domingo, 19 de julho de 2009

A ermida do Espírito Santo, templo desaparecido na vila de Alcoutim



É a quarta vez que vamos escrever sobre este pequeno e desaparecido templo da vila de Alcoutim.

A primeira foi uma levíssima referência no nosso trabalho, Alcoutim, capital do nordeste algarvio (subsídios para uma monografia) (1) que fiz acompanhar de um pequeno desenho das suas ruínas que ainda existiam. Além do nome da invocação, pouco ou nada digo, afirmando até que nas minhas leituras nos arquivos locais nada tinha encontrado sobre ele, o que até hoje se mantém.

Quando o emérito historiador algarvio, Doutor Hugo Cavaco,publicou “Visitações da Ordem de Santiago no Sotavento Algarvio (Subsídios para o estudo da História da Arte no Algarve)”, numa edição da CMVRSA – MCMLXXXVII, foram colocados à disposição de todos, dados de muito interesse que vão de 1518 a 1566, que nos ajudam a conhecer melhor aqueles templos e nos revelam outros aspectos da vida local, proporcionaram-me um artigo mais completo que publicámos num semanário da região. (2)

Depois, e numa terceira abordagem, fizemo-lo após termos encontrado pela primeira vez uma referência a ela num assento de óbito.

Ainda que tenhamos alguma coisa de novo a acrescentar pela leitura que fizemos das Memórias Paroquiais – 1758, procuraremos compilar os elementos que demos a público.

Quando chegámos à vila em finais da década de sessenta do século passado, reparámos no que restava das suas ruínas e era bem pouco. Parte da fachada principal com o local do campanário, sobre o qual fazia o seu ninho um casal de cegonhas. Reconhecia-se muito bem o pequeno adro, empedrado, com parte dos muros e ainda se podia avaliar a área do templo devido à existência de ruínas das paredes.

[O templo visto por Duarte de Armas, Sec. XVI]
Foi tudo o que na altura podemos observar.

A nossa curiosidade por estes assuntos, levou-nos a indagar a evocação da ermidinha, mas as pessoas só nos sabiam dizer que era a igreja do Rossio e mais nada.

Tempos depois, uma alcouteneja, D. Conceição Cunha, filha do médico Dr. José Cunha, disse-nos que se tratava da Capela do Espírito Santo.

O passo seguinte sobre a capela, a que pensamos talvez ser mais adequado chamar ermida, por se encontrar sozinha, foi a constatação de a ver representada num desenho que o Doutor José Leite de Vasconcellos ofereceu a Manuel António Torres, considerado seu informador epistolar (3) alcoutenejo de destaque na sua época. Só mais tarde vim a saber que essa cópia tinha sido tirada do hoje bem conhecido Livro das Fortalezas de Duarte de Armas (Séc.XVI)

Em 1565 diz-se que está junto a esta villa da banda d’alem da ribeira d`Alcoutineio.

É indicada como sendo huma soo casa pequena, paredes até o meo de pedra e barro e dahi para cima de taipa, telhada de duas ágoas, madeirada de castanho emcaniçada.

Tinha um altar de alvenaria e no lugar do retábulo estava a imagem de Nossa Senhora com os Apóstolos e a vinda do Espírito Santo.

A ermida reparava-se à custa de esmolas que se pediam ao povo.

Em 1565 é considerada pelo Prior Visitador do Mestrado da Ordem de Santiago, João Fernandes Barregão, com necessidade de reparação e recomenda-se ao prior da igreja matriz, António Picanço, que junto do povo solicite esmolas para o efeito, pois a ele compete apresentá-la bem reparada e ornada para o serviço de Deus.(4)

Era tradição oral e ouvi-o dizer a alguns alcoutenejos que quando do domínio dos espanhóis, o sino desta ermida tinha sido levado para a matriz de Sanlúcar e lá rachou e foi substituído, e que os alcoutenejos nunca esqueceram o seu som.

Nas Memórias Paroquiais de 1758, respondendo à pergunta 13, o pároco de S. Salvador escreveu: - a Irmida do Espírito Sancto está no Rocio da villa perto da mesma villa para a banda do norte e todas estas Irmidas são sojeitas ao Ordinário deste Bispado e à Parochia.
Em 1843 procedeu-se à alienação de grande parte do rossio por proposta de um vereador, logo secundado por toda a Câmara. Foram feitos vinte e sete talhões mas nunca consegui encontrar a relação de quem os arrematou. Sumiu-se, como por encanto!
Teria feito a ermida parte de algum dos lotes? É muito possível que sim.

