quarta-feira, 30 de junho de 2010

Lar de Alcoutim festeja centenário de utente

(PUBLICADO NO JORNAL DO ALGARVE DE 12 DE MAIO DE 1994)

[A aniversariante, ladeada por alguns dos filhos, festejando um século de vida]
A nossa chegada à “Capital do Nordeste Algarvio”, foi alertada para a circunstância de se ir comemorar o 100º aniversário natalício da Sra. Maria Ana, no dia 23 de Abril último no Lar da 3ª Idade da pequena vila raiana.

Não podíamos deixar escapar a oportunidade e procurámos conhecer as possibilidades de uma pequena conversa com a anciã.

Beneficiando do melhor acolhimento por parte da Senhora Directora e restante pessoal, fotografámos e conversámos com a aniversariante que conhecemos quanto tinha já setenta e três anos mas ainda muito activa, desembaraçada, de voz forte e firme.

Está no Lar há oito anos. Podemos considerá-la lúcida, só um pouco pesada de ouvido.
Disse-nos correctamente o nome do marido e ao perguntarmos-lhe quantos filhos tinha, foi clara afirmando serem quatro moços e duas moças, que indicou por ordem de idades, não esquecendo as residências.

Apercebeu-se da presença do gravador, perguntando-nos para que queríamos aquele “frasco”, o que tentámos explicar. Adiantou-nos que não podia ficar com ele porque lhe perdia o “tino”.

Entre outras coisas a senhora Maria Ana disse-nos que o marido tinha ido à aldeia do Pereiro comprar uma cabra para dar leite para a “moçada”.

No dia seguinte, dia do aniversário oficial já que o real tinha ocorrido no dia 12, reuniram-se num requintado almoço, à sua volta, quatro dos seus seis filhos e alguns dos vinte e um netos e bisnetos, outros familiares, companheiros de lar, assim como convidados, incluindo autoridades civis e militares, totalizando para mais de duzentos e cinquenta pessoas.

A senhora D. Maria Ana é natural de Santa Marta, freguesia e concelho de Alcoutim, tendo vivido muitos anos no sítio do Enxoval, perto do Guadiana em habitação isolada e onde criou todos os filhos.

Felicitando-a pelo evento desejamos-lhe mais uns anitos de vida com saúde.


Pequena nota
Segundo informação recebida, a aniversariante faleceu aos 104 anos!
Entretanto, e segundo julgamos saber, já se verificaram no mesmo Lar mais dois ou três centenários e outros irão acontecer.

JV

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Penteadeiros, monte cujo topónimo pode estar relacionado com o artesanato têxtil

[Um aspecto do "monte". Foto JV, 2009]

Indicamos este pequeno monte pela designação local comum pois não o ouvimos designar por outra, tal como em toda a documentação local que consultámos. Contudo, nos censos populacionais de 1991 e 2001 ao dispor na Internet consta no singular e não no plural. Tal como o habitualmente consultado Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, assim o indica.

Admite este linguista que o topónimo possa derivar de penteado (adjectivo) ou de Penteado (nome próprio).

Podemos começar por ele que acaba por não ser fácil de abordar.

O topónimo, segundo refere o jornalista Pedro Ferro, parece aludir à tradição da tecelagem no lugar (2), o que não nos escandaliza, pelo contrário, visto os teares possuírem pentes, de onde poderá ter derivado a palavra.

Notar que o monte é conhecido principalmente por nele residir e trabalhar (?) a última tecedeira de lã e linho do concelho, utilizando as técnicas antigas, auxiliada pelo marido que ainda semeava o linho - a única pessoa que ainda o fazia no concelho onde outrora tanto se semeou.

O monte possuiu outro nome, possivelmente antes e que obtivemos consultando as Memórias Paroquiais de 1758 onde é referido como “Monte das Pereiras” e em alternativa, Penteadeiros, no plural.

Nunca lhe ouvimos chamar tal, mas pode ser que o topónimo tenha ficado na memória de alguns. Como é conhecido, existem vários casos de toponímia dupla, de uma maneira geral uma antiga e outra moderna, como é o caso de Fonte Almece, depois Vascão.

Era daqui natural uma das vítimas de um desmoronamento de terras ocorrido às Zorreiras a quando da construção da estrada Alcoutim-Pereiro que teve lugar em 1877.

Em 1881 o Administrador do Concelho oficia ao Regedor de Martim Longo no sentido de mandar tapar uma poça que existe no monte de Penteadeiros, fronteira à morada de Domingos Lopes, pois pode originar algum acontecimento fatal e prejudica a higiene pública. (3)

A nível de população sabemos que de 1911 a 1991 perdeu 77%. Naquela data, segundo o censo, tinha sessenta e nove habitantes, número que se estabilizou até à década de sessenta, com 68, iniciando-se então o êxodo, já que em 1981 só tinha 24 e dez anos depois, 16.

No último censo (2001) o número desceu para nove e a desertificação não deve estar muito distante.

[Outro aspecto da pequena povoação]

Esta pequena povoação fica próximo do monte de Santa Justa e de Martim Longo, sede da sua Freguesia. O pequeno ramal que a serve foi adjudicado em 1993 por quase quarenta e sete mil contos, com uma faixa de rodagem (alcatrão) de quatro metros.(4)

Em 2000 foi reconstruído um forno público (5) e a água levada ao domicílio quatro anos depois (6) enquanto os arruamentos beneficiados em 2006.

NOTAS

(1)–Obra citada, p. 1158.
(2)–“A Face oculta da Lua”, in jornal Público de 24 de Setembro de 1993.
(3)-Of. nº 8 de 26 de Janeiro.
(4)-Boletim Municipal nº 12, de Abril/93.
(5)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 7 – Março de 2000, p.11.
(6)–Alcoutim, Revista Municipal nº 11 – Janeiro de 2005, p. 9.
(7)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 13 – Dezembro de 2006, p. 13.

domingo, 27 de junho de 2010

Ribeira da Foupana

[Pontão na Ribeira da Foupana ao Monte da Estrada. Foto JV, 1990]

Esta ribeira é importante para o concelho de Alcoutim pois atravessa-o no sentido Oeste/Este, sendo o único curso de água que passa por todas as freguesias do concelho.

Formada por dois braços, nasce um nas proximidades da Corte João Marques, da freguesia vizinha do Ameixial, concelho de Loulé e o outro em Vale da Grua, freguesia de Cachopo, que pertenceu ao concelho de Alcoutim e actualmente ao de Tavira, ambas na Serra do Caldeirão.

[A Ribeira da Foupana junto ao Monte das Mestras. Foto JV, 2010]

O braço originário da Corte João Marques entra no concelho de Alcoutim próximo do Monte da Estrada, freguesia de Martim Longo e conflui com o outro junto do “monte” das Mestras, da mesma freguesia.

Em 1989 a Câmara Municipal de Alcoutim mandou construir junto ao Monte da Estrada um pontão para se poder vencer o ribeiro. (1)

Corre depois, após passar por baixo da estrada que nos leva ao Barranco do Velho, nas proximidades de Pêro Dias, ainda na freguesia de Martim Longo. Vai servir de linha divisória com a freguesia de Vaqueiros e mais à frente separa esta freguesia, da de Giões num pequeno troço.

[Ribeira da Foupana que divide Martim Longo de Vaqueiros. Foto JV, 2010]

Corre, entretanto, a sul da freguesia do Pereiro onde se construiu uma ponte para a passar e onde recentemente foi feito um açude. Seguidamente é a vez de servir a freguesia de Alcoutim, dividindo-a da de Odeleite, sendo a Palmeira a povoação mais próxima.

[A Ribeira da Foupana na Freguesia do Pereiro. Foto JV, 2010]

Junta-se ou desagua na Ribeira de Odeleite no sítio das Pernadas, abaixo do moinho do carvão, já no concelho de Castro Marim com cerca de cinquenta quilómetros de percurso, grande parte no concelho de Alcoutim, (2) indo desaguar pouco depois no Rio Guadiana.

Vários moinhos e azenhas exerceram a sua função até meados do século passado e estavam espalhados por todo o seu percurso.

Existem alguns locais onde nos cálidos meses de verão apetece tomar um banho refrescante.

É possível também praticar a pesca. Nas margens, encontra-se a vegetação própria da região como o poejo, a hortelã da ribeira, ervas aromáticas utilizadas na confecção de pratos típicos, o rosmaninho o alecrim e a esteva, não esquecendo os loendros.
Nas margens mais aprumadas, há oliveiras provenientes da enxertia de zambujeiros e amendoeiras. Nos locais mais frescos, os freixos ou álamos.

