segunda-feira, 5 de julho de 2010

Os moinhos de vento no concelho de Alcoutim

Pequena nota

Há mais de uma dezena de anos foi informado publicamente que o órgão executivo municipal tinha adquirido dois ou três moinhos na freguesia de Alcoutim no sentido de os recuperar e enquadrá-los em roteiro turístico local.
Elogiámos e ficámos satisfeitos com a ideia.
Passados que são tantos anos, a única alteração que verificámos foi o retirar de um deles a sua cúpula que penso se destinaria a recuperação.
Tudo se mantém pior do que estava, se pior pode estar!
Em contrapartida, os nossos vizinhos sanluquenhos pensaram nisso e em pouco tempo puseram em execução o seu projecto, como se poderá ver pela imagem junta.

JV



Sendo uma região cerealífera houve necessidade de transformar os grãos em farinha, não esquecendo que o trigo ainda é a base da alimentação deste povo, de uma maneira muito pronunciada.

Desde os últimos anos do século XV, que se tem notícia da existência de moinhos em Alcoutim. (1)

Aproveitando a força do vento, escolhendo elevações de terreno, muitos moinhos se construíram por todo o concelho. No último quartel do século XIX ainda existiam vinte e nove a trabalhar. (2)

Em 1995, por intermédio de um alcoutinense interessado nestes assuntos, conseguimos obter um inventário de todos os moinhos existentes no concelho, ainda que só possuam leves vestígios. Contra a nossa expectativa, foram identificados quarenta e seis, cabendo à freguesia de Martim Longo dezoito, o maior número.

Fazendo fé nos dados que nos facultaram, ainda laborava um, precisamente na extremidade do concelho, no Pereirão.

[Moinho do Pereirão. Foto JV]

Grande número deixou de trabalhar nos meados do século passado, décadas de cinquenta e sessenta.

Da sua construção, ninguém se lembra, perde-se no recuar dos tempos.

Os moinhos que existiam no concelho de Alcoutim eram constituídos por um corpo em forma de tronco de cone, relativamente baixos, de alvenaria, caiados de branco muitas vezes e onde se rasgavam a porta e uma ou mais janelas. A cúpula, a que chamam “capelo”, é rotativa. É dela que sai o mastro onde se fixam os varais, cruzados e onde se situam as quatro velas triangulares de pano e lona. O capelo move-se conforme o vento impõe e por sistema não uniforme.

Os moinhos têm dois pisos ligados por escadaria interior. Aí, distinguem-se dois aparelhos, o de moagem propriamente dito e o aparelho motor. O de moagem consta fundamentalmente de duas mós, a de baixo fixa, o pouso, e a de cima rotativa, a andadeira.(3)

[Moinho da Pateira. Foto JV, 1969]

Estes moinhos classificam-se de tipo mediterrânico.

Em 1941 ainda deviam trabalhar quinze.(4)

Na freguesia de Alcoutim identificámos mais de uma dúzia. Os existentes estão em ruína, alguns já pouco possuem que os identifique e outros nem isso, só a memória do povo os localiza.

[Moinhos Queimados. Foto JV]

Dos Moinhos Queimados, próximo da vila, dizem que várias vezes tinham sido reconstruídos mas que os raios sempre os fulminavam, naturalmente atraídos pela natureza do terreno onde estavam erguidos.(5)

Estes moinhos são (ou eram) também conhecidos pelos moinhos do Cerro dos Cadavais ou dos Escrivães. À roda deles ainda gira uma estória diferente da que acabámos de referir e que procura justificar a razão por que “ardiam”.

Dizia o povo... que o escrivão Manuel Torres criou um imposto que era denominado popularmente por lágrimas das viúvas. Com o seu produto foram construídos os ditos moinhos, mais tarde destruídos por um raio. Reconstruídos, vieram a ter a mesma sorte.

O povo explicava o caso por castigo de Deus devido à origem do dinheiro, que consideravam não justa e ilegal. (6)

Os moinhos chamados da Corte da Seda eram três. Dois pertencentes ao mesmo proprietário, conhecido por Ti Coelho, um branco e um preto. O outro era designado pelo nome do seu proprietário, o moinho de Francisco Justino.

