segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Corte das Donas, monte de nome pomposo!

Quando pretendemos escrever algo sobre as pequenas povoações, aqui designadas por “montes”, a primeira ou das primeiras coisas que referimos é a sua situação. Assim vai acontecer mais uma vez.

Quem estiver na vila de Alcoutim e pretender encontrar este aglomerado populacional, tomará a EM nº 507, mais conhecida por estrada marginal do Guadiana. Vai-se extasiando com a paisagem que o rio lhe oferece e de que as suas margens fazem parte, a portuguesa mais plana e povoada, a do país vizinho mais abrupta e quase desabitada, ultimamente salpicada de uma ou outra vivenda para férias, aproveitando o sossego e os bons panoramas que se desfrutam.

Cochoa, Vale de Condes e Vinagre são zonas rústicas por onde vamos passando até chegarmos ao Montinho das Laranjeiras, depois Laranjeiras, seguindo-se os Guerreiros do Rio. A estrada começa a subir um pouco e vamos encontrar uma pequena rotunda com duas saídas e é a primeira que devemos tomar já que a outra continua nas proximidades da margem e esta avança para o interior.


(Marginal do Guadiana, 1994)

A tendência é para subir uma vez que nos vamos afastando da margem do rio. Dois ou três quilómetros andados encontramos a placa toponímica que nos indica Corte das Donas. Ao contrário do que é habitual na maior parte dos casos, aqui a estrada passa junto à povoação.

Mas antes de nos referirmos à Corte das Donas dos nossos dias, iremos indicar o que recolhemos nas obras da especialidade, principalmente no trabalho da Professora Doutora Helena Catarino, intitulado O Algarve Oriental durante a ocupação Islâmica. (1)

A zona foi habitada como provam os vestígios arqueológicos encontrados.

O designado Cerro do Castelo situado na transição da freguesia de Alcoutim para a de Odeleite, foi referido por João de Almeida (2) situando-o junto da povoação e a 2 Km da margem direita do Guadiana. Opina aquele militar tratar-se de um castro romano, destinado a alojamento de uma emérita e que originou a actual povoação.

Helena Catarino situa-o a cerca de 2 km para sudeste da povoação e a 1,5 Km da margem do Guadiana, admitindo poder ter tido muralhas e ser do período da Idade do Bronze e tardo-romano/alto medieval, tendo encontrado vestígios de materiais de construção, pedaços de telha decoradas, cerâmica grosseira, alguma manual, de possíveis características pré-históricas. Algumas cerâmicas poderão vir do período tardo-romano ou visigótico.

A presença dos árabes deve estar nos “Alcariais”, próximo da povoação, junto da estrada para os Guerreiros do Rio, apresentando vestígios de materiais de construção e cerâmicas com destaque para bordos de panelas ou de pequenos potes.

É importante e também junto à povoação a presença de alguns troços de um antigo caminho com restos de calçada. Opina a investigadora poder ter pertencido a um antigo caminho que passava pelo Fadagoso e atravessava a ribeira da Foupana junto do sítio do Garrucho.

Como se vê, as indicações não são poucas.

Voltando aos nossos dias.

Nos arredores, eram terrenos que davam pão e que depois do abandono da cerealicultura, alguns foram semeados de amêndoas que deram origens aos amendoais que ainda vemos e hoje igualmente abandonados por falta de braços mas principalmente pelo preço irrisório das amêndoas.

Nas proximidades, ao sul da povoação, ainda se pode ver um moinho (da Picota?) que deixou de funcionar, a motor, por volta de 1960 e que tinha deixado de laborar pela força do vento, cinco anos antes, segundo as informações que recolhemos há umas dezenas de anos.

De vários locais nas proximidades do monte podemos desfrutar de excelentes vistas, podendo-se observar distantes povoados da Andaluzia.

Antes da construção da marginal, o único acesso por estrada era através da E.N. 122 com desvio à esquerda após a passagem de Balurco de Baixo. Foi por este intermédio que lá fomos a primeira vez e apesar de não ser o mais próximo da vila, foi o primeiro monte que conhecemos.

