segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Os primeiros automóveis em Alcoutim

Pequena Nota
Depois do interessante texto que aqui inserimos e de autoria do nosso colaborador José Temudo, que entre outras coisas descreve o primeiro “carro” que viu em Alcoutim, é a vez de outro dos nossos apreciados colaboradores fazer o mesmo e ao mesmo nível sobre os primeiros que viu no sua terra natal, isto, uns anos depois.
São muito curiosas as informações que nos dá que só o seu espírito de bom observador consegue reproduzir.
JV






Escreve
Gaspar Santos




Um dos primeiros automóveis ligeiros de passageiros que vi em Alcoutim no início dos anos 40 pertencia ao Dr. João Francisco Dias. Era a viatura que ele utilizava para se deslocar a qualquer local do Algarve, mas, sobretudo, para as suas visitas domiciliárias. Que nós podemos imaginar, hoje, como seriam nesse tempo, por caminhos de cabras.
Segundo José Temudo escrevia neste blogue no passado dia 5 de Dezembro de 2009, o primeiro automóvel que viu em Alcoutim pertencera a uma pessoa de nome Xavier. Tive oportunidade de confirmar que assim é. O Manuel Guilherme confirmou-mo, pois viajou nesse automóvel entre a Corte da Seda e Alcoutim. Ele e o seu pai aceitaram a boleia que o Senhor Xavier de Martinlongo lhes oferecera.

As estradas, que então serviam o concelho de Alcoutim, são hoje EN122 ligando a Vila Real Sto António e EN124 ligando a Pereiro, Martinlongo, Barranco do Velho e até Porto de Lagos no concelho de Silves (Monchique). Estas estradas eram ruins, de terra batida (MacAdme), com muitos buracos e poeira, mas permitiam o acesso a todo o Algarve. Para o interior do concelho só serviam algumas aldeias e poucos montes. Quando o Dr. Dias se deslocava para ver um doente grave, na generalidade servia-se de caminhos que no máximo uma carroça já teria utilizado.
No princípio dos anos 40 quando comecei a observar estas coisas, penso que o Dr. Dias já usava o segundo automóvel. Julgo que o primeiro teria chegado ao fim da sua vida útil. Na fábrica de foices foi cortado em dois pedaços. A parte traseira com o banco estufado e rodas pneumáticas foi adaptada a charrette puxada por cavalo. Era muito utilizada, então, pelo Senhor Francisco do Rosário nas suas idas à sua moagem do Pereiro.

[Chevrolett de 1928]

O automóvel seria um Chevrolett. Tinha habitáculo de lona encerada, e dava para cinco lugares. Umas rodas bastante grandes e um degrau para se subir. Consumia gasolina, mas não tinha motor de arranque. Para pôr o motor a trabalhar havia duas alternativas. Ou se dava umas voltas à manivela, que exigia muita força nos braços e era perigosa quando o operador, por falta de força, deixava desandar a manivela em sentido contrário, podia partir braços. Ou pegava de empurrão, o que era mais eficaz. Era um problema quando o motor ia a baixo, pois para arrancar exigia o concurso de duas pessoas, uma a dar à manivela e outra aos comandos.
Dai que o Dr. Dias tivesse dois ajudantes o Afonso Costa (relembrado neste blogue dia 17 de Novembro de 2009) e, outro homem, de nome Bernardino, um pouco mais entendido em motores e que sabia conduzir. O Bernardino viera da Guerra Civil de Espanha e gostava de exibir o que ele considerava um rico palmarés. Gabava-se de durante a guerra ter extorquido presuntos em casas isoladas de camponeses espanhóis, e quando não lhos davam “a bem” matava os camponeses.

A garagem para recolha e oficina de manutenção do carro era no edifício da antiga cadeia, ao lado do gradeamento, mas independente. Era aqui que procediam à substituição do óleo, atestavam de gasolina, montavam e desmontavam pneus, remendavam e enchiam as câmaras-de-ar etc. Imagine-se o que exigia de preocupação com o abastecimento, dado que a bomba de gasolina mais próxima era em Vila Real Sto António.
[Actual Rua Dr. João Dias e onde se estacionava o veículo.Foto JV]

Mais tarde o Francisco Serafim Nunes também adquiriu um destes automóveis. A aprendizagem fê-la nas ruas de Alcoutim, com muita dificuldade e sem instrutor.
Hoje que se generalizou o uso do automóvel, que se tem uma bomba de combustíveis a cada passo, custa talvez imaginar como era nesse tempo. Limpeza, manutenção, gestão dos combustíveis e óleos, câmaras-de-ar, remendos e o arranque. Que dores de cabeça! Quem valia muitas vezes era a garotada que se divertia a empurrar o carro de marcha atrás pela Rua Dr. João Dias até quase à Estação dos Correios, para ele pegar embalado rua abaixo.