[Ribeira da Foupanilha, entre Vaqueiros e Pão Duro. Foto JV, 2010]

Entre outros, no concelho de Alcoutim tem como afluente, na margem direita, a ribeira da Foupanilha, que nasce na freguesia de Cachopo, com um curso de cerca de dez quilómetros. Corre entre Vaqueiros e o Pão Duro.

NOTAS
(1) – Boletim Municipal, nº 5 de Setembro de 1989, pág. 5
(2) - Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 11, pág. 718.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Almofadas



Apresentamos hoje na rubrica Etnografia duas almofadas feitas pela mesma pessoa por volta de 1925, pelo que terão cerca de 85 anos.

Foram executadas no monte de Afonso Vicente, freguesia de Alcoutim e estavam por estrear pois não se encontravam cheias, o que fiz agora com lã proveniente de um velo que naquele monte me foi oferecido por um “maioral de ovelhas”.

Recorri a quem é um pouco mais nova do que as almofadas para me ensinar e ajudar a preparar a lã em condições de ser utilizada.

O método utilizado foi adaptado aos dias de hoje pois a cinza do loendro foi substituída por um detergente industrial e o pego no barranco por vasilha de plástico, enquanto a água foi aquecida no fogão a gás quando antigamente o era ao fogo de lenha.

Estendida para enxugar sendo mudada a sua posição foi depois sovada com uma vara de loendro e a seguir “cremeada”, isto é, esfarrapada, tirando-se-lhe as impurezas que ficaram agarradas.

O desenho do gato é ingénuo e encantador, o pano fraco e pouco encorpado e o folho muito vaporoso e cor-de-rosa.

Tem uma forma rectangular.

O outro exemplar é circular e a “ilustração” é feita com a figura de um galo mas de ponto diferente do exemplar anterior.



Por estas alturas os montes estavam pejados de gente que foi aumentando até meados do século, para depois se inverter a marcha até aos dias de hoje, verificando-se a extinção de população em muitos como aqui já temos referido.

Ainda que as actividades principais fossem a agricultura e a pastorícia, havia quem se dedicasse, como complemento e em situações propícias ao pequeno comércio. O povo chamava-lhes “lojeiros”, muitos deles transportando a “loja” às costas, enquanto outros o faziam em burros.

Vendiam linhas, riscados, panos baratos, pequenas coisas indispensáveis à vida dos “montes”, mas mesmo assim poucas pessoas podiam dar-se ao luxo de fazer almofadas como estas!

Espero que a bisneta de quem as fez as saiba interpretar e conservar por muitos e longos anos como referência familiar e demonstrativa de uma época.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Manuel Serafim, um comerciante de sucesso






Escreve

Gaspar Santos




[Manuel Serafim. Notar a parecença com o filho]
Quando estou em Alcoutim e desço a Rua 25 de Abril e vejo o café em frente, recordo a loja do senhor Manuel Serafim. Este edifício, sede dos seus negócios, na Praça da República passou alguns anos depois da sua morte para a posse de João Baltazar Guerreiro. A exploração do negócio, entretanto reformulado, está hoje a cargo do Caldeira.
A estatura física do senhor Serafim e o seu volume de negócios não tinham comparação no concelho.

Este espaço comercial que sempre designávamos como a loja do Senhor Serafim, mantém a fachada e o essencial da sua compartimentação. Onde hoje é o restaurante havia um balcão. Aí, à esquerda de quem entrava, vendiam-se panos, lãs e todos os artigos para vestuário e calçado, à direita ficava a mercearia. O actual café era a venda ou taberna, onde se vendiam vinhos e seus derivados, para usar a nomenclatura da então Junta Nacional dos Vinhos. Bastava aos caixeiros atravessar uma porta atrás do balcão para a direita e, ficavam a atender na taberna no balcão que continuava na mesma direcção.

Na parte baixa da vila meia dúzia de armazéns especializados estavam ao seu serviço. Neles vendia farinha, sal, cal e cimento, carvão, adubos, cerâmica desde telhas, cântaros e outros vasilhames para as cozinhas. Também comprava amêndoas, figos e alfarrobas para revenda/exportação.

Tinha uma exploração agro-pecuária onde se destacavam a produção de cereais e o laranjal. Tinha algumas vacas leiteiras que abasteciam em parte o consumo de leite da vila.

Era um grande empregador nas vertentes em que actuava. Pela sua loja passaram várias pessoas, muitas de sua família. Desde o seu pai já reformado da Guarda-fiscal que se ocupava da parte dos vinhos, até aos seus primos Francisco Serafim Nunes, Manuel Serafim, José Serafim e por último o Joaquim Rita e o Manuel Bento.

Além da actividade comercial foi, profissionalmente, proposto da Tesouraria de Finanças, escriturário e mais tarde ajudante do Cartório Notarial e do Registo Civil. Nestes registos era escriturária uma sua cunhada de nome Dinora Madeira.
Ocupou vários cargos políticos: Administrador do Concelho, Vice-presidente da Câmara, Presidente da Câmara Interino (na ausência do Presidente). Foi correspondente de entidades bancárias e teve na sua loja o Telefone Público Nº 2 de Alcoutim, de início o único telefone público fora do edifício dos CTT.

Tendo lugares políticos colaborou com o Estado Novo. Não conheço quem tenha sido prejudicado com isso. Ele já era importante quando o Estado Novo chegou. Foi o Estado Novo quem precisou dele e não ele que necessitou do Estado Novo. Por isso sempre manteve um certo distanciamento dessa política, tendo inclusivamente como seus amigos mais chegados gente anti-fascista. Até frequentava a “Sacristia” – casa anexa à fábrica de foices onde com os amigos petiscava e conversava.
Este homem com Francisco do Rosário, Dr. João Francisco Dias, Professor José Mendes Amaral e Luís Jesus Brito constituíam então as pessoas mais marcantes e influentes da Vila de Alcoutim, para não dizer do concelho.

[Manuel Serafim em 1941 na primeira tomada de posse de J.M.Mendes Amaral, como Predidente da Comissão administrativa da Câmara Municipal]

Era um homem bom, sério e honesto e por isso respeitado e estimado. Ele e também o seu cunhado, marido da D. Dinora, eram as pessoas a quem muitos recorriam para um conselho amigo sobre negócios, questões administrativas ou fiscais. Manuel Serafim era um pouco lento no deslocar do seu físico majestoso. Era uma pessoa eficiente, ponderada, previsível, serena e calma como a música que ele executava em viola.

Digo isto pois muitas vezes tive oportunidade de o ouvir a acompanhar à viola outros instrumentos, nas noites quentes de verão, à porta da Sociedade Recreativa na Rua 1º de Maio.

Mas nas noites mais frias, o convívio e a distensão do Senhor Manuel Serafim e de mais pessoas eram de outra ordem. Antes da hora da sua loja encerrar, estabelecia-se um convívio que hoje se diria uma tertúlia, num tempo em que não havia televisão e, mesmo a rádio, já existente, não preenchia. Além de Manuel Serafim lá estava o Dr. João Francisco Dias e outras personalidades da vila e as noites eram animadas. Tudo que se podia discutir, ali se discutia. Os acontecimentos mundiais e nacionais bem como do âmbito da Saúde Pública e até uma ou outra anedota. O Dr. Dias que era Subdelegado de Saúde falava, umas vezes espontaneamente, outras vezes como resposta a pergunta de algum dos presentes, sobre uma doença, uma vacina e muitas vezes sobre tema cultural ou cientifico ou de saúde pública. A ouvir estas conversas informais, fiz por aprender e, sobretudo, espevitaram a minha curiosidade e o desejo de aprender mais.

Presenciei este episódio da sua serenidade e bom senso no meio de completa borrasca. Assistíamos com muitas mais pessoas ao futebol no campo da Fonte Primeira. Sentados na rocha fronteira, o Senhor Manuel Serafim, um empregado das Finanças de nome Filinto, meu pai e eu que era garoto. O jogo a dada altura converteu-se numa batalha campal – era pancadaria por todos os lados. O senhor Filinto que era um sujeito forte disse ao senhor Serafim. “ O senhor como Administrador do concelho tem que ir pôr cobro a isto, já que Alcoutim não tem G.N.R”. Ele respondeu: “ Eu não saio daqui”. Então dê-me o seu cajado que eu vou já tratar disto”. Resposta: ” não dou nada o cajado”. “Então eu vou mesmo sem o seu cajado” e foi…. Esta aparente indiferença revelou-se afinal sensatez, pois reconhecia naturalmente que não tinha meios de impor a autoridade de que estava investido.