Outro dos assuntos que normalmente abordamos é o topónimo. Nome aparentemente pomposo, segundo as actuais concepções, localmente não encontrámos qualquer lenda que explique a sua origem, como muitas vezes acontece.

Para os peritos em toponímia, segundo as consultas que fizemos, o assunto não é fácil. A Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira diz que Corte, designando prédios (neste caso das Donas), aparece certamente em substituição dos casais de acourelamento efectuado com o repovoamento nacional (séc. XIII - XIV).


(Corte das Donas)

Donas designava especialmente as freiras de Santo Agostinho (Convento das Donas) ou, genericamente, freiras.

Será Donas um axiónimo como sugerimos na abordagem? Não saímos de interrogações e de conjecturas podendo acontecer que um dia apareça alguém a esclarecer tudo!

Quando houve necessidade de demarcar as fronteiras entre Alcoutim e Castro Marim, por este lado, a Câmara de Alcoutim utilizou entre outros, dois homens de Corte das Donas, com a função de informadores, pois conheciam bem a zona de transição. Foram eles José Ribeiro e José Dias, antropónimos que por lá existiam não há muitos anos.

Não havendo acordo das partes, cerca de um ano depois (1845), volta-se a fazer nova tentativa, desta vez bem sucedida e em que entrou, na mesma condição, o referido José Dias.(3) Este homem, parece muito ligado a assuntos de propriedade urbano-rústica e revelar idoneidade e sentido de equilíbrio pelo que, em 1856 é nomeado informador louvado para o serviço de contribuição predial.

Existiu uma Lutuosa, que acabou por se extinguir com o decorrer dos anos, após o 25 de Abril. Em épocas em que não existia protecção social, eram estas instituições locais que resolviam os problemas mais prementes quando a morte batia à porta das famílias. Era uma maneira comunitária muito espalhada por toda a freguesia de Alcoutim e que ia tentando ajudar a resolver problemas relacionados com tal situação.

As crianças, quando as havia, tinham escola em Guerreiros do Rio.

Outro dos pontos que é hábito abordar é o da população.

Nas Memórias Paroquiais de 1758, o pároco da freguesia que respondeu ao questionário, indica o número de vizinhos de todos os montes da freguesia, excepto deste. Igualmente Silva Lopes na sua Corografia do Reino do Algarve (1841), no mapa final que refere o número de fogos, também omite este monte. Quando em meados do século XIX as Entidades da Vila se reúnem com representantes de todos os montes da freguesia para decidir quanto aos enterramentos, todos estavam representados, excepto este! A quando da Cheia do Guadiana de 1876 houve gente de todos os montes próximos a apresentar prejuízos que a mesma lhes causou, mas não encontrámos ninguém de Cortes das Donas! Contudo, em 1850 nasceram no monte duas crianças.

É certo que em 1976 tinha sessenta moradores, passando para trinta e três em 1991. Hoje não temos dados mas possivelmente serão poucos mais do que uma dezena.

Teve funcionando uma pequena venda durante muitos anos e que me consta ter fechado recentemente. Foi lá que existiu um posto de telefone público.

Por volta de 1981 tem energia eléctrica e a distribuição de água por intermédio de seis fontanários é feita em 1990. Hoje tem distribuição de água ao domicílio.

Ruas cimentadas e recolha de lixo.

Após o 25 de Abril de 1974 passou a ser servida por transportes colectivos duas vezes por semana o que lhes facilitou a deslocação a Vila Real de Santo António, situação hoje alterada mas que não podemos pormenorizar.

Em finais da década de setenta as raposas infestavam a área pelo que a caça tinha diminuído bastante. Funciona presentemente uma Zona de Caça Associativa.

NOTAS

(1)–Foi publicada na Revista do Arquivo Histórico Municipal de Loulé Al – Ulyã, nº 6, 3 Volumes 1997/98.

(2)-Monumentos Militares Portugueses, 1946, pág. 422.

(3) – Acta da Sessão da C.M.A. de 28 de Abril de 1845.