segunda-feira, 14 de março de 2011

Crónicas e Ficções Soltas - Alcoutim - Recordações - IV

Pequena nota
Aqui estamos mais uma vez para escrever nota introdutória a RECORDAÇÕES – IV do nosso colaborador Daniel Teixeira.
Mais tarde ou mais cedo os políticos terão de se debruçar sobre a divisão administrativa do país e ajustá-la à nova realidade.
A existência dos concelhos em tempos recuados tinha muitas vezes a ver com a importância político-económica dos Senhores da Terra e não com a importância da mesma.
Os liberais, em 1836 (Decreto de 6 de Novembro) extinguiram 458 concelhos, ficando apenas 373 e é essa a estrutura administrativa que se mantém com os naturais ajustamentos mas distante da realidade actual.
Que seja do nosso conhecimento o concelho de Alcoutim desde que foi criado só foi extinto uma vez e por um pequeníssimo período de um ou dois meses (estamos escrevendo de memória) tendo sido anexado ao de Vila Real de Santo António para onde chegou a ser levada a documentação da Câmara. Nesta altura houve uma tentativa para criar um novo concelho com sede em Martim Longo e que além de todo o concelho de Alcoutim incluiria as freguesias de Cachopo e do Ameixial interessadas em tal, mas que não resultou.
Extinto também por pouco tempo o concelho de Castro Marim, a freguesia de Odeleite foi englobada no de Alcoutim, acabando por voltar à sua posição inicial.
Recentes notícias falam numa redução de freguesias do concelho de Lisboa com um acordo dos dois maiores Partidos Políticos, mas a nível de concelhos a matéria continua a ser tabu, ou por outra, todos dizem que é necessário fazê-lo, mas a verdade é que ninguém toma a iniciativa. Os políticos têm medo das reacções das populações.

Permita-me o Daniel Teixeira não estarmos de acordo com a previsão da anexação do concelho de Alcoutim ao de Castro Marim e isto sem menosprezo para aquela velha Vila e sem qualquer ponta de bairrismo.
Todos sabemos que Castro Marim está a dois passos de Vila Real de Santo António e muitos consideram-na como se fosse mais uma das suas freguesias!
A vila é praticamente um dormitório da nova cidade dependendo muito desta. Parece que os vizinhos espanhóis também a têm ultimamente procurado nessa perspectiva de dormitório. Reparar que, segundo pensamos, é a única sede de concelho do país que não tem uma corporação de bombeiros! A de Vila Real presta-lhe o serviço de que necessita.

Sabemos que ultimamente gente que trabalha na vila de Alcoutim prefere comprar casa em Vila Real do que naquela vila, deslocando-se diariamente ao seu posto de trabalho. É normal, cada qual procura os seus interesses.

A situação geográfica de Alcoutim, a meio caminho entre Mértola e Vila Real de Santo António, coloca-a quanto a esse aspecto, numa posição com algum interesse, apesar de se encontrar numa linha extrema do concelho o que deixa povoações de si “dependentes” a distâncias consideráveis.

Pensamos que a posição geográfica de Alcoutim é a mais “turística” das redondezas e todos os dias recebe, talvez não da melhor maneira, vários visitantes nacionais e estrangeiros.

Há mais de 40 anos que ouvimos dizer que Alcoutim está destinado a ser um couto cinegético, mas custa-nos a acreditar nisso.

O 2º ponto a abordar é o da 1ª Guerra Mundial.

Graças ao Daniel Teixeira ficámosi a” conhecer” mais alguns alcoutenejos participantes. O que sabemos é quase tudo por via oral e ainda que tivéssemos pensado reunir elementos sobre o assunto, tal não nos foi possível e agora já é tarde.
Ao homenagearem-se recentemente os alcoutenenses mortos nesse flagelo, pensamos que teria sido uma boa altura para fazer um trabalho o mais completo possível sobre o assunto e referente ao concelho de Alcoutim. Esperamos que alguém o venha a fazer.

Para terminar não podemos deixar de agradecer as considerações que o Amigo Daniel Teixeira teve a amabilidade de fazer sobre o nosso trabalho.

