sábado, 11 de abril de 2009

Algumas intempéries alcoutenejas nos últimos dois séculos

(Publicado no Diário do Sul de 26 de Junho de 2001)



A passagem do recente mau tempo por todo o país, fez-me pensar em coligir alguns dados sobre alterações climatéricas notórias e passageiras que adquiri nas leituras que tenho feito sobre o passado alcoutenejo.

Publiquei, no espaço que ocupo num semanário regional e já centenário, nos princípios de 2000, uma memória intitulada Quando nevou no meu bairro (1), que tem alguma semelhança com aquilo que agora irei escrever. Contudo, enquanto agora me reporto a documentação, naquela circunstância utilizei só a memória, até porque o espaço intitula-se Memórias do Meu Bairro.


As alterações climáticas, quando acentuadas, provocam sempre situações mais ou menos complicadas.

Não pretende este pequeno apontamento, inventariar todas as situações que nestas circunstâncias causaram alarme na vila ou no concelho e delas excluímos, à partida, as situações de enchentes no Guadiana, e que tratámos noutras ocasiões. (2)

Veremos então o que obtivemos:


Se estivéssemos falando de uma região transmontana ou da Beira, a neve era assunto que com tudo se relacionava, desde o clima à habitação, passando pela flora, fauna e até à alimentação. Referi-la aqui, no nordeste algarvio, onde o calor aperta e a falta de água se faz sentir, vale pela excepção.



Nos últimos cinquenta anos dois nevões caíram sobre a região de Alcoutim (de uma maneira geral em todo o País) provocando a admiração e curiosidade dos alcoutenejos.

Em 1945 nevou com alguma intensidade, mas no dia 2 de Fevereiro de 1954 o nevão foi forte e provocou o gáudio dos “moços pequenos”, a curiosidade mas também a preocupação dos adultos, já que um nevão deixa sempre prejuízos.

O correspondente do Diário de Lisboa, na vila, dá a seguinte notícia, que veio a ser publicada no dia 8. (3) É lindo o aspecto da vila de Alcoutim, debruçada sobre o rio e em frente da espanhola San Lucar del Guadiana. Tanto as serras como as árvores desaparecem sob o alvo manto. Os flocos de neve que caem das amendoeiras floridas parecem as próprias flores. Pena é que tantos ramos, principalmente de oliveiras, se tenham partido devido ao peso da neve. Àquela vila têm-se deslocado numerosos forasteiros para admirar o lido panorama. O frio continua tendo o termómetro marcado zero graus, o que é raríssimo naquela região. Os lavradores estão satisfeitos porque, “ano de nevão, ano de pão”.

Nas nossas leituras encontrámos outras situações anormais no aspecto atmosférico.
Em Maio de 1844, na freguesia de Martim Longo e em especial na zona da Barrada, Pêro Dias e Azinhal, houve huma horrível trovoada que devastou as searas daqueles sítios. (4)

Nos dias 14 e 15 de Outubro de 1850 teve lugar nas freguesias de Alcoutim e Pereiro, grande temporal que causou inúmeros prejuízos e deles partilhou a Câmara já que a parede que ampara a estrada que segue pelas Portas de Mértola, caiu e corre grande perigo se não for levantada com brevidade.

Algumas fazendas da ribeira estavam completamente destruídas, ficando cobertas de cascalho. (5)


[Ribeira de Cadavais - Pego Fundo]
Em Fevereiro de 1855 não foi possível convocar os quarenta maiores contribuintes do concelho, já que devido ao tempo ir tão chuvoso, as ribeiras não davam passagem. (6)

Por último, um nefasto acontecimento. Pelas nove horas da noite do dia 17 de Março de 1883 pairou sobre a freguesia de Alcoutim uma forte trovoada, resultando cair “uma faísca eléctrica” no monte de Guerreiros dos Balurcos e em casa de Manuel Gaspar, onde se achavam várias pessoas. Matou instantaneamente um homem, mal feriu outro, assombrou ainda outro e matou uma vaca que estava numa “arramada” próxima. (7)

Certamente que muitos mais factos se passaram neste espaço de tempo e sobre este aspecto, mas não encontrámos mais referências na documentação consultada.


NOTAS

(1)-"Memórias do Meu Bairro - XXXV - Quando nevou no Meu Bairro", in Correio do Ribatejo de 11 de Fevereiro de 2000.
(2)-"Há um Século A Grande Cheia do Guadiana provocou tragédia em Alcoutim", in Jornal do Algarve de 3 de Dezembro de 1976.
(3)-A notícia englobada em “Continua a haver neve em diversos pontos do País”, era ilustrada com fotografia de 11,5 x 7,5 cm com o seguinte título: A vila de Alcoutim apresenta este aspecto. - Correspondente - Leopoldo Vicente Martins.
(4)-Acta da sessão da C.M.A. de 3 de Novembro de 1844.
(5)-Acta da Sessão da C.M.A. de 8 de Novembro de 1850.
(6)-Acta da sessão da C.M.A. de 8 de Fevereiro de 1855.
(7)-Of. nº 34 de 19 de Março de 1883, ao Governador Civil de Faro.