Nasceu em Alcoutim em 19 de Abril de 1903, filho de José Serafim e de Mariana Felizarda da Conceição Serafim.

Veio a casar com D. Francisca Madeira de quem teve uma filha de nome Maria do Carmo e um filho o nosso amigo José Serafim. Tem nesta data duas netas e um neto. A sua viúva ainda felizmente viva, tem hoje 104 anos, e por intervenção do filho facultou-nos estas fotografias pertencentes às suas recordações.

Faleceu ainda novo, com 50 anos a 22 de Outubro de 1953. O seu comércio veio a ressentir-se fortemente com a sua perda. A viúva coadjuvada pelo seu irmão o Sargento-ajudante André Madeira e seu cunhado Arnaldo Rodrigues ainda lhe deram continuidade durante mais algum tempo, mas depois fizeram a liquidação da existência e o edifício foi vendido a João Baltazar Guerreiro.

O Senhor Serafim, sendo uma pessoa respeitada e que consideramos eficiente, também cometeu lapsos como toda a gente. Sei de duas pessoas cujos registos de nascimento deviam ter sido assinados por ele e não foram. Deu-se pela falta da assinatura mais de 50 anos depois, quando as certidões passaram a ser extraídas directamente do livro de registos por fotocópia. Isso veio a levantar problemas burocráticos a essas pessoas.

[Manuel Serafim a descansar no "Pau da Censura"]

Como todo o alcoutenejo gostava de peixe. Tinha mesmo uma certa vaidade por saber comer sável ou saboga (que desovam no Guadiana em Abril/Maio). Em geral o sável é frito em postas muito finas ou, se grelhado, leva uns cortes no lombo para reduzir o tamanho das espinhas. Para ele, o peixe só com sal era grelhado inteiro, temperado com azeite, vinagre e alho. A sua técnica consistia em tirar com o garfo pequenos pedaços, da cabeça para o rabo, como quem “penteia” as espinhas, que ficavam naturalmente agarradas à espinha dorsal.

De vez em quando recebia a visita de um tio de nome Francisco Serafim, que ganhou notoriedade em actividade algo quixotesca de “arqueólogo” que fazia escavações, não de carácter histórico-cientifico mas à procura de moedas de ouro, nos locais onde, enquanto dormia, os sonhos lhe sugeriam.

O mundo é pequeno. No mesmo piso onde moro, mas do lado direito, vive uma família do concelho de Aljustrel primos em segundo grau do Senhor Manuel Serafim, com quem mantemos muito boas relações de vizinhança.

Desta maneira recordamos e prestamos a nossa homenagem a uma figura de alcoutenejo ilustre, e de grande sucesso empresarial que admiramos e de quem se gostava. Temos pena que não sejam hoje mais frequentes estas iniciativas e estes êxitos empresariais no concelho.

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N.B. A pedido do autor, após a postagem foram feitas duas pequenas rectificações:o dia do falecimento e a separação de sexo nos netos. JV

terça-feira, 22 de junho de 2010

A mais valia dos colaboradores

Após referirmos a passagem do segundo ano de vida do ALCOUTIM LIVRE, indicámos que iríamos fazer mais duas abordagens ao assunto.

A primeira e já efectuada teve a ver com os manifestos efectuados por e-mails pelos visitantes/leitores que constituem a mola real deste projecto, já que a eles se dedica; a segunda é a que estamos procurando efectuar e é dedicada aos colaboradores e neste caso vamos considerar o assunto desde o início do ALCOUTIM LIVRE.


Iremos começar pelo nosso colaborador póstumo, Luís Cunha [Alcoutim, 1911-Faro, 1981].

Em boa hora e por sugestão de Gaspar Santos, o incluímos como colaborador, situação que estamos certos não nos seria negada.

Nestes termos, estamos a divulgar junto dos interessados, nomeadamente os mais novos, os textos que tão bem escreveu sobre a sua terra natal e os seus problemas.

Já aqui foram publicados sete (todos escritos para o diário da capital, Diário Popular, hoje extinto).

Publicámos o primeiro em 1 de Janeiro do corrente e não podíamos ter começado o ano melhor.


O primeiro a aderir a este projecto foi o nosso “velho”Amigo Gaspar Santos, engenheiro de profissão, um dilecto filho de Alcoutim como tem provado em toda a sua vida.

Recorrendo à sua inteligência e capacidade de trabalho abandonou fisicamente a terra onde nasceu mas o seu pensamento esteve sempre grudado a Alcoutim que visitou e visita com frequência e onde mandou construir habitação.

Desde jovem se tem interessado pela sua terra natal, reconhecendo-lhe os defeitos e as virtudes. Foi dos poucos alcoutenejos de nível intelectual que teve a amabilidade de nos escrever uma longa carta agradecendo-nos a obra que tinha sido acabada de publicar (Alcoutim, Capital do Nordeste Algarvio, subsídios para uma monografia, 1985) pela qual tomou conhecimento de muitos assuntos a ela referentes.

Por sua sugestão o livro foi enviado para todas as escolas do concelho.

Não vou falar dos textos que têm sido divulgados no ALCOUTIM LIVRE até porque normalmente é meu hábito inserir uma pequena nota, direi apenas que já são 25 os publicados e mais estão na forja.

Possivelmente estes artigos iriam perder-se se não existisse o actual espaço, já que, como é por demais notório, a imprensa regional não está vocacionada para esta temática, visto os seus interesses serem outros e bem definidos.

Gaspar Santos que criou com a sua escrita um número apreciável de admiradores é parte indissociável deste blogue.


O segundo a aderir ao projecto e a quem se deve a ideia, por mim combatida e à qual não aderi com facilidade, e a construção técnica do blogue (perfil, logótipo, etc), foi José Miguel Nunes que como os visitantes/leitores saberão por que já aqui foi referido várias vezes, é meu filho, algarvio de Loulé, mas que viveu até aos oito anos em Alcoutim.

Os afazeres não lhe permitem dispor de muito tempo e a escrita que cultiva é fora desta temática. Se teria “herdado” do pai o gosto pela escrita, a temática não o acompanhou.

Já aqui foram inseridos quatro textos com base nas suas vivências de criança, tendo sido o primeiro em 11 de Outubro de 2008.

Seguidamente demos a público em 21 de Janeiro de 2009 um conto de Fernando Lino, nosso Amigo de Peniche (no bom e real sentido) que conhece Alcoutim onde já esteve por mais de uma vez e que no seu estilo peculiar nos dá uma crítica mordaz, estilo detestado por alguns e elogiado por muitos.

Existe a promessa de novos textos que esperamos.

Também aderiu um nosso Amigo e colega de profissão, por quem sempre tivemos muito respeito e consideração.


É algarvio de Vila Real de Santo António, sendo o pai natural de Silves e a mãe de Portimão(*). Tem, contudo, uma irmã alcouteneja.

José Temudo, com os seus oitenta e dois anos, tem uma escrita jovem com a vantagem de o fazer em prosa e em verso.

Esteve em Alcoutim até aos oito anos, tendo iniciado a escolaridade com o prof. Trindade e Lima enquanto o seu pai chefiou a então Secção de Finanças.

Tem nos dado aqui, auxiliado pela sua prodigiosa memória e espírito de observação, ainda que criança, imagens fantásticas de um Alcoutim distante, nomeadamente da guerra civil de Espanha, do automóvel, do cinema e da telefonia, entre outras.

José Temudo, que vive em Vila do Conde, nunca mais voltou a Alcoutim mas a verdade é que a sua passagem por esta vila o marcou profundamente.

Já tem neste blogue publicados 11 textos, em prosa e em verso.

Aparece-nos depois um alcoutenejo que também é vocacionado para esta área.

Amílcar Felício com a sua maneira peculiar de escrever e “contar as coisas” é um chamariz do ALCOUTIM LIVRE e já apresentou seis artigos, de uma maneira geral longos e que prendem o leitor.

Além da prosa surpreendeu-nos muito agradavelmente com a poesia, arte que lhe desconhecia totalmente.

Apesar de alguns longos períodos de ausência, tem Alcoutim presente como poucos e com a facilidade de separar o trigo do joio.


O último aderente é algarvio de Faro mas tem raízes no concelho de Alcoutim onde passou algumas férias da sua infância.

