domingo, 14 de dezembro de 2008

O destino do pelourinho da Vila de Alcoutim

(Publicado no Jornal Escrito nº 37, de Novembro de 2001, p. III, encarte do Notícias do Algarve de 22.11.2001).


Foi o Prof. Doutor José Carlos Vilhena Mesquita, quem em 1991, com a publicação de dois artigos (1) nos revelou ter existido pelourinho na Vila de Alcoutim.

Quando comecei a interessar-me pelo passado alcoutenense, como em gíria se diz (2) o que coincide com a minha chegada àquela vila, admiti, pela sua antiguidade, pudesse ter tido pelourinho. Procurei saber da sua existência através da tradição oral, já que, junto do poder administrativo nada se sabia. Também aquela via tradicional nada nos trouxe.

Sem formação técnico - científica na área, comecei as minhas leituras por enciclopédias e dicionários, (era impensável a sua existência na vila) e folhetos avulso que acabavam por ser um extracto, muitas vezes deturpado, daquelas obras. Nunca encontrei a mais leve referência a tal monumento.

Ao saber da existência da Corografia do Algarve, de Baptista Lopes, não descansei enquanto não fui à sua procura na Biblioteca Municipal de Faro e fiquei entusiasmado com aquilo que li mas igualmente este trabalho, que penso ter servido de base a enciclopédias e dicionários, é omisso sobre o assunto.

Nas leituras que entretanto iniciei nos arquivos históricos da vila, Santa Casa da Misericórdia e Câmara Municipal, nada encontrei sobre o assunto. Através das pistas que me foram dadas pelo hoje Presidente da AJEA e Director do Jornal Escrito, órgão desta Associação, procurei adquirir mais alguns elementos.

Na informação prestada, o Distinto Professor escreveu:- Infelizmente já não deve ser possível recuperar o velho Pelourinho de Alcoutim, submerso pelas águas do Guadiana.


(O que hoje se vê do pelourinho)

Na minha permanência na vila, durante mais de uma década e onde sem sabermos porquê, vamos dar sempre ao Guadiana, com a utilização dos cais e nessa altura não conhecíamos a história do Pelourinho, a observação que fazíamos àqueles velhos degraus do ancoradouro e à pequena muralha de amarração, que têm aguentado inúmeras e fortes correntes, principalmente na altura das cheias, fazia-nos admirar da grande resistência e mais nada encontrávamos digno de registo.

A escadaria que proporcionava a atracação e era constituída, quando a conhecemos, por doze degraus de largas lajes de xisto da região, começou a ser adulterada com a utilização de cimento e a feitura de uma rampa de lançamento o que descaracterizou o local.

Procurou-se e bem corrigir a aberração com a remoção da rampa e a reparação ou construção de degraus que imitou o que existia.

Em Agosto último fui mostrar a quem nos acompanhava o aproveitamento que tinha sido feito da nesga de terreno que seguia o paredão que suporta o acesso ao cais rodoviário que funciona hoje e principalmente como parque de estacionamento automóvel.

O dia estava agradável, aproveitámos para nos sentar num dos convidativos bancos já que o local é aprazível. Trinta e dois anos antes fizemos o mesmo percurso mas só tínhamos o muro para nos sentarmos!

Lembrei-me então de contar o que sabia do destino do pelourinho e a minha acompanhante observou-me que seria interessante procurar e recolher o monumento, tendo eu comentado que não seria fácil fazê-lo pois desconhecia-se a sua concreta localização. Ao abandonarmos o local, não é que quase tropeço naquilo que considero a coluna do pelourinho! Estará certamente truncada, apresentando a base ou o capitel.
Já conhecia naquele local tal pedra marmórea, mas só era visível a parte cimeira pois todo o resto encontrava-se tapado.

Na altura pensei que fosse alguma pedra trazida como lastro nos barcos que demandavam o porto fluvial do Pomarão onde iam carregar minério oriundo da mina de S. Domingos, pedras provenientes de outras zonas como na altura me informaram e facilmente compreendido pois por estas zonas só existe xisto e grauvaque.

