sábado, 19 de dezembro de 2009

Malfrade, um "monte" da freguesia de Vaqueiros


[Vista parcial do Monte de Malfrade. Foto JV, 2009]

Voltamos hoje a abordar um monte da freguesia de Vaqueiros cuja criação data, segundo Silva Lopes, de 1583. (1)

Conhecê-mo-lo de passagem numa das primeiras vezes que fomos à freguesia e isto a seguir ao 25 de Abril de 1975.

Toda a freguesia, até essa data, tinha apenas cerca de seis quilómetros de estrada de macadame, fazendo a ligação entre a aldeia de Vaqueiros e a de Martim Longo.

As dezenas de montes que a constituem encontravam-se ainda relativamente povoados apesar do seu isolamento.

Uma das primeiras medidas tomada pela Comissão Administrativa da Câmara foi enviar para o local maquinaria que possibilitasse a abertura de caminhos de maneira a facilitar a passagem pelo menos de um jipe, um camião e até uma motorizada. Até então os trajectos eram feitos a pé ou em animais de sela, principalmente em asininos.

Deu-se a circunstância que duas colegas de curso de minha mulher, acabado de concluir, terem sido colocadas na escola do Zambujal. Quando a minha mulher mostrou interesse em visitar as colegas, tive a necessidade de junto do presidente da Comissão Administrativa, a quem tinha sido fornecido um jipe que ele próprio conduzia, de me informar se era possível com o meu carrito chegar àquele monte (Zambujal).

Entusiasmado com o trabalho realizado disse-me então que sim, agora já era possível, ainda que com dificuldade e não para todos os veículos. Metemo-nos na aventura e não foi fácil lá chegar. As visitadas, quando deram pela nossa presença, foi uma alegria.

[Placa toponímica. Foto JV, 2009]

Hoje, saindo da vila e para alcançar Malfrade, o trajecto é outro e na altura impensável. Não precisamos de ir a Martim Longo como então aconteceu. Tomando a estrada nº 124 passamos pelo Pereiro e poucos quilómetros andados encontramos um entroncamento à esquerda que nos indica Alcaria Cova. É por ele que seguimos passando a ribeira da Foupana através de ponte já construída depois do 25 de Abril, entramos assim na freguesia de Vaqueiros. Após a subida tomamos a direita e depois de vermos Alcaria Queimada com a sua Capelinha em honra de S. Bento, vamos alcançar a estrada nº 505 e pouco depois a placa toponímica que nos situa em Malfrade.

A localidade mais importante da chamada Serra de Vaqueiros, concelho de Alcoutim, era a Alcaria (Aldeia) de Vaqueiros, ainda assim chamada no século XVII. Os árabes chamavam-lhe Alcaria, os cristãos chamavam-lhe Aldeia (de Vaqueiros) pois a pastorícia era nesses primórdios longínquos a actividade quase única e que mantinha a sobrevivência destas gentes.

Os caminhos serrenhos iam naturalmente dar a esta aldeia e eram proporcionados pelos cursos de água, aqui designados por ribeiras e barrancos.

Como ponto de encontro de algumas dessas rotas funcionava uma horta que um velho camponês “amanhava” para seu sustento e da prole. A localização do hortejo justifica-se pela proximidade dos cursos de água, terrenos mais frescos e que os detritos depositados pelas enxurradas tornam mais produtivos.

Depois dos seus afazeres na Alcaria (dos vaqueiros) regressavam aos refúgios de origem espalhados por toda a Serra e combinavam numa futura ida à aldeia o encontro na tal horta.

Quem chegava primeiro esperava pelo amigo. mantinha com o hortelão algum diálogo e naturalmente perguntava-lhe como ia a horticultura a que invariavelmente o hortelão respondia: Bem de abóboras e mal de frades!
Sendo a resposta igual para todos, estes começaram a designar o local como MALFRADES ou MALFRADE.

É esta a lenda que o povo arquitectou com a sua sabedoria para justificar o nome da povoação.(2)

A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira diz que se trata de uma expressão medieva, alusiva talvez a um freire de Sant’ Iago, (3) Ordem Militar que dominou esta zona.

Tomando em consideração de que frade no Algarve é principalmente uma variedade de abóbora (4), pode estar aqui a explicação da origem do topónimo, já que a grande maioria tem origem no reino vegetal. Claro que isto nada tem a ver com a lenda que contámos.

Nos dicionários que habitualmente consulto, não encontrei qualquer outra povoação com este nome.

A notícia mais antiga que conhecemos do monte de Malfrade e não no plural, é a que nos dá as Memórias Paroquiais (1758) que o indicam no singular e que lhe dá apenas dois vizinhos, ou seja, dois fogos. Enquanto isto o vizinho Zambujal é apresentado com 31, na altura o maior da freguesia.

[Uma vista do monte. Foto JV, 2009]

Não admira que a maioria dos montes tivessem dois, três fogos, como acontecia com Madeiras, Monchique, Vargem (Várzea), Montinho (da Várzea), Preguiça, Jardos, Bemposta, Casa Nova e Ferrarias que tinha então quatro. Esta situação justifica-se pelas dificuldades de transporte, do acidentado do relevo o que com outros factores levaram o homem a estabelecer o seu fogo junto das suas terras, disseminando-se forçosamente o habitat. De todos eles penso que foi este o que mais se desenvolveu.

