domingo, 21 de junho de 2009

Os cadeireiros

Nem na minha região de origem, nem por onde passei depois, tinha ouvido tal designação.

Quando cheguei a Alcoutim e já passaram mais de quarenta anos, nas casas que fui conhecendo encontrava um tipo de cadeiras que considerava esquisitas pois não havia duas iguais, ainda que naturalmente tivessem coisas parecidas.

[Armação de cadeira muito antiga. Foto JV]

A minha curiosidade levou-me a fazer perguntas sobre elas e que os meus interlocutores iam respondendo conforme sabiam e que, lá no fundo se admiravam porque é que eu queria saber estas coisas!

Por ser assunto que sempre conheceram, considerando-o o mais normal possível, nem mesmo as pessoas mais evoluídas se questionaram no sentido de explicar tal arte.

Esta acção normalmente acontece às pessoas de fora que não conhecem os usos e tradições.

Começaram por me dizer que eram feitas por homens locais a que chamavam cadeireiros quando as faziam para venda, mas que de uma maneira geral todos as sabiam fazer para seu uso, uns melhor, outros pior, conforme a disposição e habilidade.

Quantas mais íamos vendo, melhor as observávamos, estabelecendo semelhanças e diferenças.

[Cadeira pequena. Foto JV]
Havia-as de diferentes tamanhos, mas as mais vulgares eram as pequenas que serviam para as pessoas se sentarem ao fogo, à roda da pequena mesa onde se serviam as refeições, para pelar amêndoas, para costurar, eu sei lá, para as tarefas mais variadas.

As cadeiras mais antigas, segundo nos foi dado observar, eram todas feitas de loendro e as peças que compunham a sua estrutura, de formato cilíndrico, excepto as travessas das costas que ao meio e para melhor cómodo, eram um pouco espalmadas.

É fácil reparar que as travessas da estrutura básica são colocadas a diferentes alturas para proporcionar uma maior resistência (vide foto junta).

A experiência do homem levou-o a substituir, nomeadamente as travessas mais próximas do chão, pela esteva delgada e por isso mais fácil de colocar, mas muito mais resistente.

Em alternativa utilizava-se, principalmente nas de maior porte, o zambujeiro que como se sabe é bastante resistente.

É altura de dizer que a madeira referida é abundante no concelho onde se encontra com muita facilidade. Além disso o loendro é leve e trabalha-se bem.

Entretanto o homem começou a facetar timidamente os pés até chegar a uma forma aproximada de paralelepípedo que foi aperfeiçoando e decorando com elementos simplistas.

As costas começam a ser completamente espalmadas e em lugar de terem um encaixe cilíndrico, já é de secção rectangular.

O exemplar que se apresenta foi adquirido numa das primeiras Feiras de Artesanato de Alcoutim e o cadeireiro era da freguesia de Vaqueiros e se não estou em erro, do monte do Fortim.

Nada disto levava grude e muito menos qualquer cola que não existia.

A cadeira seguinte já é mais evoluída e foi adquirida na Feira de São Marcos, em 1987mas o artista não é do concelho de Alcoutim mas sim de Alcaria dos Javazes, freguesia do Espírito Santo, que faz fronteira com este e pertence ao de Mértola.

[Cadeira de tamanho normal. Foto JV]
Ainda que seja notória a evolução, é tudo trabalho inteiramente artesanal, este não é o artesanato semi-industrial que nos pretendem impingir em muitas feiras do país.

Nota-se algum requinte no trabalho das costas, o tampo é protegido para maior estabilidade, por estreitas e delgadas ripas, fixas com pequenos pregos.

Os pés já são facetados.

Se a madeira utilizada era como regra esta, não quer dizer que não aparecesse outra, como por exemplo de oliveira.

As travessas começaram a ser fixas por intermédio de “puas” de esteva e mais tarde por pequenos pregos.

[Cadeirão adquirido na 1º Feira do Artesanato de Alcoutim.Foto JV].

E com que se fazia tudo isto?

Primitivamente apenas com um serrote, um trado e uma faca, como aqui chamam à navalha. Só depois apareceram a grosa e o cepilho.

Falta referir o tampo que é aquilo que nunca vi fazer e me causa muita confusão. É tecido (dizem-me que há duas maneiras de o fazer) com tabua ou junça, plantas que crescem onde existe água. Esta última, não necessita de tanta para se desenvolver, é mais resistente mas é naturalmente mais difícil de trabalhar.

[Tecendo o fundo com tabua. Foto JV]
Colhem-se em verde, secam à sombra e são molhadas para se trabalharem, tal como acontece à ráfia para as enxertias.

O cadeirão confeccionado nos mesmos moldes, era menos usual mas também os faziam, normalmente de encomenda. Além de maiores dimensões, eram providos de braços.

Esta arte espalhava-se pelos concelhos limítrofes e outros mais além mas no concelho de Alcoutim encontra-se praticamente extinta.

Há muitos anos que não vejo uma cadeira destas à venda na Feira de S. Marcos, a maior do concelho e onde eram muito procuradas.