Acontece que agora a pedra branca (mármore) cuja superfície mais larga serve de base a um dos chuveiros que ali foram instalados, com o arranjo da escadaria acabou por ficar mais saliente e mostra a sua secção circular com trabalhos que nos parecem de encordoados e outros geométricos bem delineados.

O resto do pelourinho que segundo a Câmara Municipal informa em 1906, era de tosca arquitectura devido à sua muita antiguidade e achando-se bastante arruinado, foi mandado demolir no ano de 1869 e as suas imperfeitas cantarias foram utilizadas nas obras de reconstrução do cais da vila. (3)

(Guerreiro Gascon)
Em artigo publicado por Vieira Branco (4), informa que o Sr. Guerreiro Gascon ouviu em tempos ao Sr. Manuel António Torres que o pelourinho foi destruído cerca de 1878, depois da cheia Grande e após a construção da estrada Alcoutim-Pereiro, para alargamento do trânsito, o que foi confirmado pelo Sr. Pedro Teixeira que de memória fez um desenho que enviou ao Sr. Gascon.(5)

Assentava sobre duas grossas pedras, formando degraus, medindo a coluna cerca de metro e meio e igual dimensão devia ter por face a pedra base. Esclarece igualmente que era todo em mármore, informando também que os seus restos tinham sido empregues nas obras do cais.

Enquanto a Câmara Municipal o classifica de tosca arquitectura e de cantarias imperfeitas, Pedro Teixeira, contemporâneo do monumento, afirma que era todo em mármore, o que corresponde efectivamente ao fragmento que identificámos e que, pelo pouco que é possível ver, não nos parece ser assim tão tosco, antes pelo contrário.

É no norte e no centro do país que se encontra o maior e mais significativo número destes monumentos de pedra, o que contrasta com o sul, onde os muçulmanos permaneceram mais tempo. Mesmo assim foram identificados quinze no Algarve, parecendo que não se encontra nenhum de pé. (6)

Símbolo da autonomia municipal a ele se associavam funções jurídicas, onde eram expostos e açoitados os delinquentes.

Mais tarde passou a ser o local da afixação de alvarás e éditos e outra documentação do interesse dos munícipes.

Muitos foram destruídos após a instalação do regime liberal (1834) pois eram considerados pelos defensores deste regime como símbolos de tirania.

Como era regra, o Pelourinho da Vila de Alcoutim encontrava-se no largo principal em frente da antiga cadeia e onde se julga ter sido a sede do poder municipal em tempos muito recuados.

Depois de ter sido local de administração de justiça, de afixação e proclamação de assuntos de interesse colectivo, foi sepultado no cais velho (até parece que havia falta de pedra no concelho de Alcoutim!) e acabou por servir de base de chuveiro!

Urge, quanto a nós, desencarcerá-l,o trazê-lo (o que for possível) à superfície para que possa ser devidamente estudado e colocado no lugar que merece como símbolo de uma época e orgulho de todos aqueles que amam a pequena vila raiana na margem direita do Guadiana.


NOTAS

(1)“As origens do Ensino na Vila de Alcoutim” e “A derrocada do Pelourinho e da Câmara de Alcoutim pelas cheias do Guadiana de 1823”, in Jornal do Algarve de 30,05.1991 e 08.08 do mesmo ano, respectivamente.

(2)- Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo 2001- Alcoutenense – O mesmo que alcoutenejo, I Volume, pág. 155.

(3)- “A derrocada do Pelourinho e da Câmara de Alcoutim pelas cheias do Guadiana em 1823”, Vilhena Mesquita, in Jornal do Algarve de 8 de Agosto de 1991.

(4)“Os Pelourinhos Algarvios – Velharias – LXIII”, in Correio do Sul de 9 de Maio de 1937.

(5) -José António Guerreiro Gascon (1883 -1950) – Foi tesoureiro da Fazenda Pública no concelho de Alcoutim, trabalhou para a reconstituição do brasão de armas da vila e publicou alguns artigos sobre o seu passado.

(6) - Subsídios para a Monografia de Monchique, José António Guerreiro Gascon, 2ª Edição (facsimilada), 1993.