Oitenta anos depois (1839) e socorrendo-nos do sempre consultado Silva Lopes (5), é apresentado como possuindo 8 fogos.

No censo de 1991 são indicados 28 ainda que oito só fossem habitados esporadicamente, sendo quarenta e seis o número de habitantes.

Presentemente, Novembro de 2009 e segundo informação recolhida junto de moradores eram trinta, tendo mais um do que o monte do Zambujal, conforme referiram.

[Antigo poço do monte. Foto JV, 2009]
O desenvolvimento do “monte” deu origem à existência de um pequeno estabelecimento comercial misto que de tudo vendia, desde o arroz e a massa, passando pelos copos de vinho e aguardente até motores de rega, charruas, fogões, adubos e o mais que se possa imaginar.

Conta-se que numa tentativa de provar que não havia de tudo, o freguês teria pedido barbilhos para chibos! Não é que a proprietária passado pouco tempo apresenta o que o freguês pediu!

Esta “estória” feita, a primeira vez que a ouvi contar foi quando eu era bem pequeno, a meu pai e a centenas de quilómetros de Malfrade. O objecto a adquirir é sempre o mesmo! Contudo e quando o estabelecimento comercial já estava no fim, um amigo que na vila e arredores tinha procurado adquirir, sem encontrar, remendos para a sua motorizada, acabou por resolver o problema em Malfrade, segundo ainda hoje conta.

O proprietário deste “comércio” era Manuel António Guerreiro natural do monte e que conheci após o 25 Abril já que fez parte da Comissão Administrativa da Câmara Municipal como representante da sua freguesia.

[Caminho do poço. Foto JV, 2009]

Veio a ser vereador da mesma Câmara nas 1ªs eleições democráticas após o 25 de Abril.

Já no ocaso da vida, passei um dia por Malfrade e fui cumprimentá-lo. Ainda que não me reconhecesse depois de tantos anos passados, quando lhe disse quem era, fez-me grande festa e apesar da avançada idade referiu alguns factos passados.

Além do dinamismo do monte que originou a criação deste comércio útil para ambas as partes, em 1976, aproveitando as mudanças políticas verificadas instalou-se uma moagem. Fazia farinha em rama e rações. Laborou durante 20 anos e ainda existe inactiva.

Havia também tractores de aluguer e debulhadora.

Nas redondezas houve uma mina de cobre cujo manifesto teve lugar em 26 de Janeiro de 1887. (6)

Num pequeno cerro, no lado esquerdo da estrada, entre o Montinho da Revelada e este monte, são visíveis alinhamentos de paredes e fragmentos de telhas do período pós-islâmico. (7)

Segundo indicação recolhida, existe no “monte” um curioso poço subterrâneo que não conhecemos. (8)


[Aspecto de uma das ruas]

Recebeu o fornecimento da energia eléctrica no dia 14 de Junho de 1984, ao mesmo tempo que os seus vizinhos (9) e a estação elevatória construída para fornecer o precioso líquido por fontanários tem a data de 1988.

O primeiro alcatroamento das ruas teve lugar em 1989 (10) com renovação em 1992. (11)

As crianças de Malfrade frequentavam a escola do Zambujal que foi encerrada por falta de alunos em 1990. (12)

A instalação do painel de caixas de recepção do correio operou-se em 1996. (13)

Aqui fica o que conseguimos obter sobre este monte da freguesia de Vaqueiros.

Nota rectificativa após a publicação

O nosso Amigo e Colaborador do Alcoutim Livre, Eng. Gaspar Santos, leitor assíduo e atento, teve a amabilidade de nos chamar a atenção para o facto de a ponte que se refere no texto sobre a ribeira da Foupana ter sido efectivamente construída uns dez antes do 25 de Abril, a estrada que se lhe segue é que foi depois.
Apresso-me a fazer a devida rectificação, pedindo desculpa aos meus leitores pelo erro cometido.
JV



NOTAS
(1) – Memórias para a história ecclesiastica do bispado do Algarve, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1848, pág. 357
(2) –Aprendida recentemente.
(3) –Vol. pág. 160
(4) - Vide Dicionário do falar Algarvio, Eduardo Brazão Gonçalves, 2ª Edição, 1996
(5) – Corografia do Algarve, 1841 (Relação Anexa)
(6) – Livro de Registo de Minas de 1885 a 1889.
(7) – “O Algarve Oriental Durante a Ocupação Islâmica”, Helena Catarino in Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé, nº 6, 1997/98.
(8) - Moçarabe em Peregrinação a S. Vicente , Associação Caminus, 1990, pág.5
(9) - Jornal do Algarve de 15 de Junho de 1984.
(10) - Boletim Municipal nº 5 de Setembro de 1989.
(11) – Boletim Municipal nº 11 de Setembro de 1992.
(12) – Boletim Municipal nº 7, de Abril de 1990, pág. 2
(13) – Alcoutim, Revista Municipal, nº 4, de Dezembro de 1996, pág. 12.