Um abraço do,


JV








Escreve

Daniel Teixeira


GENTE DE ALCARIA ALTA NA 1ª GURRA MUNDIAL




Introdução minha

Em primeiro lugar gostaria de referir que este texto tem por introdução a introdução do amigo José Varzeano, titular do Blogue Alcoutim Livre e pessoa pela qual nunca deixarei de demonstrar a minha admiração e reconhecimento.
Admiração em dois sentidos referidos por agora:

1- Pelo facto de ser a pessoa que é e de ter os interesses e os trabalhos que tem tanto publicados no Blogue como em edições físicas - uma visita ao Blogue Alcoutim Livre será bem esclarecedora e sobretudo também muito útil nestes dois planos do conhecimento do escrito em «virtual» como do escrito em «não - virtual»

2- Pelo facto de eu ter partido para esta «luta» com um convencimento quase inabalável na altura de que o trabalho do amigo José Varzeano era um trabalho inglório no sentido dos resultados para o Concelho de Alcoutim embora pudesse ser gratificante em termos de ocupação nobre do tempo disponível e até com alguma «pena», não a pena piedade, esclareço, mas a pena por aquilo que considerava ser uma perca de tempo porque o Concelho de Alcoutim não tinha (e não tem a meu ver ainda) condições para se manter de pé como Concelho e que seria / será englobado mais tarde ou mais cedo no Concelho mais vizinho, a sul, o de Castro Marim.

Aconteça o que acontecer as memórias de Alcoutim que o José Varzeano vai compilando farão sempre viver o Concelho de Alcoutim mesmo que ele seja (ou fosse, um dia) objecto de um englobamento, pelo que em qualquer dos casos o trabalho do José Varzeano nunca será o de um tempo perdido nem um trabalho desperdiçado. Daí também a minha admiração.

Como eu sempre tenho dito o José Varzeano através do seu Blogue e dos seus textos tem o condão de me espevitar recordações, algumas delas quase propositadamente esquecidas conforme já referi em textos anteriores. De facto recuso-me - disse e digo - a reconhecer naquele Concelho e naquele Monte de Alcaria Alta tal como ele está o mesmo que eu conheci nos meus tempos de infância e juventude e isto não tem nada a ver com políticas recentes nem com outras coisas às quais normalmente se atribui a culpa.

A desruralização do país versus industrialização / serviços era inevitável e lutar contra
isso ou de forma a equilibrar tanto quanto possível os pratos da balança através de compensações diluidoras do desenvolvimento dos processos tem sido reconhecido como sendo impossível.

Mesmo os programas e as instituições de desenvolvimento local têm facilidade em reconhecer que não podem vencer problemas estruturais com meios locais: o êxodo das populações, o envelhecimento acelerado da pirâmide etária dos que vão ficando sem que haja renovação, a impossibilidade de criação de estruturas de desenvolvimento económico localizadas suficientemente credíveis em termos de futuro que fomentem reforços populacionais, tudo isso não pode acontecer e enfim...sobre isto há literatura bastante que satisfaça os mais exigentes em matéria probatória.

Não precisava mesmo era de ser assim no Concelho de Alcoutim e noutros em situação quase semelhante: possuidor de uma agricultura praticamente de sobrevivência, vitima também em parte do sistema de divisão de propriedade por herança espartilhando por muitos filhos aquilo que nuns casos quase e noutros nem dera já mesmo para os criar, o que Orlando Ribeiro e outros geógrafos e sociólogos apontavam desde praticamente os inícios do Sec. XX era, pois, mesmo inevitável. Medidas para alterar estas situações não há nem havia.

Alterando um pouco o tema e sem querer aborrecer os leitores gostaria de dizer que eu, enquanto Director (Interino) do Jornal Raizonline fui despertado indirectamente para o José Varzeano...pelos nossos amigos brasileiros e directamente pelo facto de ele centrar o seu trabalho no Concelho / Região de que guardo boas memórias.

Esclarecendo esta parte; quando refiro os nossos amigos brasileiros é preciso fazer notar um pouco da forma como nasceu o Raizonline: fomos recebendo trabalhos de colaboradores nas mais diversas vertentes e temos desde sempre feito a gerência dos processos em termos de distribuição temática: por outras palavras aplicadas a este caso não fomentámos o aparecimento de qualquer modalidade da escrita em especial e verificámos que recebíamos do Brasil muitos trabalhos de crónicas memória/biográficas.

Achámos, e continuamos a achar, esquisito que de Portugal nada ou muito pouco aparecesse com estas características temáticas. Explicações para isso provavelmente há mas eu não as tenho. São diversos os brasileiros que escrevem sobre o seu passado, tenho ele sido urbano ou rural ou mesclado: portugueses poucos ou nenhuns mesmo...porquê?!

