quinta-feira, 23 de abril de 2009

A Ribeira de Cadavais

O topónimo Cadaval deve estar no nome comum cadava ou cadavo mais o sufixo al e assim cadaval significa abundância de cadavas ou cadavos e, portanto lugar onde ficaram bastantes restos de matos e árvores que se queimaram. (1)

A ribeira de Cadavais ou de S. Marcos é formada pela colaboração de vários barrancos. O do Poço Velho junta-se ao Grande, perto de Tacões, formando outro de maiores dimensões que toma a designação de Ladrões que no século XVIII ainda se vadeava. (2)

É o ribeiro dos Ladrões que unindo-se ao do Alcoutenejo, oriundo da “lagoa” de Marim, dá origem à ribeira que vem desaguar mesmo junto à vila.


[Alcoutenejo com barrancada, 2008. Foto J.V.]

Por esta região, os terrenos que ladeiam os barrancos são aproveitados para pequenas hortas e plantação de árvores mimosas, uma vez que se tornam mais frescos e aráveis. As oliveiras são muito utilizadas, por enxertia dos zambujeiros, pois nos cerros têm dificuldade em sobreviver.

No caso da ribeira de Cadavais, esse aproveitamento torna-se mais notório, pois existem melhores condições naturais.

Tal como junto ao rio, são terrenos muito disputados e encontram-se bastante divididos. É o pomar da vila. Saborosos citrinos daqui saiam a caminho da capital, onde o seu nome gozava reputação. Os produtos hortícolas têm campo propício ao seu desenvolvimento. Esta bacia é considerada como zona de maior quantidade de água. De há uns anos a esta parte, os pomares estão quase todos abandonados pois segundo dizem, já ninguém quer os citrinos de Alcoutim.


[Ribeira de Cadavais dos tempos antigos.]

A riqueza hortícola da zona não foi estranha aos povos que por aqui passaram, atribuindo-se aos Árabes a construção de algumas noras existentes, tendo mesmo aparecido vários objectos desse período, como por exemplo alcatruzes de barro que se guardam em museus. (3)

No princípio deste século, numa propriedade do P.deAntónio, quando andavam em trabalhos de cava apareceram grandes potes de barro que partidos mostraram um pó muito brilhante a que os jornaleiros chamaram ouro. (4) Possivelmente tratar-se-ia de arte funerária romana.

A ribeira que pouco antes da foz descreve curvas e contracurvas caprichosas, em épocas invernosas traz grande corrente, conhecida por “ribeirada”, pois nela se juntam as águas pluviais das terras circunvizinhas.

O correr das águas (ludras como aqui são designadas) dá origem a um barulho característico, inconfundível e poético.


Na época estival ficam-lhe vários pegos, entre os quais o do Corvo, da Arvela, do Calhau Branco, das Portas e Fundo, junto do qual a D.H.G. fez construir umas passadeiras em 1952.

Já em 1883 o vereador, Manuel António Torres, faz ver à Câmara a grande necessidade que há de se colocarem umas passadeiras na passagem da ribeira para a Fonte Primeira e outras onde se passa para a horta junto do reguengo de Lúcio Domingues. (5)

“Ontem à tarde (29.09.1949), após ter acabado de cair nesta região chuva torrencial que devastou os terrenos, principalmente os que estavam de alqueive, não tardou uma hora que a ribeira de Cadavais (...) viesse com uma enchente, cujo golpe de água atingia uma altura de três metros. As várzeas, junto às margens, foram invadidas pela enorme torrente, arrancando árvores, destruindo muros, rasgando terrenos e levando consigo alguns objectos agrícolas. Poços e noras ficaram entulhados. Só ao fim de meia hora as águas começaram a baixar. Sofreram enormes prejuízos as propriedades de José Peres Pereira, António Madeira do Rosário, Belmira Lopes Teixeira, José Pedro Severiano Teixeira, Alfredo Lopes e Bárbara Trindade.


[Azenha do Conde de Alcoutim na ribeira de Cadavais, Séc. XVI, Livro das Fortalezas de Duarte de Armas]


O povo desta vila não se lembra de ver a pequena ribeira com tão grande caudal”.

Foi esta a notícia que o correspondente do Diário de Lisboa, na vila, enviou para publicação.

Para a petizada, no Verão, a ribeira constituía a piscina natural onde aprendiam a nadar para depois passarem a utilizar o rio.

Muitos alcoutenejos devem o saber nadar à existência da ribeira.

No mapa de Portugal de Fernando Álvares Seco, de cerca de 1621, está representada uma ribeira, junto a Alcoutim, designada por Bellaxarim, que nos parece ser termo de origem árabe.


NOTAS

(1)-Lendas, Historietas e Etimologias... Alexandre de Carvalho Costa, 1958.
(2)-Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV, A.H. Oliveira Marques, 1987.
(3)-Informação prestada pelo Sr. Luís Lopes Corvo que foi proprietário de uma das noras.
(4)-Informação prestada pelo nosso bom e saudoso Amigo, Sr. Mário Vicente um dos jornaleiros.
(5)-Acta da Sessão da C.M.A. de 15 de Dezembro de 1883.