Em Novembro de 2007, deslocámo-nos ao Arquivo Distrital de Faro no sentido de encontrarmos alguns dados de interesse para um trabalho que andávamos realizando e que veio dar origem a A Freguesia do Pereiro (do concelho de Alcoutim) «do passado ao presente». Ao pesquisar os assentos de óbito da freguesia de Alcoutim, aparecem-me dois, seguidos e do mesmo dia, 20 de Agosto de 1855, o primeiro referente a D. Maria do Carmo Xavier Casqueiro de Sampaio, casada com Manuel Francisco Piçarra, natural da cidade de Elvas, residente na cidade de Tavira, o outro de Eduardo Augusto Xavier Casqueiro de Sampaio, solteiro, natural da vila de Moira (Moura) igualmente residente em Tavira e que presumo serem irmãos ou pelo menos parentes próximos. Não se indica a idade em qualquer deles e os assentos são lavrados pelo P. António José Madeira de Freitas (tio).

O que nos chamou a atenção foi o facto de ambos terem sido sepultados na Ermida do Espírito Santo, extramuros desta Vila de Alcoutim.Significará isto que nessa altura a ermida ainda se encontraria de pé e ao culto?
Não encontrámos nas proximidades daquela data mais ninguém com tal sepultura.

Pessoas que viviam em Tavira, que teriam vindo fazer a Alcoutim? Teriam aqui familiares ou seriam aqui proprietários? Talvez ambas as coisas.

A família Xavier por essa altura possuía vários elementos espalhados pelo concelho.

A situação sugere-nos a deslocação das vítimas de Tavira, onde a cólera-morbo já se faria sentir, para estas paragens de ares mais puros e com a epidemia mais distante.

A sepultura na ermida porquê, uma vez que o cemitério já estava em funcionamento a alguns anos?

Sugerimos duas hipóteses: ou a ermida pertencia à família, obtida após a implantação do liberalismo, fazendo parte de um dos vinte e sete talhões que já referimos (5) e assim a família teria o interesse e autorização para o efeito ou tratando de vitimação por tal doença haveria a necessidade da sepultura ter lugar em local distante para evitar contágios e daí a referência no assento a extramuros desta Vila.

Cerca de 20 anos depois, na Cheia Grande de 1876, não encontrámos qualquer referência à Ermida, mas sabemos que a maior prejudicada com a enchente do Guadiana foi D. Ana Xavier de Brito Teixeira (6) que poderá ser da mesma família.Igualmente por esta altura, D. Júlia Xavier de Brito era proprietária nesta zona. (7)

Afirmava o alcoutenense Prof. Trindade e Lima que constava ter sido destruída por um raio e profanada pela impiedade dos homens, mas não indicava quando. (8)




[Lar da 3ª Idade acabado de construir]
As suas ruínas foram removidas em 1985 para dar lugar à construção do Lar para Idosos.


Notas
(1)Edição da Câmara Municipal de Alcoutim, 1985.
(2)“A desaparecida Ermida do Espírito Santo, na Vila de Alcoutim”, in Jornal do Algarve de 2 de Fevereiro de 1989.
(3)Etnografia Portuguesa, Tentame de Sistematização pelo Dr.J. Leite de Vasconcellos, Vol. VI, organizado por M. Viegas Guerreiro, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983.
(4)Visitações da Ordem de Santiago no sotavento Algarvio..., Hugo Cavaco, 1987.
(5)“Coisas Alcoutenejas – Os Rossios”, José Varzeano, in Jornal do Algarve – magazine, 30 de Junho de 1994.
(6) Acta da Sessão da C.M.Alcoutim, realizada na Capela de Nª Sª da Conceição em 21 de Dezembro de 1876.
(7) Acta da Sessão ca C. M. de Alcoutim de 21 de Setembro de 1876.
(8)“Pequenos Apontamentos – Turismo”, in O Povo Algarvio, Tavira, 5 de Outubro de 1974.


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