Apesar da forte ocupação que tem e de Director do Jornal RAIZonline, Daniel Teixeira ainda arranjou tempo para nos brindar com excelente artigo sobre a migração no concelho de Alcoutim.

Esperamos entretanto que consiga arranjar tempo para escrever algo sobre as suas memórias alcoutenejas.

Foi o interesse por Alcoutim que o trouxe junto de nós e que nos possibilitou a inserção no seu jornal que tem um elevado número de colaboradores, de alguns dos nossos artigos publicados no ALCOUTIM LIVRE.

Só com este escol de colaboradores é possível manter o ALCOUTIM LIVRE com a dignidade que o concelho merece.

A todos o meu BEM-HAJA.

(*) Por lapso foi indicado Portimão quando na verdade é natural de Silves.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A voz dos visitantes/leitores

Quem escreve fá-lo para ser lido é uma máxima conhecida. Ninguém escreve para si próprio e não se escreve para meter na gaveta. Quando isso acontece é por não terem sido criadas condições para a sua divulgação e pelos mais variados motivos.

Esta segunda abordagem do 2º Aniversário do ALCOUTIM LIVRE tem a ver com esse aspecto e se torna no nosso tonificante que nos fornece a força necessária para continuar nesta “cruzada” em defesa de ALCOUTIM E DO SEU CONCELHO e em oposição a todos os que se dizem servir Alcoutim mas que no fundo sempre e só se têm servido de Alcoutim.

Conhecemo-los pelo menos desde 1834, apresentando todos as mesmas características que passam despercebidas a muita gente, mas a nós, NÃO.

Variadíssimos visitantes/leitores quiseram e tiveram a amabilidade ao longo deste último ano de nos enviar as suas opiniões sobre o trabalho que aqui temos vindo a realizar. Extraímos das suas missivas as partes que consideramos mais significativas, omitindo como se impõe, a sua proveniência.

Diremos que são muito raras as pessoas que conhecemos, talvez duas ou três e aqui não estão incluídas as cartas-papel que nos foram enviadas e muito menos as opiniões expressas oralmente e que têm sido algumas.

Além de Portugal, temos conhecimento de outros países de origem como é o caso do Brasil, França e Espanha.

Pedimos desculpa pela não apresentação de um ou outro e-mail que se tenha perdido involuntariamente, mas garantimos que não foi nenhum que tivesse manifestado opinião contrária às que iremos seguidamente apresentar.

Aqui vão.

Vamos intercalar com itálico para mais facilmente se separarem.


nem imagina a minha surpresa ao descobrir o seu blog, um tesouro perdido nas "ondas" da internet e que, sem sombra de dúvida, tem que ser mais divulgado!
(...)
Obrigado pelo artigo sobre (...)
E ... um grande obrigado pelo que está a fazer por Alcoutim!

Sou seguidor assíduo do blog e aproveito para lhe endereçar as maiores felicitações pelo excelente trabalho que tem desenvolvido com notório prazer e enorme profissionalismo.
(...) consulto também o blog, todos os dias, cuja actualização é permanente, praticamente diária, existe sempre algo para ler com prazer. (...) É evidente que gosto muito do que escreve sobre Alcoutim, sobre o passado, sobre o presente e sobre as suas gentes, das quais faço parte. (...) Desejo e endereço-lhe felicidades na continuação desse sucesso, dessa realização pessoal, na esperança que não seja única na sua vida e de igual forma extensível à sua família.


Confesso-lhe que “a minha alma está parva” pela sua perspicácia na descoberta destas “relíquias”, ainda por cima para quem chegou a Alcoutim nos finais da década de 60! Como diz o nosso povo, o Senhor é pior do que “piolho em costura”! Os meus parabéns (...) Penso que quem tiver agora 70 anos talvez saiba que existiu uma Sala de Teatro, mas tenho sérias dúvidas de que tenha conhecimento de que a Banda existiu!)
(...)
Com as minhas desculpas por esta longa resenha, os meus melhores cumprimentos (...) e o meu Grande Obrigado uma vez mais quer pelos belos momentos que pessoalmente me vai proporcionando, quer fundamentalmente pelo excelente trabalho que está realizando sobre Alcoutim e as suas gentes. Continue amigo!!!
(...) conservo daquele tempo a imagem de um homem rua abaixo rua acima quase sempre solitário, com vestes de tons escuros que lhe davam um ar austero e de poucas brincadeiras tão diferentes das dos homens da nossa terra, mas que afinal não eram senão o tradicional fato e gravata a que estávamos pouco habituados e de comentarmos entre nós, rapazolas de 18/20 anos: «estes tipos de fora só cá aparecem para namoriscar as moçoilas mais bonitas da nossa terra»... Afinal foi um casamento feliz para Alcoutim!!!


Tendo alguma relação com a região de Alcoutim (minha mãe era natural (da freguesia de Giões), tenho encontrado o seu nome e o seu trabalho relacionado com essa zona com bastante frequência pelo que, para além da curiosidade, sendo você natural de Santarém, gostaria de estabelecer algum contacto consigo se tal lhe for possível com vista a possível colaboração e troca de informações sobre a «minha» terra.

Felizes as mais pequenas terras quando, embora tão pequenas, têm quem as saiba conhecer e ver nelas algum valor.
Por isso, escritos e testemunhos como os que vem oferecendo sobre Vaqueiros, Malfrade, Zambujal (...) Preguiças, Alcaria Queimada, são uma manifestação de Justiça, contra o esquecimento a que vai sendo votada – cada vez mais e, parece, sem retorno – uma parte tão grande de Portugal.
Poucos, muito poucos, se incomodam com esse «desaparecimento».
(...)
Talvez um dia assistamos ao renascimento dessas parcelas do nosso país, talvez. E, se tal ocorrer – acreditemos – em muito se ficará a dever a esforços como o seu: mourejar austero e atento, de entrega e persistência.
(...)
Tenho seguido e continuo a seguir, com especial prazer e atenção, o que nos tem oferecido no seu blogue.
Renovo os meus agradecimentos por tal lição (e fico esperançado que reúna meios para continuar a publicar em papel).


... muito obrigado pela atenção dispensada, continue a postar coisas interessantes.

Sigo o seu blogue há alguns meses, assim vou tendo notícias da terra de minha mãe e minha, já que passo muito tempo sem aí me deslocar.
Saí de Alcoutim com 8 anos, mas recordo com muita saudade a terra e as suas gentes, muitos ainda vou encontrando, um alcoutenejo reconhece sempre outro em qualquer parte.
Hoje quando li da morte de D. Miguel, vieram-me à memória as idas a S. Lucar para fazer compras à mercearia de D. Miguel onde éramos sempre tão bem recebidas por ele e sua filha Angélica, realmente a vida passa tão depressa.
D. Miguel é certamente uma pessoa que vou recordar com carinho e saudade.


A moderna tecnologia me permitiu conhecê-lo através do seu Blog - foto, biografia, artigos, etc, evidenciando tratar-se de pessoa de excelente formação e interessado na memoria cultural.
Apreciei muito o conteúdo do Blog, de forma especial, por conhecer o Alentejo e ainda Alcoutim onde estive em 2005 (...)
Tal identificação ocorreu em decorrência do artigo: CAIS NOVO-Alcoutim da lavra do competente amigo e Eng. Gaspar Santos que de forma precisa retrata tão significativa obra no contexto histórico de Alcoutim em detalhes que atestam a sua sensibilidade para com a memória da sua terra natal.
Uma maravilha, voltei no tempo e imaginativamente revivi minha estadia em Alcoutim, sentindo a beleza do Guadiana.
Obrigado pela oportunidade,
Seu admirador,


Permita-me estender um cumprimento honrado pela forma digna e exaustiva que publica assiduamente e dá a conhecer o nosso Alcoutim!
(...)
Desde que há algum tempo que acompanho as suas obras literárias e recortes de artigos de jornais, mas recentemente descobri que aderiu às novas tecnologias e com este blogue “Alcoutim livre” Os meus parabéns!
(...) Um bem-haja e boa continuação do excelente trabalho que nos acostumou e nos brinda, porque deste lado de cá, fico à espera de mais.

Ontem de noite, já madrugada como é hábito, lá estive em contacto consigo, no seu blogue.
(...)
Meditei sobre tamanha arte de ter uma escrita leve e directa, que tem um perfume qualquer, que cheira a qualquer coisa que me encanta, mas não encontro, que provém talvez da Lezíria ribatejana, ou da serra algarvia, enfim um dia hei-de confirmar.
(...)
A certo passo do seu balanço, dei por mim a meditar, naquela sua frase " Quanto é difícil ser livre!