Ora quando o José Varzeano me apareceu numa das minhas visitas/viagem pela Net pensei juntar o agradável ao agradável e sugeri-lhe a «sociedade» que mantemos até hoje entre os nossos dois meios de divulgação: O Alcoutim Livre e o Raizonline (na altura só Jornal). O resto do tema segue depois...e vamos à introdução do José Varzeano ao meu texto Recordações III aqui publicado e no seu Blogue.

Quarta-feira, 2 de Março de 2011 em Alcoutim Livre



Alcoutim - Recordações III

Pequena nota

Temos hoje o prazer de apresentar Alcoutim – Recordações III do nosso colaborador Daniel Teixeira, Director do Jornal Raizonline, cujo portal apresenta o nosso blogue Alcoutim Livre e que de quinze em quinze dias publica numa das suas páginas um dos nossos textos, que já têm, como se pode verificar, um grupo certo de visitantes.

Estas Recordações de Daniel Teixeira têm um sabor especial, pois no presente só esporadicamente contacta com a região de onde provêm algumas das suas raízes.

Apesar das circunstâncias da vida terem originado tal mudança, nunca lhe tiraram o interesse pela terra de sua mãe e dos avós maternos, foi esse interesse que o trouxe até nós, proporcionando esta troca de experiências muitas vezes levadas à escrita e ao seu repartir por esse Mundo fora.

Não nos queremos alongar em considerações mas temos de escrever isto para possibilitar uma melhor análise e avaliação dos nossos leitores.

Comentando o texto só temos a agradecer o suprimento da nossa falta legendando as fotos no artigo que publicámos sobre o monte de sua mãe, Alcaria Alta. Amigo Daniel Teixeira, quando fizemos as fotografias que apresentamos, estivemos cerca de 45 minutos na povoação e não conseguimos ver ninguém! Já lá vão os tempos em que aquilo fervilhava de gente!

Quando tirámos a fotografia à casa do nosso saudoso amigo, João Baltazar Guerreiro, não conhecíamos essa circunstância, que só viemos a saber por intermédio da neta. Tirámos a fotografia porque nos pareceu uma reconstrução equilibrada e não como outras que por lá existem.

Gostamos de ligar a tradição oral ao que lemos em livros e papéis mas isso nem sempre é possível.

Quanto ao sargento Gabriel Neto, não o conhecemos mas podemos informá-lo que pertenceu à extinta Guarda – Fiscal. Era natural do Monte do Vascão, freguesia de Alcoutim e foi prisioneiro na Guerra Mundial 1914/18. A família julgou-o morto.

Para lhe exercitar a memória e ilustrar o seu texto, permita-nos que nele introduzamos duas fotografias. Uma retrata o acesso ao monte, a outra, que considero interessante além de ser demonstrativa da decadência, põe a nu o tipo de construção que se utilizava e a existência das «pilheiras» que evitavam os móveis difíceis de adquirir.

Obrigado pelo testemunho.

JV



Pois bem, este manancial de recordações que as informações que trocamos por esta via escrita (seja no Blogue Alcoutim Livre seja aqui) tem uma importância e uma validade interessante a cuja convergência temporal e temática é difícil fugir...ainda neste número temos colocado um conto da Arlete Piedade baseado em factos reais em que duas pessoas amigas se encontram por via de correspondência trocada entre familiares tendo vivido durante vários anos praticamente lado a lado em Angola...ora a José Varzeano era amigo do João Baltazar em Alcoutim fotografou-lhe a casa no Monte de Alcaria Alta e 4 anos depois é que veio a saber que essa era a casa natal do seu falecido amigo por informações de uma familiar do João Baltazar.

Pois eu não sabia, e disse no meu texto que só conhecia o Sargento Gabriel pelas razões que apontei e que não sabia de quê ele era Sargento - era da Guarda Fiscal: o José Varzeano vem - me dizer o nome completo do Sargento Gabriel e a sua «arma» e acrescenta um outro ponto que me desperta para uma outra situação pelo menos esquisita num Monte com cerca de meia centena de homens na altura (penso eu).