Dos três, o branco foi o último a deixar de laborar, o que aconteceu em 1966.

[Moinho da Casa Branca. Foto JV]

Nos Balurcos havia dois na Casa Branca, tendo um deles deixado de trabalhar em fins da década de sessenta ou mesmo no início da seguinte. Ainda há poucos anos tinha mastro. No Deserto havia outro, o único das redondezas que tinha búzios e dois no Montinho do Serro, conhecidos por Moinhos da Nora.

Próximo da Corte das Donas encontra outro moinho também em ruínas.

Na parte norte da freguesia de Alcoutim, os conhecidos moinhos da Pateira (dois) deixaram de trabalhar pela força do vento, cerca de 1945, mas em 1950 já estavam a funcionar através de motor.

Estes moinhos pertenceram em tempos a Ti Fastina, de Afonso Vicente, que vivia onde é hoje a Sociedade Recreativa local. Curioso é verificar que servia como degrau de acesso à porta, parte de uma velha mó proveniente daqueles moinhos e que certamente veio a ser destruída.

Em tempos, de que ninguém se lembra, existiu um moinho em Afonso Vicente. O que os habitantes sabem é que àquele local, que apresenta um círculo, sempre ouviram chamar o sítio do moinho.

Junto das Cortes Pereiras estão dois moinhos em ruínas, um quase desaparecido. O mais próximo da vila trabalhou até cerca de 1934. O moleiro era António Inácio, conhecido por Ti Glindim. Os moços passavam por lá e questionavam:- Oh Ti Glindim, o que faz lá dentro? Está peneirando ou fazendo o fermento? E toca a andar, pois o moleiro não se fazia esperar...

[Moinhos das Cortes Pereiras. Foto JV]

Para os lados do Barranco dos Ladrões, afluente da ribeira de Cadavais, está de pé outro moinho que designam por Moinho dos Ladrões.

Entre Santa Marta e Coito, já na freguesia do Pereiro, situam-se dois moinhos, um branco e um preto, afastados um do outro cerca de duzentos metros e que a tradição aponta terem sido mandados construir por D. Miguel, cidadão espanhol que presidiu à Câmara Municipal e que veio a ser barbaramente assassinado a mando dos adversários políticos (conservadores) e voltamos a citar a tradição.

Próximo da aldeia do Pereiro, ainda de pé, o Moinho da Chada reconstruído em 1900 (7) e onde anos depois as velas foram substituídas por motor. Pertence actualmente a José Cavaco Nobre.

A caminho da Silveira e também próximo do Pereiro, do lado direito da estrada, quando se sai da aldeia, encontra-se o Moinho Preto de paredes ainda bem conservadas.

Novamente na freguesia do Pereiro e perto do monte do Tesouro, existem mais dois moinhos.

Nos subúrbios de Giões erguem-se dois moinhos de vento denominados Passa Leve e do Balão. Possivelmente ambos trabalhariam na década de trinta.

Em testamento de 1843, deixa-se a um sobrinho, as três partes do moinho de vento sito na Cerca da Torre (Giões?) (8).

Perto do Zambujal (Vaqueiros) podem ver-se os restos de três moinhos.

[Moinho do Balurquinho ou das Preguiças. Foto JV]

Balurquinho, Alcarias e dois em Vaqueiros completam o inventário desta freguesia. O de Alcarias já não trabalhava nos fins do século XIX.

Na freguesia de Martim Longo existem os seguintes moinhos:-1 no Pereirão, (o único que ainda funcionava), 3 no Pessegueiro, sendo dois pretos e um branco, 2 no Lutão, um branco e outro preto, 2 no Azinhal, igualmente preto e branco, 8 em Martim Longo, 2 em Santa Justa, 2 nos Castelhanos, o Moinho do Mocho e três na Portela.

