segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Legião Portuguesa e Mocidade Portuguesa





Escreve

Gaspar Santos




A Legião Portuguesa em Alcoutim “sentiu-se” mais do que se viu. E, segundo penso, nem se chegou a institucionalizar. Sentiu-se através da arrogância dos seus “membros” e do receio que infundiam nos outros. Não andavam fardados, não faziam exercícios com armas, nem faziam marchas nem formaturas. Suponho até, que nem eram inscritos na instituição. Eram apenas simpatizantes. Se um ou outro se inscreveu foi na organização de outro concelho. Sentiam-se no final dos anos 30 e início dos anos 40 do Século passado, durante os tempos da Guerra Civil de Espanha e da II Guerra Mundial, podendo considerar-se dois períodos da sua aparente actividade.

No primeiro período até pouco depois do começo da II Guerra Mundial, revelavam alguma ideologia nazi ou simplesmente seguiam o chefe de quem tinham admiração, respeito ou medo. Este - confessadamente nazi – ouvia as emissões da Rádio Berlim, distribuía propaganda de guerra alemã e lia a correspondência destinada a alcoutenejos republicanos antes dos seus destinatários. Era Chefe da Secretaria da Câmara Municipal, Gerente da Delegação da Federação dos Trigos e, revelou-se mais tarde, Agente da PIDE. Na sequência das falcatruas que fez na Federação dos Trigos que o levaram a sentar-se no banco dos réus e embora conseguisse absolvição, o tenente Victor Manuel da Costa expulsou-o da Câmara Municipal e até do concelho. A legião ficou órfã, mas infundiu ainda algum receio até ao fim da guerra.

No segundo período, após o fim da II Guerra Mundial, algumas pessoas eram as mesmas, mas sem o chefe e com a derrota do nazismo a sua auto estima ficou reduzida. O recrutamento a partir de então fez-se entre jovens desempregados que almejavam ter acesso a funções públicas, ficando, no entanto, vinculados pela inscrição a outra localidade do Algarve. Em Alcoutim, como disse, nunca tivemosnotícia da sua institucionalização.

Pelo contrário, a Mocidade Portuguesa, de que fiz parte, teve o seu início em Alcoutim cerca de 1941, mostrava-se, alguns andávamos fardados quando aos sábados de manhã fazíamos exercícios de instrução militar.

[Rua Prof. Trindade e Lima. Foto JV]
Mais tarde cerca de 1943 tivemos uma casa da mocidade. Lá tínhamos jogos e desportos de salão e convivíamos. Foi lá que muitos de nós aprendemos a jogar pingue-pongue e um outro jogo do tipo “bilhar” a que chamávamos laranjinha. Essa casa pertencia ao brigadeiro Manuel Domingos e ainda hoje existe a meio da Rua Prof. Trindade e Lima. Quem tinha a chave e o encargo de zelar pela casa era o Manuel Veríssimo, filho do mestre João Ricardo, que mais tarde tirou o curso de Comandante de Castelo da M. P. e passou a instrutor.

Os treinos de instrução militar tinham lugar na esplanada do castelo e, uma vez por outra no campo de futebol da Fonte Primeira. No início foram ministrados por Rafael Madeira, um primeiro-cabo da tropa então recentemente desmobilizado, a quem deram um pequeno emprego (bem desempenhado aliás) até ele se empregar nas Finanças no Distrito de Beja como fiscal de impostos. Este homem, que mais tarde foi árbitro de futebol nas Distritais de Beja e Faro, gostava da participação em actividades físicas e gostava de se ver e ouvir em posições de comando. A dar instrução militar aos miúdos era um espectáculo. Ele mandava: “pela direita perfilar” e depois ia verificar o alinhamento, todo empertigado e cheio de si. Era bom homem mas sempre que apitava um jogo de futebol em que entrassem os de Alcoutim ele nos prejudicava sempre…para não ser acusado de parcialidade.

Recordo um jogo com Sanlúcar, em que mais uma vez ele prejudicou Alcoutim. Mesmo assim, a primeira parte correu mal a Sanlúcar. Então no começo da segunda parte, o padre de Sanlúrcar de sotaina vestida e apito na boca entrou em campo com a equipa de que era treinador, com o propósito de substituir o juiz da partida. Ao ver isso, Rafael Madeira que na primeira parte tinha apitado, cresceu junto ao centro do terreno e apitou ininterruptamente, apontando o caminho da rua ao padre, até que este saiu. Tranquilamente, a seguir, deu recomeço à partida, sendo muito aplaudido.

Quando a Mocidade Portuguesa acabou em Alcoutim e encerrou aquela casa, a juventude desse tempo ficou sem local de convívio. Uma razão mais que pesou na iniciativa dos jovens para criarem em 1948 o Grupo Desportivo de Alcoutim e na realização das primeiras Festas que são hoje, como dizem os jornais regionais, as mais antigas do Algarve. Penso que depois, algumas peças do mobiliário da M. P. ainda foram oferecidas ao G.D.A. nomeadamente cadeira e as mesas de pingue-pongue e do laranjinha. A Casa da Mocidade foi exclusiva dos rapazes e, só excepcionalmente, alguma jovem lá entrou.

É difícil para mim falar hoje da M. P. Feminina. Do que digo tive conhecimento na altura, embora sem vivência directa e hoje quase esvaído da minha memória. Valeram-me amigas, condiscípulas desses tempos, as irmãs Assunção, a quem saúdo e agradeço por me terem avivado recordações.

[Rua Dr. João Dias. Foto JV]
As actividades extra escolares que as jovens tinham, realizavam-se no 1º andar da casa do sargento Alfredo Lopes. Aí eram acompanhadas e estimuladas a fazer renda, bordados e outros lavores, sendo monitora D. Conceição Cunha. As peças que confeccionavam eram destinadas a pessoas pobres.

Finalmente devo dizer com satisfação que, ao contrário dos objectivos desejados pela Ditadura, em Alcoutim a Mocidade Portuguesa não ganhou os jovens para apoio ao fascismo. Mas ajudou muitos de nós no culto da amizade, do companheirismo, além da oportunidade de cultivarmos o exercício físico e o associativismo.