Como lhe disse, o seu blogue está interessantíssimo, esse seu trabalho de recolha da memória, tanto escrita como oral (e a sua experiência neste campo específico é tão importante), como me aguçam e despertam a curiosidade! (e a vontade...) Os blogues costumam ser tretas, as pessoas precisam de dizer coisas, mas nem sempre têm coisas (ou ideias) para dizer. Esta é a verdade.

(...) excelente trabalho o dos templos de Alcoutim (concelho)
(...) gostaria de saber se existe levantamento / trabalho da ermida da N.ª Srª da Conceição em Alcoutim, e se está publicado na sua página, pois não o encontrei.


Consulto o seu Blog e o livro sobre Alcoutim e tenho obtido informações que para mim são importantes, uma vez que sou investigadora (preparo a tese de Doutoramento em Sociologia) (...)
(...) Espero que surja a oportunidade de conversarmos um pouco quando vier a Alcoutim.

Parabéns pelo seu blog. Acredite que é um testemunho histórico que muito aprecio. Tenho aprendido muito com ele e tenho conhecido pessoas maravilhosas que nem sabia serem de Alcoutim.

Foi com grande satisfação que tomei conhecimento, há poucos dias, (...) do seu blogue e do qual já sou visitante regular e terei imenso prazer em divulgar.
(...)
Hoje, como tive mais tempo, penso que visitei todas as suas mensagens e as histórias e origens dos «Montes» tendo-me escapado o (...) da freguesia de Martinlongo (onde nasci e vivi até aos 11 anos de idade) (...)
Termino esta mensagem com um MUITO OBRIGADO pela obra desenvolvida pelo concelho de Alcoutim e desejo-lhe muita, muita saúde para poder continuar.
Um seu grande admirador,

Porque é de interesse para a história da Guarda-fiscal que tentamos preservar, associamos artigo do blog "alcoutim livre" ao nosso.

Nesta tarde cinzenta e chuvosa, quando navegava pela net, tropecei no "Alcoutim livre", surpresa que constitui sempre uma alegria, para qualquer alcoutenejo que disso se orgulhe. Cliquei na opção "montes", mas não encontrei o "meu". O "meu" monte é (...), aglomerado que, como a maior parte deles, foi atingido pelo vírus da desertificação. Hoje, só lá vivem quatro famílias, num total de seis ou sete pessoas. Foi lá que nasci, fará depois de amanhã 55 anos! Passei lá os primeiros quatro anos da minha existência e, até por volta dos meus dezassete anos, passei lá quase todas as minhas férias.
(...)
Muitos parabéns pelo seu inestimável trabalho, em prol de Alcoutim.

(...) acabei de conhecer o seu blog e devo admitir que adorei. Vivo em França e os meus avós eram originários do (concelho). Neste momento estou pesquisando para encontrar informações sobre a minha genealogia e a história dos meus antepassados. Queria-lhe perguntar se me podia indicar algumas referências bibliográficas sobre (...). Fico a saber muitas coisas graças ao seu blog e agradeço-lhe pelas informações que transmite.

Gostaria de o felicitar pelo fantástico Alcoutim Livre, o qual encontrei por acaso, nas minhas eternas pesquisas sobre os concelhos de Alcoutim, Castro Marim e Mértola. Estas terras são para mim muito queridas e por isso fiquei tão agradavelmente surpreendida pela bela recolha que constitui já o seu blog.
(...)

Vejo, com satisfação, que continua em boa forma e que, depois destes anos todos a falar e escrever desta nossa terra, ainda consegue "dar à luz" coisas novas.

Agora, é só tirar conclusões.

sábado, 19 de junho de 2010

2º Aniversário




Passa hoje o 2º Aniversário do ALCOUTIM LIVRE!
É altura de fazer balanço e tirar conclusões.

Se na passagem do 1º ano de existência o balanço que aqui fizemos se pautava pela positiva, pelas razões que apontámos, o que agora iremos fazer ultrapassa todas as nossas conjecturas.

O número de “postagens” já ultrapassou o meio milhar o que revela um ritmo que inicialmente considerávamos difícil de alcançar devido aos propósitos em mente e que têm sido mantidos.

Criar um blogue é tecnicamente fácil, mantê-lo já é mais difícil e quando a temática a abordar não passa pelas vulgaridades, tem algum sentido técnico e praticamente tem por base quase exclusiva o concelho de ALCOUTIM, um dos mais pobres e atrasados do país, a dificuldade naturalmente aumenta.

Uma das alusões que nos são feitas com frequência é de como é possível escrever tanto sobre uma pequena vila e um concelho quase desertificado onde além das badaladas festas e das várias feiras (artesanato, da perdiz e do queijo fresco, etc.) só se ouve falar da luta contra o tabagismo e alcoolismo, além das operações às cataratas e fornecimento de aparelhos auditivos!

A possibilidade está demonstrada nas “postagens” efectuadas e que constituem já mais de 2000 páginas A/5 organizadas em sete volumes.



Enquanto no 1º ano de existência as visitas em números redondos foram 4.500 e uma média diária de 12,5, neste 2º ultrapassaram as 14 mil cifrando-se a média em 38,9 o que não deixa de constituir um aumento muito considerável de visitas.

Como não podia deixar de ser o tema Geral foi o que teve mais entradas, seguindo-se o Espaço dos Amigos com 57 (10 do 1º Ano mais 47 do segundo) tendo sofrido assim um aumento significativo com grande vantagem para os visitantes/leitores que têm ao dispor maneiras diferentes de escrever e ver as coisas. De três colaboradores passámos a sete o que é elucidativo. Dos sete, só três são alcoutenejos.

Possivelmente estes textos acabavam por perder-se se não existisse o ALCOUTIM LIVRE e há abordagens extremamente importantes do passado alcoutenense que irão constituir, estou certo, no decorrer dos tempos, pontos de apoio de investigação académica.

A Câmara Escura manteve o seu ritmo e consideramo-lo um espaço agradável (52) e a Etnografia subiu bastante (51).

O 5º lugar é representado pelo Escaparate que manteve o seu nível de intervenção tentando apresentar aos visitantes/leitores nomeadamente obras que se referem a Alcoutim.

Uma das rubricas mais procuradas é a de Montes do Concelho que no 1º ano teve treze intervenções, enquanto no 2º aumentou para vinte e quatro o que é importante pelo que já foram abordados 37 “montes”.

Já completámos as freguesias de Alcoutim e Giões e mais de metade das freguesias de Martim Longo e Vaqueiros.

A freguesia do Pereiro pelo que já aqui dissemos é um caso especial.

As Figuras do Baixo Guadiana naturalmente que desceram a nível de intervenção pois vão-se esgotando e por vezes não dispomos de tempo para efectuar pesquisas. De 25 passámos para 10.

Os Ecos da Imprensa, rubrica que achamos de interesse, principalmente para os mais novos, manteve o mesmo nível de intervenção.

Especiais são uma amálgama de assuntos que abrange várias temáticas.


Entretanto criámos um novo tema designado por Templos, que penso se justificava e conta 17 entradas, estando próximo do seu esgotamento.

Não podemos deixar de referir os visitantes originários de outros países, mantendo-se com maior intervenção, como é natural pela sua população e língua, o Brasil, de onde diariamente recebemos visitas, seguindo-se a distância considerável a vizinha Espanha.

Presentemente temos visitantes de 45 países.

O ALCOUTIM LIVRE só existe porque tem visitantes/leitores em número suficiente que o justifique. É para eles que aqui estamos. O nosso MUITO OBRIGADO pelas visitas e pela divulgação.

CRITIQUEM, APOIEM E DIVULGUEM O ALCOUTIM LIVRE, UMA VOZ LIVRE NO DESERTO SERRANO.

Pequena nota
Iremos fazer mais duas abordagens em “postagens” seguintes sobre o segundo ano de vida.
JV

quinta-feira, 17 de junho de 2010

D. Leonor de Noronha, filha dos 1ºs Condes de Alcoutim

[Desaparecido Convento de S. Domingos em Santarém]

D. Leonor de Noronha, é uma figura da cultura portuguesa do século XVI, tendo nascido, segundo parece em 1488 na cidade de Évora.

Era filha de D. Fernando de Meneses e de D. Maria Freire de Andrade que foram os primeiros condes de Alcoutim.

Dedicou toda a sua vida aos livros e nunca quis casar.

