acabou por trazer algum resultado visível muitos anos depois pois estes foram minando de baixo para cima o exercício do poder central ou delegado. O que não impede que os actuais Concelhos se agarrem aos Foros (régios) como Camões aos Lusíadas após o naufrágio.

Já num período posterior da reforma administrativa se tenta corrigir alguns exageros e se procede à extinção de um grande número de concelhos mais pequenos, sendo no seu lugar criada a freguesia como subdivisão administrativa do concelho, chefiada por um comissário de paróquia - representante do provedor do Concelho - assistido por uma junta de paróquia.

Ou seja, e para o que interessa aqui, a Freguesia aparece como alternativa à desconstrução de Concelhos e não me parece que tenha sido descoberta outra alternativa para esta agora necessidade e antes relativo erro se bem que esse erro de enquadrasse na desmontagem da estrutura de poder da monarquia absoluta.
«Eu sei que é necessário o cumprimento de vários parâmetros para a obtenção desses títulos honoríficos e certamente que Alcoutim e mais algumas sedes de concelho do pais, se fosse hoje, nunca seriam vilas, mas a verdade é que o são de pleno direito e que não vai ser fácil a algumas deixar de o ser devido a situações muito específicas que forçosamente têm de entrar em consideração, constituindo assim excepções à regra e como o povo bem diz, não há regra sem excepção.»

Neste ponto o José Varzeano toca num aspecto que já ventilei acima, a questão dos foros e do título honorífico: ora um Concelho com as respectivas estruturas é um organismo político administrativo e de acordo com a sua dimensão é tanto mais administrativo e menos político nesta linha do quanto menor for ou menor importância económica e social tiver.

Se toda a estrutura administrativa portuguesa tivesse como problema visível Alcoutim e a sua passagem ou não a Freguesia poderíamos ficar descansados porque havia margem de sobra para a manutenção da situação, mesmo que por respeito exclusivo à honra concedida (nos Forais novos de D. Manuel embora não seja referida qualquer polémica é pelo menos estranho que o Concelho de Alcoutim tenha visto atrasado de cerca de 20 anos a revalidação manuelina em relação com os outros foros do Algarve).

«Por outro lado, a aldeia de Martim Longo ainda não obteve a categoria de vila possivelmente por não possuir os parâmetros exigidos.

O que acontece é que as pequenas e pobres vilas sede de concelho espalhadas pelo país não querem perder essa condição mas em contrapartida os concelhos ricos e de áreas incomparavelmente inferiores não têm o mínimo de interesse em anexar esses concelhos onde não se cria riqueza, obrigando as novas autarquias a uma divisão dos seus rendimentos.»

É evidente que este problema se coloca mas também se coloca um outro em sentido inverso que é o do classificação das autarquias para efeitos de mandatos (com 15 mil votantes Vila Real de Sto António distribui 7 mandatos, com 6.000 votantes Castro Marim distribui 5 mandatos e com 3.000 votantes Alcoutim distribui igualmente 5 mandatos).

«Os políticos parece que começaram a mexer nas juntas de freguesia, órgãos de uma importância relativa e que não vai influir muito na vida dos cidadãos mas mesmo assim a divergência entre os grandes partidos e os pequenos já é notória.

Eu penso que quando os políticos forem obrigados e mexer na Administração, a modificação tem de ser muito acentuada e possivelmente com órgãos autárquicos de dimensões e funções diferentes das actuais, talvez próximo do que acontece em Espanha.

Continuo convicto que se o concelho de Alcoutim vier a ser extinto e isso não me choca, a anexação será a Vila Real de Santo António juntamente com Castro Marim. Não fazem os três actuais concelhos parte da mesma Comarca com sede em Vila Real?

Por outro lado, a tendência fiscal é para a concentração e a informática é uma poderosa arma que poderá resolver as mais diferentes tarefas à distância (e já resolve muitas). Quando saber informática na área da utilização significar o mesmo que significou no passado o saber ler e escrever tudo muda de figura.

Caro Daniel Teixeira é bom termos opiniões diferentes e este espaço ALCOUTIM LIVRE foi criado mesmo para isso e está aberto a quem as quiser debater, como nós fazemos.

Um abraço.

JV
Publicado por José Varzeano»
Deixo em branco algumas respostas que não são tentativas de polémica, diga-se desde logo, porque esta questão e estas questões requerem bastante mais tempo e estudo do que aquele que tenho disponível neste momento.

Quero no entanto agradecer ao José Varzeano a possibilidade que me traz de fazer algumas dissertações, algumas não muito fundamentadas com documentação de apoio e praticamente referidas de cabeça com acertos de confirmação nalguns pontos, mas como já devo ter referido a minha ligação a Alcoutim e mais concretamente ao «meu» Monte de Alcaria Alta tem estado sempre presente de várias formas.
Na verdade Alcaria Alta sentia-se, na minha opinião, mais próxima de Martinlongo não só pela mais curta distância que separava o Monte e a Aldeia mas também pelo facto de os meios de transporte colectivos utilizados estarem estacionados em Martinlongo e não me parece que essa situação se tenha alterado no plano dos sentimentos senão pelo facto de não haver em Alcaria Alta já gente.

Isto para dizer que realmente as questões são polémicas e com valores quase ancestrais entranhados e que mexer no tecido administrativo do país é trabalho que se torna complicado: o próprio Marcelo Caetano, que tinha incluído sumariamente o Algarve na Região Sul foi forçado a dar a «independência» ao Algarve...

Nota Final

Em várias “postagens” aqui apresentadas ficaram expressos pontos de vista diferentes sobre uma temática que oferece alguma dificuldade de abordagem.
Certamente que os nossos leitores fizeram as suas análises com concordâncias e discordâncias não forçosamente de um só “opinador” pois podem defender alguns aspectos que um defende e outros defendidos pelo outro.
Podiam ter aparecido aqui outros pontos de vista, mas tal não aconteceu.
Um amigo que conhece Alcoutim superficialmente opinou que o assunto teria de ser equacionado tecnicamente através de uma Universidade bem colocada na área e este sim, daria a solução mais adequada.
Sem rejeitar, antes pelo contrário, estudos nesse sentido, a decisão tem de ser “fatalmente” política. Nunca os políticos “abririam mão” de tal resolução, já que lhes pertence, em última instância, tal decisão.

Mais uma vez o meu abraço de agradecimento ao amigo e colaborador, Daniel Teixeira.


JV