quarta-feira, 2 de março de 2011

Alcoutim - Recordações III

Pequena nota
Temos hoje o prazer de apresentar Alcoutim – Recordações III do nosso colaborador Daniel Teixeira, Director do Jornal Raizonline, cujo portal apresenta o nosso blogue Alcoutim Livre e que de quinze em quinze dias publica numa das suas páginas um dos nossos textos, que já têm, como se pode verificar, um grupo certo de visitantes.

Estas Recordações de Daniel Teixeira têm um sabor especial, pois no presente só esporadicamente contacta com a região de onde provêm algumas das suas raízes.

Apesar das circunstâncias da vida terem originado tal mudança, nunca lhe tiraram o interesse pela terra de sua mãe e dos avós maternos, foi esse interesse que o trouxe até nós, proporcionando esta troca de experiências muitas vezes levadas à escrita e ao seu repartir por esse Mundo fora.

Não nos queremos alongar em considerações mas temos de escrever isto para possibilitar uma melhor análise e avaliação dos nossos leitores.

Comentando o texto só temos a agradecer o suprimento da nossa falta legendando as fotos no artigo que publicámos sobre o monte de sua mãe, Alcaria Alta. Amigo Daniel Teixeira, quando fizemos as fotografias que apresentamos, estivemos cerca de 45 minutos na povoação e não conseguimos ver ninguém! Já lá vão os tempos em que aquilo fervilhava de gente!

Quando tirámos a fotografia à casa do nosso saudoso amigo, João Baltazar Guerreiro, não conhecíamos essa circunstância, que só viemos a saber por intermédio da neta. Tirámos a fotografia porque nos pareceu uma reconstrução equilibrada e não como outras que por lá existem.

Gostamos de ligar a tradição oral ao que lemos em livros e papéis mas isso nem sempre é possível.

Quanto ao sargento Gabriel Neto, não o conhecemos mas podemos informá-lo que pertenceu à extinta Guarda Fiscal. Era natural do Monte do Vascão, freguesia de Alcoutim e foi prisioneiro na Guerra Mundial 1914/18. A família julgou-o morto.

Para lhe exercitar a memória e ilustrar o seu texto, permita-nos que nele introduzamos duas fotografias. Uma retrata o acesso ao monte, a outra, que considero interessante além de ser demonstrativa da decadência, põe a nu o tipo de construção que se utilizava e a existência das “pilheiras” que evitavam os móveis difíceis de adquirir.

Obrigado pelo testemunho.


JV






Escreve

Daniel Teixeira




Desta vez tenho de apresentar as minhas desculpas ao amigo José Varzeano por estar a retirar-lhe a integralidade da página / tema (os seus trabalhos espevitam-me a memória como já disse) e também pelo facto de ter comentado / legendado algumas das suas fotos - que vinham sem referência / legenda).

(ver texto do José Varzeano aqui)

Quanto às fotos levei uma enormidade de tempo para conseguir destrinçar uma que ele refere como sendo a casa de um lavrador e que infelizmente não consegui recuperar (dado o formato técnico) senão da forma que vai abaixo (redução e depois ampliação) o que lhe retira muita qualidade mas para o efeito serve: trata-se, a meu ver, da casa que foi dos Lavradores Tomás e que actualmente é pertença do senhor Zézinho Martins; sobrinho desta família e que foi quem ficou a tomar conta das propriedades no Monte uma vez que a sua naturalidade é do Monte do Laborato na Freguesia de Martinlongo.
Havia uma relação desta família Tomás com o Monte do Laborato e provavelmente não só e foi num poço seu (perto da entrada do Monte, junto à Eira Grande do Lavrador João Vilão Teixeira) que o José Varzeano refere assim:

«Assim, em 1933, é concedido pelo Estado, um subsídio para a abertura de um poço, (10) mas não se conseguem arranjar homens a menos de 130$00 por metro de profundidade, apesar da Câmara fornecer dinamite e fulminantes. Devido à muita necessidade do mesmo foi autorizado pagar mais 10$00 por metro, sendo encarregado de fiscalizar os trabalhos a efectuar o proprietário local, Manuel Tomás Lourenço. A abertura do poço veio a custar a quantia de 1.540$00.» que se terá processado esta operação de aprofundamento do poço com as peripécias pelo José Varzeano relatadas. Não vejo outra possibilidade uma vez que os outros poços que conheci, para abastecimento comum, eram mesmo comuns ou pelo menos situados em terrenos neutros ou baldios. Aquele sobressaía de uma cerca pertença dos «Tomáses» por acaso confinante a Poente com a Eira Grande dos seus rivais lavradores da família Vilão que tinham igualmente relação familiar com os Vilão de Giões.