Há quem diga que foi aluna de André de Resende o que não parece ser muito viável, foi contudo, e disso não restam quaisquer dúvidas, do poeta e humanista siciliano, Cataldo Sículo com quem aprendeu latim, tornando-se uma distinta latinista.

Era versada em diferentes línguas.

O seu Mestre descreve-a aos onze anos, em verso, de cabelos louros e tez rosada, fazendo mais tarde rasgados elogios à sua inteligência e aplicação ao estudo.

Entre outros, Cataldo teve como alunos, além da já referida D. Leonor, seu irmão D. Pedro de Meneses, 2º Conde de Alcoutim, os pais, D. Fernando de Meneses, e D. Maria Freire de Andrade, 1ºs Condes de Alcoutim, os filhos de D. João II, D. Afonso que morreu de um acidente de cavalo na Ribeira de Santarém e D. Jorge de Lencastre, bastardo que foi duque de Coimbra e mesmo o rei D. Manuel.

Cataldo Sículo veio para Portugal a pedido de D. João II reger a cadeira de Retórica na Universidade de Coimbra.

Traduziu do latim a Crónica Geral, de Marco António Sabélico e escreveu “Este livro é do Começo da História da Nossa redenção (…), 1552" e a que se seguiu, em 1554, “Esta é a Segunda Parte da História da Nossa redenção …".

Quando o Marquês de Vila Real, D. Pedro de Meneses, seu irmão, fez testamento em Santarém, em 1543, deixou-lhe uma tença de 250 mil réis anuais.

Viveu em perpétua castidade e morreu aos setenta e cinco anos, em Évora a 17 de Fevereiro de 1563.

Foi sepultada no Mosteiro de S. Domingos de Santarém, que já não existe e na Capela de Jesus, onde se lia este epitáfio:

Aqui jaz D. Leonor de Noronha, filha de F. Fernando de Menezes, segundo Marquez de Villa-Real, e da Marqueza D. Maria Freire, que faleceo sem casar de idade de setenta e conco annos no de M.D.LXIII.

BIBLIOGRAFIA

Dicionário Bibliográfico Português, Inocêncio Francisco da Silva, Tomo V.

As Cidades e Vilas da Monarquia Portuguesa (…), Vilhena Barbosa, 1862

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Vol. 18

LELLO UNIVERSAL, Dicionário Enciclopédico Luso-Brasileiro, Porto, 1975.

Enciclopédia Verbo – Luso-Brasileira de Cultura, Edição Século XXI

História de Portucália, Uma história de Portugal no Feminino, Manuel Dias Duarte, Editora Ausência, V.N. de Gaia, 2004.

História Genealógica da Casa Real Portugueza, António Caetano de Sousa, Edição QuidNovi/Público, Academia Portuguesa da História,Vol. V, 2007

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Afinal havia vida no cemitério!

Pequena nota
Numa” postagem” recente dizíamos que o Alcoutim Livre só possuía um poeta, mas era bom! Afinal, como estava engano!
Possivelmente para "desmentir" essa minha afirmação, aparece-nos agora o nosso colaborador Amigo, Amílcar Felício que nos surpreende com toda a sua verve a demonstrar-nos, o que muito agradecemos, a outra face da sua escrita e que desconhecíamos completamente, ainda que o estilo de dizer coisas profundas com graça lhe transpareça tanto na prosa como na poesia. Venham mais.

JV








Escreve

Amílcar Felício



[Alcoutim visto do cemitério. Foto JV, 2009]

Como é bom voltar aos sítios que nos viram menino...

À procura das nossas memórias que tantas vezes já só encontramos numa casa derrubada, num velho caminho resistente às estevas ou numa cara já enrugada.
Mas sabe sempre tão bem voltar caramba!

Não tenho por hábito fazer o culto dos mortos. Gosto de os recordar para sempre como eram em vida. Odeio Cemitérios! Possivelmente será a minha vingança contra a morte. Mas naquele 1º de Novembro de 2003 não resisti e fui ao Cemitério de Alcoutim.

Sabia que os ia encontrar lá. E eram tantos os amigos de outros tempos, no meio de tantos outros que já nos tinham deixado! Que alegria apesar de tudo! Mas também sabia que íamos recuar 50 anos no tempo e encher aquele Cemitério de vida. Era fatal...

[Velho portão do cemitério de Alcoutim]
O que não sabia – ironia do destino – é que quando saísse, tinha à minha espera cá fora a sensação do vazio, do nada... ou do quase nada do que eu conheci.

Alcoutim tem mais encantos e está mais belo do que nunca, mas sinto-o triste sempre que nos encontramos. Falta-lhe aquilo que lhe dava alegria... as pessoas.

É esta viagem ao passado que fiz naquele 1º de Novembro, que quero partilhar com os leitores do Alcoutim Livre, sem qualquer pretensão poética como os entendidos perceberão. Saiu “esta” como reverso da medalha de uma manhã de emoções fortes!

E esperando que não fiquem deprimidos. Viva a vida, nem que seja dentro de um Cemitério!


O DIÁRIO QUE NÃO FIZ...

Ai se eu escrevesse um Diário
daquilo que me vai na alma,
nem sei bem o que faria!
Talvez uma prosa tristonha,
ou uma sofrida poesia,
talvez começasse assim:
Era uma vez...
Ou tão somente: Alcoutim,
Um de Novembro de Dois Mil e Três.

Eu vi esta casa cheia
dos gritos da minha avó,
e esta chaminé pejada
de chouriços nos varais,
e o fumo da esteva queimada
a subir pelos beirais,
mas já não existe nada...












A casa da minha avó está fria, vazia,
e a lida do dia-a-dia acabou.
A lareira já não arde como ardia,
está apagada.
As galinhas, os cães e os gatos,
os burros, os porcos e os patos,
partiram em debandada.
Procuro refúgio na rua
à espera de quem vai e vem,
procuro o calor da gente,
que trago na minha mente,
mas não encontro ninguém!
Fecho os olhos lentamente
e revejo-os caminhando,
com um olhar sorridente...


Vou até à beira-rio
mas já lá ninguém habita,
não há caras conhecidas,
não há Guarda nem Guarita
e os barcos são de turistas!
E cada pedra da calçada
martela a minha memória,
como tudo é tão efémero
tanta vida, tanta estória,
que já não se repetirá,
até parece que a vida
são férias que a morte nos dá...















E em cheia de águas passadas
sem um cais para atracar,
navegante solitário
levado nesta enxurrada,
nem sinto o tempo a passar!
Vou para casa descansar
que isto não leva a nada,
mas antes vou arrancar
a folha do Calendário,
e dar-me por satisfeito
por nunca fazer Diário!!!

terça-feira, 15 de junho de 2010

Resto de velho canhão



Durante muitos e muitos anos esta parte de velho canhão cuja “cabeça” rebentou, constituiu o espólio dos apetrechos de guerra que fizeram parte do armamento do castelo de Alcoutim. Quem o visitava não deixava de para ele olhar “magicando” na sua utilização. Certamente quando rebentou, terá causado vítimas.

Em 1758 o pároco de Alcoutim, que respondeu ao questionário (quesito 25), entre outras coisas, escreveu (...) tem sete peças de fogo e algumas com grande perigo para uso, tem as ditas peças sete reparos de muito pouca sustância (...).

Possivelmente este canhão teria feito parte do sistema artilhado que se criou virado para Sanlúcar na altura das Guerras da Restauração ou de época posterior.

Após a conclusão do restauro do castelo foi retirado desconhecendo-se o seu destino; penso contudo, que o seu lugar seria ali, colocado na posição técnica e com quadro explicativo das funções que desempenhou e das suas características.

Apresentamos uma arma que nos parece semelhante e devidamente colocada, mas isso é noutras terras.



A fotografia foi por nós tirada, se a memória não nos atraiçoa, em 1986.

ONDE ESTARÁ?

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ferrarias, monte subsidiário da mina da Cova dos Mouros

[Chaminé antiga. Foto JV, 2010]
Iremos começar desta vez pelo topónimo cujo significado nos pode proporcionar algumas interpretações.

Na Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira (1) diz-se que é alusivo a oficinas onde já no século XV, pelo menos, se trabalharia o ferro.

José Pedro Machado, escreveu:- Do s.m. ferraria, inicialmente “Mina de Ferro”, “oficina metarlúrgica”, sítio em que os Romanos ou os Pós -Romanos descobriram ferro nativo, ou escórias antigas, isto é, vestígios de trabalho antigo; e também local em que se trabalhou o ferro, e isto segundo Leite de Vasconcellos (Opúsculos., III, p 367) (2)

Esta explicação poder-nos-á levar a concluir que a existência da pequena povoação, “monte” terá a ver com a exploração mineira representada pela mina da Cova dos Mouros ou das Ferrarias que lhe fica próximo, situada numa grande herdade, hoje desmembrada, designada por Herdade da Malhada ou das Ferrarias.

