domingo, 6 de fevereiro de 2011

Jantar de grão ou de feijão



Esta recente rubrica criada por sugestão de um dos colaboradores, como já verificaram, não tem o intuito de apresentar receitas como normalmente acontece. Pretende chamar a atenção para alguns pratos característicos do concelho de Alcoutim e que por vezes aparecem indicados, quanto a nós, com adulterações que desvirtuam o que é original.

Este prato, que consideramos dos melhores do concelho, desde que seja confeccionado com produtos locais, o que hoje se torna muito difícil, começa logo por nos oferecer alguma controvérsia quanto à sua designação.

Apresentamo-lo como “jantar” e não como “cozido” ainda que efectivamente se trate de um cozido.

Jantar em vez de cozido porquê?

Foi assim que o conhecemos e observámos que era um jantar ao almoço.

Só mais tarde viemos a perceber porque assim era.

O número de refeições e a sua designação não tem sido constante ao longo dos tempos e nos sítios mais rurais, ainda há alguns anos, se falava na ceia.

Na Idade Média havia duas refeições diárias, o jantar por volta das 10/11 horas, de uma maneira geral a refeição mais substancial e a ceia por volta das 19/20 horas (um intervalo de cerca de oito horas). Com o rodar dos tempos e o desenvolvimento das actividades, foram aparecendo outras refeições, mata-bicho, pequeno almoço, merenda, merendinha e o jantar começou a ter lugar mais tarde, passando de jantar para almoço e a ceia perdeu essa designação passando a chamar-se jantar.

De uma maneira simplista foi assim que as coisas se passaram e estará aqui encontrada a designação de JANTAR, já que este prato se destinava principalmente a essa refeição e não à CEIA.

Quanto mais isolados fossem os locais e isso acontecia com Alcoutim, mais genuínos se tornavam os pratos, pois tinham de ser confeccionados com aquilo que se ia produzindo e não com o que vinha de fora, de difícil acesso e onde o dinheiro não abundava para a sua aquisição. Ainda no primeiro quartel do século passado o peixe do mar que vinha pelo Guadiana acima trazido por gente do litoral algarvio era muitas vezes comerciado no sistema de troca, trocam-se sardinhas por ovos ou pelanganas de barro por trigo.

Fica assim explicado porque preferimos “Jantar” a “Cozido”.

Dando uma volta por livros de culinária e pela Internet, encontrámos de tudo com mais ou menos razão.

É evidente que o prato que se pratica em todo o Sul do país, apresenta naturalmente diferenças, algumas bem acentuadas.

O que pretendemos aqui referir é o JANTAR de GRÃO ou de FEIJÃO que consideramos genuíno do concelho de Alcoutim. Um Jantar completo não podia ter lugar em qualquer época do ano já que os produtos não existiam.

Para nós, o que mais caracteriza um jantar de grão ou de feijão, além deste legume seco, é a indispensável abóbora de casca e não frade, as beldroegas, a vagem (feijão verde), a batata (batata doce já que a outra é a batata redonda) e o toque final dado pelo vinagre de vinho, sem o qual o cozido não tem significado, rematando com o ramo de hortelã.

O grão ou feijão, depois de demolhado, era cozido então numa panela de barro e ao fogo de lenha (normalmente esteva), o que hoje se faz numa panela de pressão, com chouriça preta, linguiça, um osso salgado de porco, toucinho entremeado ou da faceira, orelha ou pé (como aqui dizem) de porco, não ficando mal juntar um pouco de galinha, na altura sempre do campo ou carneiro.

Estas quantidades tinham de ser bem doseadas pois a salgadeira tinha de dar para o ano e afinal se o prato tiver carne demais perde valor, pois as carnes funcionam mais como tempero.

É conveniente que as carnes fiquem bem cozidas, tal como o grão e que haja molho com alguma abundância onde se cozem a abóbora de casca (é mesmo cozida com a casca), as beldroegas, a batata-doce, a batata redonda e a vagem.

Entretanto, cortaram-se fatias finas de pão tipo caseiro que se colocaram num recipiente alto em cima do qual se colocou um ramo de hortelã.

O caldo bem quente e consistente é deitado sobre o pão que o vai absorvendo.

Tanto a carne de vaca, arroz ou qualquer outro enchido não se justifica nos jantares de grão ou de feijão no concelho de Alcoutim, segundo a nossa modesta opinião.

A qualidade do jantar depende de produtos regionais sendo a abóbora de casca fundamental.

N.B. Os pratos que se apresentam não estão completos e o jantar foi confeccionado em Maio de 2009, no concelho de Alcoutim por D. Claudina Colaço Costa de 80 anos.