sábado, 23 de janeiro de 2010

O "monte" do Coito, subsidiário da Herdade dos Coitos

Pequena nota

Neste blogue dedicado a Alcoutim e ao seu concelho, a freguesia do Pereiro tem sido menos referida e isto nada tem a ver com menor apreço.
Acontece que o último trabalho em papel que demos a público e que realizámos com muito prazer, tem por título A FREGUESIA DO PEREIRO (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente»», numa edição da Junta de Freguesia do Pereiro, 2007. Como tal, pouco tenho a acrescentar sobre o assunto.
É-me chamada a atenção por quem nos acompanha de perto neste trabalho, para o facto de que muitos visitantes / leitores do ALCOUTIM LIVRE não possuem ou não conhecem a referida publicação e isso não deve obstar a que esta freguesia seja divulgada, através desta técnica de comunicação.
Ponderada novamente a situação concluímos que a chamada de atenção tinha plena justificação e resolvemos começar a publicar temas sobre a freguesia por adaptação do que se escreveu em livro, não se deixando de referir qualquer novo elemento de que tenhamos conhecimento.

JV

[Monte do Coito. Foto de JV, 2008]

Se estivermos na Vila de Alcoutim e pretendermos encontrar esta pequena povoação, atravessamos a ponte sobre a ribeira de Cadavais e seguimos pela estrada municipal 507. Passamos pelas Cortes Pereiras, depois deixamos à direita Afonso Vicente e alcançamos a EN 122. Tomamo-la à direita e pouco depois voltamos à esquerda retomando a estrada 507.

Entramos numa zona semiplana e quase desprovida de arvoredo e onde a esteva abunda, aparecendo de vez em quando a roselha.

É uma zona agrícola pobre, sendo aproveitada para a apascentação de gado miúdo. É vulgar verem-se rebanhos de pequenos ruminantes.

Do lado direito notamos numa pequena baixa um charco onde o gado bebe e à esquerda e a alguma distância, dois moinhos, o branco para a transformação do trigo em farinha com vista ao fabrico do pão e o preto destinado a rações para animais. É tradição que foram mandados construir pelo espanhol, D. Miguel Angel de Leon que presidiu à Câmara de Alcoutim e veio a ser barbaramente assassinado.

Pouco depois, vislumbramos à direita uma pequena povoação. Alcançamos assim, o Monte do Coito que a placa toponímica refere. Do lado direito da estrada, o velho poço público com bomba elevatória e pequeno lavadouro.

A notícia mais antiga que possuímos da povoação, é a que nos dá o pároco local, António Corrêa nas Memórias Paroquiais (1758) respondendo ao questionário em que a designa como Couto e lhe atribui 20 vizinhos com 67 pessoas.

Em quadro anexo à Corografia do Algarve, Silva Lopes dá-lhe para o ano de 1839, 18 fogos o que se assemelha ao primeiro dado apontado.

Já em 1771, Domingos Dias, aqui residente e numa tradição de pastorícia que a zona encerra, procedia na Câmara ao manifesto dos seus gados, constituído por reses.


[Charca da Herdade dos Coitos]

O topónimo deve de estar relacionado com o privilégio do Pereiro ter sido couto para determinadas situações ou talvez com mais propriedade pela proximidade da Herdade dos Coitos, no extremo da qual se situava, que foi património municipal e que originou vários problemas. A herdade estendia-se entre Santa Marta e esta povoação que viviam subsidiariamente dela.

Coito ou Couto significa terra defesa cujos moradores gozavam antigamente de privilégios e isenções.

Para resolver problemas monetários, a Câmara volta a sua atenção para esta herdade, propondo e aprovando em 1854 dividi-la em pequenas courelas e ferragiais junto dos montes do Coito e de Santa Marta.

Para proceder à divisão, foram nomeados Manuel Bartolomeu, de Afonso Vicente, Manuel Vilão, do Coito e Manuel Afonso Corvo, de Sta. Marta.

