terça-feira, 28 de outubro de 2008

Como o Dr. Dias salvou uma mula de morte certa

Escreve:
Gaspar Santos

Há mais de 50 anos o Dr. João Francisco Dias fez obras de grande restauração da sua casa. O filho João, também médico e também já falecido, procedeu a nova restauração do mesmo prédio. No decorrer desta segunda obra lembrei-me do acidente havido durante a primeira e que passo a descrever.

Aquele prédio onde a família então residia, tinha um quintal contíguo que se situava na parte mais distante da Praça da República. Na parte traseira do quintal havia um muro de suporte de terras com cerca de 5 m, contíguo à rua. Hoje o quintal praticamente desapareceu.

Durante as obras essa rua, em plano superior e pouco concorrida, foi utilizada para descarga dos materiais de construção (areia, cascalho, pedras, etc.) que eram transportados numa carroça puxada por uma mula. A técnica era a seguinte: a carroça encostava a traseira aos escombros do muro já demolido na parte superior, ficando ao nível da rua, apenas travada por um barrote de madeira que era suposto a roda não galgar. Imobilizada a carroça, o carreiro desengatava a mula, levantava os varais e as matérias a granel escorregavam caindo para o quintal.

Mas, uma vez a carroça não se imobilizou, a sua roda galgou o barrote já muito afundado no entulho e deu-se o desastre indo despenhar-se da altura dos cerca de 5 m, com a sua carga de areia arrastando a própria mula engatada nos varais.

A mula com um dos varais que se tinha partido espetado na barriga estava com enorme sofrimento. A sua reacção de pânico e o seu estrebuchamento ainda mais acentuava esse sofrimento.

Naquele entretanto começou a juntar-se gente e alguém foi dizer ao Dr. João Francisco Dias o que tinha acontecido.

A reacção imediata deste distinto cirurgião não foi diferente da que teria se se tratasse de pessoa humana. Apareceu imediatamente. Recrutou os homens presentes para segurarem a mula, para poder arrancá-la do suplício, retirando-lhe o grosso pau que estava espetado na barriga.

Sempre com a colaboração das pessoas que imobilizavam o animal, procedeu à sua operação cirúrgica perante a estupefacção de todos que observavam atónitos. Assim livrou a mula de uma morte certa por peritonite devida à perfuração intestinal.

Deste médico muito se tem falado e escrito acerca da sua bondade, competência e profissionalismo para com os seus pacientes mas nunca se falou deste incidente que mostra como ele compreendeu que o mundo era um todo em que todos os seres vivos merecem a nossa atenção e que não devemos alhearmo-nos do seu sofrimento. Afinal o Dr. João Francisco já partilhava da visão ecológica tão em moda hoje.