Na sessão da Câmara de 5 de Fevereiro de 1863, é presente um requerimento de Sebastião do Rosário Vieira pedindo se lhe conceda com foro, o terreno do rocio nos redores do moinho Velho. Em 1865 (Sessão de 29 de Agosto), é José Pedro Roiz Teixeira, da vila, que pede também no sítio do Moinho Velho e no rossio, um bocado de terra para fazer uma eira, de que absolutamente carece. Qual seria este moinho velho? Dele, possivelmente já nada existe.

Anos depois (9) é apresentado um requerimento de vários senhorios de moinhos, queixando-se de um indivíduo, do Balurco de Baixo, que tapara ou cercara um terreno por onde passava um caminho concelhio que servia de passadouro de mós. Pediam que a Câmara procedesse a vistoria e em resultado da qual, se assim fosse entendido, o mesmo fosse intimado a deixar livre e desembaraçado o dito caminho pois não havia outro para a passagem das mós. A vistoria acabou por concluir que o caminho não podia ser considerado vicinal.

[Moinho próximo de Corte Serrano]

Em 21 de Novembro, pela noite dentro, deu-se um incêndio no Moinho Novo, arredores de Martim Longo, suspeitando-se de crime de fogo posto. Em meados do século passado existem referências ao moinho branco da Xada, na mesma aldeia.(10)

Em muitos casos e como já vimos, os moinhos dispunham-se aos pares. Um era o moinho branco, o outro o preto. O primeiro tinha mós “alveiras” fabricando farinha para fazer o pão, o outro farinando vários cereais para alimento dos animais.

Em 1835, o foro anual dum moinho dos arredores de Alcoutim valia 74 alqueires de trigo. (11) Nas heranças ninguém prescindia da sua quota-parte.

Em 1838 a profissão de moleiro era referida com frequência. Cada ofício mecânico tinha um juiz perante o qual os candidatos à profissão tinham de prestar provas.

Na Sessão da Câmara de 4 de Fevereiro (1838) foi nomeado juiz moleiro, José Lopes Carreira. Prestaram provas e foram aprovados:- Manuel Pires (Vaqueiros) em 05.01.1844, João Martins (Traviscosa) em 01.06.1844, José Peres, de Vila Blanca, residente nos Balurcos, Silvestre Rodrigues (Azinhal) em 25.09.1849 e José Roiz (Barrada) em 25.09.1849, só para referir alguns que encontrámos.

Tiveram grande importância na vida quotidiana, suprindo carências de alimentação local ou ocorrendo à necessidade de outras regiões.

Começaram por pertencer ao rei ou à classe nobre que da sua exploração retiravam benefício.

No reinado de D. Manuel I ainda a situação se mantinha.

NOTAS

(1)–História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Verbo, Vol. II, 1978, p. 272.

(2)-Diccionário de Geographia Universal, Editor, David Corazzi, Lisboa – 1878, p 52.

(3)-Dicionário Ilustrado da História de Portugal (Coord. José Costa Pereira), Ed. Alfa, Vol I, 1985 p. 485.

(4)-Acta da Sessão da C.M.A. de 5 de Julho.

(5)-“Pequenos Apontamentos – Moinhos”, Trindade e Lima, in O Povo Algarvio, de Tavira, de 21 de Julho de 1973.

(6)-Esta estória-lenda a única coisa que tem certa é o nome, Manuel (António) Torres, que foi Presidente da Câmara e depois seu secretário durante muitos anos, exercendo também as funções de Provedor da Santa Casa da Misericórdia e figura de destaque no concelho no século XIX. É possível que por essas alturas tivesse sido criado qualquer imposto, não pelo escrivão, que não tinha competência para isso, mas pelo órgão executivo municipal de onde o mesmo teria feito parte. O povo ligou estes assuntos procurando encontrar uma justificação para o acontecido.

(7)–A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim), do passado ao presente, José Varzeano, Ed. da Junta de Freguesia do Pereiro, 2007, p.58.

(8)-Testamento de 2 de Março de 1843.

(9)-Acta da Sessão da C.M.A. de 1 de Novembro de 1870.

(10)-Of. nº 87 de 24 de Novembro de 1882, do Administrador do Concelho ao Governador Civil de Faro.

(11)-O Algarve Oriental, As vilas, o campo e o mar, Carminda Cavaco, 1976, p. 76