Em 20 de Agosto desse ano a Câmara foi em “comissão” ao Coito proceder à divisão e demarcação dos ferragiais para serem arrendados. As coisas não deviam ter decorrido com muito sucesso, já que o Administrador do Concelho mandou levantar auto sobre os acontecimentos que tiveram lugar no monte do Coito, onde aquele povo, reunido com o de Santa Marta, cometeu o excesso, segundo a Câmara, de arrancar os marcos que esta tinha mandado colocar.

A Câmara agradece ao administrador as providências que tomou para conhecer quem foram os principais mentores da assuada que lhe foi feita.

Durante anos foi posta a arrematação “as rações dos coitos do concelho” que acabou por ficar devoluta durante quatro anos “sem haver quem nella queira lavourar depois que a Câmara decidiu não dar terra de renda.”

Esta decisão municipal encontrou grande oposição por parte do povo de Sta. Marta e do Coito, montes que viviam muito na sua dependência como já se afirmou.

A Edilidade acabou por decidir o arrendamento pelo prazo de seis anos, o que foi arrematado por José António, de Sta. Marta, pela quantia de 40$000 réis anuais, sendo o primeiro pagamento feito por Santa Maria de Agosto de 1859.

Esta situação de arrendamento e à mesma pessoa mantém-se até 1873.

A herdade veio a ser vendida, pensamos que a quem a trazia de renda, pois na sessão de 15 de Novembro de 1873 são apresentados cinco títulos de inscrição de dívida interna fundada, no valor de dois contos duzentos e cinquenta mil réis, provenientes da troca da venda da Herdade dos Coitos. (1)

[Roselha]

Joaquim da Palma, aqui residente, fazia parte da Junta de Paróquia do Pereiro em 1870/71, nomeado pela Câmara Municipal e fez parte da comissão encarregada de proceder à inspecção directa e avaliação dos prédios situados nesta freguesia e para feitura das novas matrizes prediais, isto em 1874 e por indicação da Junta de Paróquia.

Os moradores intercederam em 1878, junto da Junta de Paróquia no sentido da mesma requerer à Câmara Municipal, oito mil réis de subsídio para reparar e aprofundar o seu poço público devido ao mau estado em que se encontrava e à estiagem. (2)

Em finais da década de trinta do século XIX, Joaquim Costa era considerado o lavrador deste monte.

Numa visita que lhe fizemos em 1992 não vimos portas ou janelas de alumínio, o que na altura já era difícil de encontrar.

Boqueirão em ruína. Portas com postigo. Casas caiadas. Parreiras às portas. Duas “carrinhas” algarvias. Uma banca onde se mata o porco. Pilheira para arrefecer o tacho das papas.

[Esteva]


À volta do monte os terrenos estão limpos e os pequenos hortejos vicejam com algum arvoredo.

Há energia eléctrica com cabina no meio do monte.

A pavimentação dos arruamentos foi concluída em 1991. (3)

Foram instaladas caixas de recepção do correio em 1997.

Depois de ter sido abastecido por cinco fontanários, a água é levado ao domicílio em 2002 mas não existe sistema de esgoto.

Em 1995 e mantendo a tradição ainda havia no um rebanho de ovinos com quinhentos cabeças.

Para terminar referiremos os números estatísticos apresentados nos dois últimos censos populacionais. Em 1991 eram identificadas 19 pessoas constituindo 6 famílias. Dez anos depois as famílias eram 6 e os residentes apenas 9, sendo seis do sexo masculino.

Desconhecemos os números actuais que devem ter naturalmente descido.

Mais um monte que caminha aceleradamente para a desertificação.

NOTAS
(1)–“A Capela de Santa Marta (a velha) e o monte do mesmo nome, na freguesia de Alcoutim”, José Varzeano, in Jornal do Algarve de 26 de Abril de 1990.
(2)–Acta da Sessão da Junta de Paróquia de Pereiro de 14 de Julho de 1878.
(3)–Boletim Municipal, nº 9 de Dezembro de 1991, pág.2