Não vamos incluir neste artigo a abordagem à Mina da Cova dos Mouros, a maior que existiu no concelho de Alcoutim e que iremos fazer em tema próprio, como merece.

[Casa típica com chaminé. Foto JV, Maio de 2010]
A notícia mais antiga que possuímos desta pequena povoação é-nos dada pelo processo nº 10478, instaurado pelo Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Évora contra Gaspar Guerreiro ou Gaspar Martins Guerreiro, que vivia da sua fazenda, filho de Manuel Guerreiro e de Maria Estevéns, natural de Ferrarias, Freguesia de S. Pedro de Vaqueiros, concelho de Alcoutim, morador no concelho de Almodôvar e casado com Domingas Francisca.

O réu é preso em 5 de Fevereiro de 1700 e acusado de ter fugido da casa de seus pais, com dez ou doze anos, trocando o nome de Gaspar por João, para não o conhecerem. Casou pela 2ª vez com Domingas Guerreiro, sendo ainda viva a 1ª mulher pelo que é acusado de bigamia.

Denunciado pelo sogro (presumimos que seja o 1º) transitou da cadeia pública de Évora para a prisão do Limoeiro em Lisboa em 30 de Agosto de 1701. Por provisão de 13 de Janeiro de 1702, foi-lhe comutado o degredo. (3)

Vamos então à procura do pequeno monte, que terá por fundador, como tudo indica, o latifundiário local e em tempos recuados que virão após as conquistas de Alcoutim e de Tavira, a que se seguiu o desbravamento da serra.

Tomando a estrada que parte de Martim Longo para Vaqueiros, após a passagem da ponte da Ribeira da Foupana entramos na freguesia de Vaqueiros e vamos encontrar à esquerda a indicação de Ferrarias, caminho de terra batida que seguimos.

Além de estreito, é mau e lá o vamos seguindo como podemos. Do lado direito o “Parque Mineiro”, empreendimento turístico inaugurado em 11 de Outubro de 1997 (4) e que nos mostra a antiga mina de cobre da Cova dos Mouros com reconstituições pré-históricas, dando ao visitante a sensação de estar numa viagem através dos tempos.

[Burros pastando. Foto JV, 2010]

O caminho continua e conseguimos passar por um barranco de alguma dimensão.

Um pouco mais à frente descobre-se o pequeno monte, num serro, de onde se vislumbram os contornos da serra algarvia.

Pouco arvoredo e no vale próximo corre a ribeira da Foupana, linha divisória das freguesias. Num prado pastavam vários burros, hoje bem poucos no concelho mas que foram abundantes pelo menos há cinquenta anos.

[Rua do monte. Casas caiadas e com barras. Foto JV, 2010]

São notórias as construções ao gosto regional, sendo as habitações caiadas, havendo mesmo a utilização dos ocres amarelados ou azuis para as barras. Ainda se podem ver os característicos poiais, uma velha e interessante chaminé, fornos, alguns derruidos pelo tempo e falta de utilização mas, há ainda pelo menos um que serviu recentemente.

No centro da pequena povoação uma casa “apalaçada” de dimensões fora do comum para a zona e que foi mandada construir pelo lavrador do monte para a sua residência mas que segundo nos informam não chegou a acabar.

O núcleo de habitação com motivos geométricos decorativos está assinalado no Regulamento do Plano Director Municipal, tal como outros vestígios medievais em que se inclui um povoado islâmico no Cerro dos Mouros.

Por ali, ainda se pode respirar ar puro.

[Casa de lavrador restaurada e recuperada para outras funções. Foto JV, 2010]

Quando foi vendida a herdade também incluiram a parte urbana que restauraram para dar apoio ao empreendimento turístico que já referimos. É nela que podem pernoitar com sossego absoluto os visitantes que o desejem e com marcação prévia.

A electricidade foi levada à povoação em Novembro de 1999 (5) e como tal o acesso devia ter sido consideravelmente melhorado, o que não aconteceu.

Voltamos a recuar no tempo para dizer que segundo as Memórias Paroquiais de 1758 o monte tinha quatro vizinhos, número semelhante ao indicado para Bentos, Galachos, Pomar e Mesquita, todos da mesma freguesia.

Em 1852/53, Manuel Afonso, deste “monte”, era o Juiz Eleito e em 1858 pertencia à Junta de Paróquia.

Em 1860, Manuel da Palma que vivia neste monte e José Rodrigues, de Alcaria Alta da Serra, freguesia de Cachopo, eram os proprietários da Herdade das Ferrarias.

Segundo declarações prestadas por uma residente em 1996, no seu tempo de jovem, viviam sete casais e algumas crianças. Dedicavam-se à agricultura e à pastorícia em moldes de subsistência.

Faziam-se grandes bailes de “canto”, vinham moças e moços de Santa Justa, Alcaria Alta e de outros montes. Enquanto uns cantavam outros dançavam ao som da “flaita”. E conclui: É certo que a miséria era muito maior que é hoje, mas as pessoas eram muito mais unidas. (6)

Segundo informação que nos foi prestada por um antigo presidente da Junta de Freguesia em 1998, o monte tinha cinco fogos sendo dois habitados.

O caminho que atravessa o monte continua vislumbrando à saída e um pouco afastado, uma construção nova e relativamente recente. Fomos aconselhados a não segui-lo pois podíamos ter problemas para atravessar o barranco. O caminho vai dar à Mesquita, a Malfrade e à aldeia de Vaqueiros.

NOTAS
(1)–Vol. 34, p 161.
(2)–Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Horizonte/Confluência, 1993, p 635.
(3)-ANTT / Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Évora, proc. 10478
(4)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 5, de Novembro de 1997, p 39.
(5)–Alcoutim, Revista Municipal, nº 7 de Março de 2000, p 15.
(6)–Jornal da Serra, nº 16 de Novembro de 1996.

domingo, 13 de junho de 2010

Ribeira de Odeleite

[Monte das Madeiras. Pontão visto do sul. Foto JV, 2010]

É um dos três principais cursos de água, afluentes do rio Guadian,a que passa pelo concelho de Alcoutim.

Corre na parte sul da freguesia de Vaqueiros, tem a sua nascente no Vale de Maria Dias, próximo do Serro das Zebras (Serra do Caldeirão), vai desaguar no Guadiana, próximo da povoação da Foz, freguesia de Odeleite que lhe foi buscar o nome, tal como a aldeia que a encabeça.

Tem um curso aproximado de sessenta quilómetros. (1)

Nas suas margens desenvolvem-se grandes canaviais, alguns álamos e manchas de loendro.

Em locais propícios praticava-se alguma horticultura e plantavam-se árvores, nomeadamente laranjeiras e oliveiras.

[A Ribeira de Odeleite entre o Fernandilho e os Bentos. Foto JV, 2010]

As ribeiras foram muito aproveitadas para a edificação de azenhas, pois havia necessidade de transformar os cereais que por aqui se cultivavam em farinha, principalmente de trigo, ainda hoje base de alimentação da gente desta região. No concelho de Alcoutim, mais propriamente na freguesia de Vaqueiros, temos conhecimento da existência do moinho dos Bentos, da Várzea (ou da Rocha) e o da Malhada que ainda funcionava nos anos oitenta.

As águas têm interesse para os pescadores e apreciadores de lampreias.

No concelho de Alcoutim é atravessada por duas grandes pontes, uma situada próximo do monte dos Bentos e outra dos Galachos, pelo que são conhecidas por estas designações. Estas pontes, tal com o pontão das Madeiras, uniram o norte com o sul da freguesia de Vaqueiros e são obras realizadas depois do 25 de Abril.

No Barranco da Figueirinha, afluente da Ribeira de Odeleite, próximo do monte de Fernandilho, foi construída uma barragem destinada essencialmente para rega.

[Ponte dos Galachos. Foto JV, 2010]
NOTA

(1)-Portugal Antigo e Moderno, A.S. B de Pinho Leal.

sábado, 12 de junho de 2010

1ª Feira de Artesanato de Alcoutim

Pequena nota

Atendendo a que decorre neste fim-de-semana a XXV Feira de Artesanato & Etnografia de Alcoutim, lembrámo-nos de evocar a 1ª que teve lugar no Castelo da Vila e certamente já perdida na memória das pessoas.
JV

[O tosco cartaz da 1ª feira de Artesanato, 1986]

As feiras deste tipo após o 25 de Abril começaram a aparecer por todo o país. Umas foram-se mantendo, melhorando, progredindo, enquanto outras acabaram por se extinguir.