O referido sargento Gabriel terá sido dado como falecido na 1ª Guerra Mundial tendo estado prisioneiro dos alemães (na altura). Ora embora ele não fosse exactamente de Alcaria Alta, era do Monte do Vascão, foi lá ter, casando. Conforme eu disse talvez não houvessem 50 homens em Alcaria Alta e com este sargento Gabriel são três ou 4 os naturais do Monte de Alcaria Alta que estiveram no contingente português na 1ª Guerra Mundial: O pai do João Baltazar, um tio avô meu - casado com uma irmã da minha avó - que não garanto ter lá estado e já explico porquê e o Ti Mocho esse residente mesmo em Alcaria Alta.

O meu tio avô foi o marido da minha Tia Assunção (irmã da minha avó) , uma velhota resistente até perto dos 90 anos que era já viúva de um senhor que eu não conheci por já ter falecido mas que aparecia lá na casa dela numa foto em que estava fardado. Seria normal também se ele tivesse sido Guarda Republicano ou outra coisa mas pela minha memória aquela farda era do exército. No entanto não estou certo...podia perguntar, é um facto, mas estou quase certo disto talvez por alguma ou algumas palavras que a minha mente tenha arquivado sem eu agora saber quando nem onde.
Normalmente não se falava muito nos familiares falecidos, não sei pelo facto de nós sermos ainda crianças, se porque era mesmo assim. Uma outra tia avó minha era já viúva também mas nunca, que eu me lembre, me foi referido o seu falecido marido. Bem...avançando...

O pai do João Baltazar vim a saber dele como tendo estado na 1ª Guerra Mundial muito recentemente, através da sua neta: informei-a que por aquilo que minha mãe me dizia o tio dela chamava-se Vanderdil porque era uma aglutinação de um nome holandês (neste caso flamengo da Flandres Francesa - Van der Dill) e ela mostrou-se muito admirada porque realmente a avó dela dizia-lhe que ele tinha aquele nome porque o pai tinha tido um amigo na guerra com aquele nome ou parecido e que a isso se devia a originalidade do nome próprio. De esclarecer que a Flandres Francesa a norte foi o ponto de concentração e distribuição das tropas portuguesas pela França em guerra.

Ainda conheci o Vanderdil, com doença cardíaca que o levou ao falecimento, pelo facto de sermos vizinhos mas também porque levava muito tempo sentado numa laje enorme, meio inclinada, que permitia que ficássemos meio sentados meio deitados e isto acontecia (a sua permanência mais constante naquele lugar) porque segundo a minha mãe ele ali tinha menor dificuldade em respirar. Para a frente o espaço era aberto, com uma paisagem quase plana mas bem arborizada e verde e realmente sabia bem estar ali a olhar e ler, no meu caso.

Essa laje, situada à direita da azinhaga do Lagar e à frente de um palheiro pertença da Dona Maria e familiares era também um poiso tranquilo para o pessoal conversar e chegavam a juntar-se ali várias pessoas cavaqueando. Como a conversa por vezes metia lendas de mouras encantadas ou histórias com algum sabor a aventura havia sempre um ou mais jovens na escuta (talvez uma dezena no Monte todo - os jovens).

O Ti Mocho (o terceiro confirmado veterano da 1ª Guerra) chamava-se mesmo Mocho de nome: os netos dele é que não gostavam nada de ser chamados de «mochinhos» e isso dava origem a algumas disputas entre nós. Um deles vim a saber que viveu bastante tempo perto de mim, que tinha um café/snack bar (ainda lá fui algumas vezes sem ligar a pessoa ao nome) e teve um fim trágico aqui há anos.

O Ti Mocho em si era um homem normal em quase tudo excepto no facto de ter a certeza já nos anos 70/80 e 55/45 anos depois da guerra sensivelmente, que ainda conseguia ir ter ao local exacto onde tinha estado numa trincheira durante o período que achava ter sido o mais difícil da sua estadia na guerra, e em cuja proximidade tinha encontrado uma isolada couve plantada que comera crua.

Pois bem, uma destas recordações pode não corresponder à realidade - caso do meu tio avô ter estado ou não na 1ª Guerra Mundial - mas não deixa de ser pelo menos estranho que proporcionalmente Alcaria Alta (que conforme disse não deveria ter mais de 50 homens no total entre diversas faixas etárias) tivesse contribuído de uma forma aparentemente desproporcionada para o chamado «esforço» de guerra embora se deva ter em conta também que nesta Guerra entraram 200 mil homens de nacionalidade portuguesa. Durante a guerra colonial, que envolveu um total de 1.400.000 homens mobilizados apenas tenho conhecimento de um mobilizado em Alcaria Alta, o Juanito Vilão, que lá faleceu.