[A casa de lavrador identificada por Daniel Teixeira]

Era o único poço em terreno relativamente plano mas situado «nas costas» do Monte pelo que a sua utilização era reduzida e limitada aos habitantes vizinhos (zonas da Praça e proximidade da Portela dos Giões). Lembro-me que o «nosso» poço (quer dizer aquele que usávamos) e que no trabalho do José Varzeano eu legendo como sendo o «poço de cima», estava a cerca de 150 metros ou mais abaixo e tinha uma ladeira serpenteada devido à inclinação. Era verdadeiramente difícil de subir carregados de baldes (normalmente dois), as mulheres por vezes com três (+ um à cabeça).

As bestas também não pareciam gostar de fazer o serviço carregando cântaros de zinco: para os burros dois, atados entre si com cordas, mulas e cavalos quatro em armações (cangalhas específicas) cujo nome me não recordo. Os burros, os animais mais espertos que conheci, assim que nos apanhavam distraídos subindo a ladeira à sua frente estacavam na melhor e só arrancavam de novo quando descíamos de novo e os íamos buscar pela arreata.

Ora, e regressando à Casa do Lavrador que o José Varzeano retrata, há bastantes alterações em relação àquilo de que me lembro (nomeadamente a palmeira à direita) e inclusive os muros exteriores da casa estão mais subidos e nem parece que fossem daquela forma compacta: era - e ainda é em certo sentido - uma casa bem bonita, com muros de tijolo com aberturas verticais.

Na sua ponta direita de quem a vê tal como está na foto era a casa da Dona Maria, tia do Zézinho Martins, casada e depois viúva de um sargento (nunca soube de quê - GNR ou Exército) chamado de Gabriel e que veio a falecer (ele e muitos anos mais tarde ela) sem deixarem filhos. Daí a justificação para a transferência de responsabilidades sobre as propriedades para o sobrinho José Martins do Laborato (como foi durante muito tempo conhecido até que foi «adoptado» pelo povo e «teve» direito a ser chamado de Zézinho Martins.) O diminutivo era mais um «posto» do que propriamente uma afirmação de familiaridade.



Alguns não se prestavam ao diminutivo: o Senhor João Vilão era casado com a Senhora Antonica - (de Antónia) pais de Antonico, Joãozinho, Zézinho e Manelinho que também usavam (os Manuel) o diminutivo de Blé. Mais distante e frequentador do Monte apenas em tempo de passagem de rolas havia o Blé (Manuel) Tomás, primo do actualmente Zézinho Martins, ele também do Laborato, que curiosamente sempre foi chamado de Blé apesar de não ter qualquer relação com o Monte mas sempre mais presente em jovem dado que o seu pai era o senhor João Tomás (frequentemente residente no Monte), filho do já falecido Manuel Tomás Lourenço - o do poço atrás referido - e irmão da Dona Maria (era mesmo assim, Dona por extenso).

Esta proximidade entre irmãos deve-se quanto a mim ao facto da Dona Maria ter primeiro o marido doente bastante tempo e posteriormente enviuvado e de haver necessidade de ter um homem na gerência de alguns assuntos embora a Dona Maria fosse na minha opinião uma excelente «mulher de armas» e isto enquanto não foi assumida a solução da entrega da gerência e herança ao sobrinho Zézinho Martins.



Ora e para não alongar estas coisas que são apenas curiosidades locais e que em grande parte não interessam já nem mesmo aos locais a Dona Maria era pessoa de visita obrigatória por respeito tanto à nossa chegada como à nossa partida e se bem me lembro ainda visitei o Sargento Gabriel já acamado num dos seus últimos anos de vida. Curiosamente tinha uma mobília de quarto precisamente igual à da minha mãe e do meu pai, havendo só entre ambos uma diferença abissal de posses.

Ora e para finalizar mesmo, eu como toda a gente, penso eu, tenho recordações diferidas por ouvir contar ou por ouvir falar e lembro-me que na altura do 25 de Abril o senhor Zézinho Martins (em princípio e de certo um lavrador rico) foi eleito como representante do povo de Alcaria Alta: poderia ver-se esta questão em vários planos, incluindo alguns resquícios de relacionamento feudal, mas não me lembro de alguma vez ter ouvido falar de qualquer confronto entre pessoas de posses diversas por questões de posse. Era assim e não me parece que alguém quisesse que fosse de outra forma...