Em 1986 e em Alcoutim, por proposta do vereador da oposição, Dr. Francisco Amaral, a Câmara aprovou a realização de uma feira de artesanato em Alcoutim no sentido de mostrar o ainda existente e tentar reactivar o que se encontrava em vias de extinção.

Nomeada a Comissão Organizadora e presidida pelo vereador proponente, além do apoio da Câmara obtém subsídios de várias Entidades.

A feira realizou-se nos dias 9 e 10 de Agosto e teve como palco o Castelo da Vila, na altura sem grandes condições mas que já tinha beneficiado de algumas obras, muito limpo e já com água canalizada. Nada tinha de comparável ao que conhecemos em 1967 e que se manteve até 1974 com alta erva cortada pelo dente dos ovinos que sustentava, ou então servindo de pocilga e mesmo de hortejo, sendo isto algumas fases por onde passou.

Nessa altura o dinheiro para a sua organização era pouco, encontrando-se o concelho numa fase importante de desenvolvimento de infra-estruturas que consumiam o orçamento municipal.

Esta 1ª Feira foi feita com base nos artesãos do concelho que aderiram à iniciativa com todo o empenho. Foram espalhados pelo recinto e eram protegidos do sol por esteiras feitas de cana, delimitados os seus espaços por pequenos barrotes facetados por onde passavam cordas de ligação. Muito a propósito (o que penso hoje não acontecer), a existência de uma tabuleta que identificava a arte, oferecendo alguns dados fundamentais sobre ela e também dados biográficos sobre o artesão.

Entre outros, lembramo-nos da presença de cadeireiros, cesteiros, doceiras, ferreiros, tecedeiras e fabricantes de medronho.

Poderemos aqui indicar algumas notas que recolhemos nessas tabuletas:

CESTARIA
Manuel Francisco
Idade – 70 anos
Naturalidade – Corte da Seda
Exerce há 62 anos e aprendeu em Espanha (Sanlúcar)
Material – A cana e a verga são adquiridos nos barrancos.
Trabalho que se pode fazer – cestos, canastras e condessas. A fase mais importante do trabalho é o debrum. Começa-se por pelar as canas que são rachadas fininhas, em primeiro lugar é feito o fundo até à largura desejada, depois é começada a parede do cesto e só depois de terminada é que é feita a asa.
Local de venda – Residência. A razão da menor procura é a existência de plásticos.

CADEIREIRO
Manuel Francisco.
Idade – 63 anos.
Naturalidade –Fortim ((Vaqueiros)
Não frequentou a escola. Exerce a actividade há 14 anos.
Material – Madeira, palha, pregos, cepilho e rebote. Com o cepilho ou rebote raspa-se a madeira. Depois de raspada, prega-se e faz-se o assento com palha. A madeira tira-se da árvore e só se utiliza depois de seca. Os pés têm forma arredondada e são feitos com o auxílio da faca que os descasca ou são facetados quando existe o cepilho ou rebote. A parte mais interessante de se fazer é o assento.

Esta descrição que transcrevemos é pouco elucidativa pela dificuldade do artesão em a fazer e pela falta de conhecimento de quem recebeu a informação.
Entre outras coisas faltou referir o trado, a junça e a tabua.

[Os típicos cadeireiros trabalhando. Foto JV, 1986]

TECELAGEM
Senhorinha Gonçalves.
Idade – 62 anos.
Naturalidade – Penteadeiros (Martim Longo).
Não frequentou a escola. Aprendeu com a avó e exerce há 47 anos.
Material – Linha, lã e tear. Faz mantas, tapetes e toalhas de linho.
Vende na Feira de Castro Verde.

[A representante Senhorinha Gonçalves. Foto JV, 1986]

TECELAGEM
Maria Teixeira
Idade – 66 anos.
Não frequentou a escola.
Material – Lã, retalhos, linho, linha e tear.Urde-se, isto é, prepara-se o fio para ser lançado no tear. Depois de lançado, enrola-se no órgão. Mete-se no “restelo” para fazer a divisão dos fios e finalmente há uma 4ª fase que tem o nome de “tampeirar”, isto é, atar os fios às “canas”.

ALBARDEIRO
António José Pereira.
Idade – 51 anos.
Naturalidade – Soudes (Pereiro)
Exame da 4ª classe.
Exerce há 30 anos, aprendeu em Alcaria Alta.
Material – Palha de centeio, serapilheira, cabedal e fio de lã, para enfeitar. Fio, agulha e dedal. Albardas, molins e miniaturas.
Faz-se o molde, enche-se com palha. Forra-se em cabedal. É cosido com fio e leva também algum enfeite em lã. A fase mais importante é a armação.

LACTICÍNIOS
Maria Teixeira Ferreira
Idade – 49 anos.
Naturalidade – Vaqueiros.
Material – Leite, cardo, sal e cincho.
Trabalho: Queijo e almece.
O leite é coalhado, depois põe-se a ferver num tacho. Em seguida põe-se a arrefecer. Depois de estar normal, deita-se o cardo e o sal, quando estiver coalhado junta-se com uma escumadeira e mete-se no cincho e só depois de estar no cincho várias horas e já meio seco é que são mudados para um tabuleiro.
Vende na residência.

APICULTOR
Manuel Ferreira António.
Idade – 44 anos.
Naturalidade – Serro (Vaqueiros).
Tem a 4ª classe.
Exerce há 30 anos e aprendeu com o pai.
Material – Cortiça, crestadeira e máscara (peneiro).
Põe-se o cortiço no campo com um enxame lá dentro. Passados 40 dias está capaz de tirar as abelhas para outro cortiço, ficando a cera e o mel. Tira-se o favo que se espreme para a peneira, separando-se assim o mel da cera. Lava-se a cera que ainda tem resíduos de mel. Essa água é fervida com mais um pouco de mel e quando fica apurado o líquido obtido constitui a água-mel.

[O belíssimo mel do concelho de Alcoutim estava bem representado. Foto JV, 1986]

DOCEIRA
Jerónima Antónia Fernandes.
Idade – 55 anos.
Exerce há 35. Aprendeu com a Ti Ana Brandoa.
Produto – nógado.
1 kg. de miolo de amêndoa com pele e 0,75 l de mel.
Põe-se o mel a arfelar, tem-se a amêndoa ripada à mão. Quando o mel estiver a arfelar, deita-se a amêndoa ripada. Mexe-se com uma colher de pau sempre, até alourar. Quando estiver a alourar baixa-se o fogo. Tem-se uma tábua molhada com um pano. Estende-se rapidamente com o rolo da massa também molhado, têm-se o papel vegetal cortado em quadrados. Coloca-se uma camada de nógado e a seguir o papel e assim sucessivamente até se obter uma série de 10 quadrados.

[Comprando doces. Foto JV, 1986]

Apresentamos assim uma série de artesãos que estiveram presentes na 1ª Feira de Artesanato de Alcoutim e todos naturais do concelho, reproduzindo o que as tabuletas continham. Mais estiveram presentes.

Na “esplanada do castelo” foi servida uma caldeirada de peixe do rio típica da região e que hoje é difícil conseguir por falta de peixe capaz, pelo menos é isso que temos encontrado nas tentativas feitas.

A primeira feira, apesar das deficiências naturais, foi um êxito e daí a sua continuação.

A pedido da Comissão Organizadora (1) foi-nos solicitado uma pequena palestra sobre o artesanato do concelho e que viemos a proferir.

[José Varzeano proferindo a pequena palestra. Foto IN, 1986]

Assistimos depois a mais duas ou três realizações, colaborando numa com uma exposição fotográfica e de pintura, que teve lugar na Capela de Nª Sª da Conceição.

Assistimos, sem o termos projectado, à XXIV e onde verificámos transformações muito acentuadas. A organização melhorou imenso em muitos aspectos, contudo, do artesanato alcoutenejo resta muito pouco.

As tabuletas, que referimos e que consideramos importantes, foram banidas possivelmente pela falta de artesãos locais.

Aqui fica o que conseguimos reunir sobre a 1ª Feira de Artesanato de Alcoutim que já vai na XXV edição.

Nota
(1)-Ofício nº 10/86, de 15 de Julho.