terça-feira, 20 de abril de 2010

As saboarias no concelho de Alcoutim

Pequena nota
Este foi um dos vinte e um artigos que publiquei no Jornal Escrito da AJEA onde tive muito gosto colaborar e sempre fui bem recebido.
Por falta de apoios o suplemto acabou por se extinguir
.
JV


(JORNAL ESCRITO Nº 63,DE MAIO DE 2004, P. IV, ENCARTE DE “O ALGARVE” Nº 4797)

Há mais de trinta e sete anos e quando ainda era um jovem, na casa dos vinte, comecei a ler em literatura de cordel coisas do passado alcoutenejo e foi assim que entre outros assuntos que nada me diziam, vi referido as saboarias da vila de Alcoutim e da Aldeia de Martim Longo.

Naturalmente que liguei as saboarias a sabão, à sua fabricação ou depósito, o que qualquer dicionário de língua portuguesa elucida.

Para o que pretendia saber, era muito pouco, tinha de ir mais além mas era preciso saber dar os passos para isso.

Os anos foram passando e a pouco e pouco fomos encontrando explicações para as nossas dúvidas.

O fabrico de sabão é antiquíssimo com vestígios de produção encontrados no tempo de romanos e árabes, na península.

A produção variou com a tecnologia, sendo durante séculos utilizados no seu fabrico as gorduras animais, cinzas proveniente de vegetais, cal, azeite e suas borras. Sendo assim, não admira que no concelho de Alcoutim ela existisse já que havia quase tudo do que se necessitava para a sua confecção.


O fabrico do sabão, como sucedeu com outras produções, estava sujeito a um monopólio de tipo senhorial, por mercê régia, cabendo aos beneficiários os rendimentos de tal produção. (1)

Do mais antigo que se conhece, vem do tempo de D. Fernando que por carta de 7 de Julho de 1376, concedeu a Lancerote de França (ou Franca), almirante das suas galés, entre outras, as saboarias pretas de Alcoutim. (2)

Mais tarde, em 1499, juntamente com as de Martim Longo, vieram a pertencer a Diogo Lopes da Franca (4) certamente da mesma família e que serviu com muito valor em Tânger, onde foi adaíl (5) e algumas vezes capitão e contador da Fazenda Real.

Em 1385, D. João I doou ao filho de Lancerote, de nome Afonso, as mesmas saboarias que possuía seu pai. (3)

Queixava-se Diogo Lopes da Franca... que porquanto as ditas saboarias foram mui devassas e se não guardavam como deviam e ele recebia nisso muita perda, lhe déssemos a isto alguma provisão.
Analisado o assunto o rei dá e outorga-lhe as liberdades que D. Garcia de Castro tem para a saboaria de Lisboa.

Nenhum homem nem mulher na dita vila e aldeia, nem em seus termos façam ou mandem fazer sabão, não o comprem ou vendam, não o tragam ou mandem trazer de fora (...) sem licença e autoridade de Diogo Lopes ou de seus rendeiros.

Quem o fizesse, incorria em pena pecuniária, perdia o produto e seria preso até que efectuasse o pagamento em dívida.

Falecido Diogo Lopes da Franca, as ditas saboarias passam para sua filha Dona Simoa, mulher de António Leitão, adaíl-mor que obteria de D. João III, por carta de 29 de Fevereiro de 1528 que a mercê concedida a seu pai seja cumprida, arrecadando as ditas saboarias como foi estipulado. (6)

Uma herdade, perto da vila e que pertenceu aos Condes de Alcoutim e posteriormente à Casa do Infantado, denominava-se Diogo Lopes, designação que rusticamente ainda se mantém e que nos parece estar relacionada com a citada figura, a quem talvez tivesse pertencido.

Este monopólio de tipo senhorial sofreu forte golpe por legislação de 1766 e acabou por terminal em 1857, isto a nível nacional. Em 1852 já existia uma fábrica em Lisboa que empregava sessenta operários.

Sabemos que Manuel António Fonseca apresentou no dia 6 de Janeiro de 1842 o seu Privilégio ou nomeação de Caixa das Saboarias nesta vila, conforme carta datada de 1 daquele mês e de Vila Real de Santo António.

Ano e meio depois é Francisco de Assis Ferreira Rabo, natural de Faro que apresenta o seu Privilégio de Fiscal a cavalo do Contracto das Saboarias junto de Alcoutim, conforme carta datada de Lisboa a 27 de Julho de 1843. (7)

Fiquei admirado quando em 1990 uma alcoutenense me disse que sabia fazer sabão o que acontecia com a maioria das mulheres do seu tempo.


NOTAS
(1)-Dicionário de História de Portugal , Livraria Figueirinhas, Porto, Direcção de Joel Serrão.
(2)-História de Portugal, Joaquim Veríssimo Serrão, Vol. I, Verbo, 1977.
(3)-Dicionário de História de Portugal , Livraria Figueirinhas, Porto, Direcção de Joel Serrão.
(4)-Para o Estudo do Algarve Económico durante o século XVI, Joaquim Romero Magalhães, Edição Cosmos, 1970.
(5)-Oficial de guerra a quem pertencia guiar e conduzir o exército por veredas e caminhos ocultos e não trilhados, ensinando-lhe e apontando, quase mesmo com o dedo, a sua marcha. Também era do seu ofício governar os almocadéns e almogávares e toda a outra gente com que se faziam correrias nas terras do inimigo - Elucidário das Palavras, Termos e Frases (...) , Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, Livraria Civilização, Porto - Lisboa, 1ª Ed. Crítica, 1965.
(6)-Castro Marim Quinhentista - O Foral Novo (de 1504) e o Tombo da Comenda (de 1509) , Hugo Cavaco, Edição Câmara Municipal de Castro Marim, 2000.
(7)-Livro de Registo de Mercês e Privilégios - C.M.A.